domingo, 26 de setembro de 2021

Juras Secretas de Um Trovador contemporâneo

 


Juras secretas de um trovador contemporâneo

 

“Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.

 Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras secretas, décimo terceiro livro do poeta Artur Gomes.

 Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.

 Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Couro Cru & Carne Viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.

                                                     Jura secreta 45

 por enquanto

vou te amar assim em segredo

como se o sagrado fosse

o maior dos pecados originais

e minha língua fosse

só furor dos Canibais

 E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga. Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica.

 As alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional.

                                   Jura secreta 13

 quantas marés endoidecemos

e aramaico permaneço doido e lírico

em tudo mais que me negasse

flor de lótus flor de cactos flor de lírios

ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse

Hilda Hilst quando então se me amasse

pulsando em nós salgado mar e Olga risse

ardendo  em nós flechas de fogo se existisse

por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse

 Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras secretas oferece viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.

                                                         Jura secreta 43

com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

Adriano Carlos Moura

Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf).

Professor de Literatura do IFF –

Doutorem Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora-MG

Se o sorriso da Monalisa
 é um enigma o rosto de Clarice 
também é

 Como não amanhecer feliz quando ao acordar damos de olhos com um recado desses em nossa caixa de mensagens, vindo da minha querida/amada amiga Angélica Rossi lá de Bento Gonçalves, cidade onde escrevi a maioria dessas Juras Secretas.

“É muito mas muito cheia de tudo de bom tua obra

Adorei - Até já mandei uns trechos pra uns amigos

Muito legal mesmo. Nunca deixe que as críticas apaguem a sua essência.. A noite Te mando

A minha jura preferida. Quem é a Clarice?

Fiquei curiosa pra ver como é seu rosto. E como Ela é. Que legal... me chamou a atenção a tal Clarice.

Porque não conseguia imaginá-la

Então é por isso...

Um pouco de muitas mulheres”

 A Clarice, que Angélica Rossi se refere é uma personagem presente na minha poesia em vários momentos multi/facetada em diversas mulheres que admiro. Essa exatamente está na

                                      Jura Secreta 72.

Clarice dorme em minha mãos

a carne trêmula depois do beijo

na maçã que hoje comemos

agora sonha tudo aquilo

que Baudelaire lhe prometeu

quando amanhece

os olhos dela quanto dia

que o dia de ontem não comeu


                                                                           Artur Gomes

do livro Juras Secretas

Editora Penalux - 2018

a dor do ciúme

érika era o azul

entre a serra e o vinhedo

a jura secreta

na carne das vinículas

nosso segredo sagrado

por entre as vinhas de Bento

o beijo quase rasgado

dentro das taças de vinho

e tanto amor prometemos

em rendas brancas de linho

érika era o azulzinho

por entre as tranças do vento

bebendo meu desalento

no interior da cozinha

e a mãe sôfrega na cama

ardendo no seu queixume

pensando luxúria do amor

vertendo a dor do ciúme

 

Federico Baudelaire

https://www.facebook.com/federicoduboi


                               BraZilianas 2019

 

não sei se piso terra firme

ou me afogo em pantanais

nem sei se lanço meu barco na tormenta

ou se me atiro contra o cais

no Mar de Lama inverteu-se a hierarquia

trepar na goiabeira é muito pouco

culpa do tao do Satanás

e no brasil jesus cristo é muito louco

e um capitão manda agora em generais

Artur Gomes

O Homem Com A Flor Na Boca

https://www.facebook.com/ohomemcomaflornaboca

 Marcante na medida necessária sempre que leio uma Jura, sinto-me degustando uma bebida diferente, como se estivesse em débito com algo ou com alguém, minha consciência fala abertamente sobre os causos que tomam conta. Um livro para se ler nas horas de reflexão, de desejo, de vontade, e claro, sobretudo, nas inquietações. Um livro excelente para ser lido ao som de Erik Satie ou Beethoven.

 Vítor Lima

Próximo Parágrafo


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