quarta-feira, 2 de julho de 2025

Artur Gomes : A Biografia De Um Poeta Absurdo

 Da Cacomanga para o mundo passando pela Tapera Ururaí Lagamar Ibitioca pulando feito pipoca para se equilibrar na corda bamba em terreiros nem sempre de samba quando o jongo e capoeira eram defesa na luta com as  palavras nem sempre amenas pacíficas cordiais muitas vezes tão ásperas que o jeito mesmo era o silêncio para não xingar o próprio vento que apertava o calcanhar na vida nem sempre mar de rosas quase sempre espinhos furando a sola dos sapatos 

Dia 27 agosto – 20h

Carioca Bar – Rua Francisca Carvalho de Azevedo, 17 – Parque São Caetano – Campos dos Goytacazes-RJ

 

Goytacá Boy

 

musicado e cantado por Naiman

no CD fulinaíma sax blues poesia

2002

ando por São Paulo meio Araraquara

a pele índia do meu corpo

concha de sangue em tua veia

sangrada ao sol na carne clara

juntei meu goytacá teu guarani

tupy or not tupy

não foi a língua que ouvi

em tua boca caiçara

 

para falar para lamber para lembrar

da sua língua arco íris litoral

como colar de uiara

é que eu choro como a chuva curuminha

mineral da mais profunda

lágrima que mãe chorara

 

para roçar para provar para tocar

na sua pele urucum de carne e osso

a minha língua tara

sonha cumer do teu almoço

e ainda como um doido curuminha

a lamber o chão que restou da Guanabara

 

Artur Gomes

Juras Secretas

Editora Penalux – 2018

V(l)er mais no blog

https://arturgumes.blogspot.com/

Artur Gomes

A bio.grafia de um poeta Absurdo

:

com os dentes cravados na memória

*

cacomanga 


ali nasci 

minha infância era só canaviais

ali mesmo aprendi

a conhecer os donos de fazenda

e odiar os generais 


poema do livro Suor & Cio

MVPB Edições - 1985

* 

Nasci numa madrugada do dia 27 de agosto de 1948 na Fazenda Santa Maria de Cacomanga, nas proximidades da Tapera, à época mapeada como 1º Sub-distrito de Campos dos Goytacazes.

Meus pais: Arthur Ribeiro de Abreu, era o administrador da Fazenda, e a minha mãe: Cinira Gomes, semi/analfabeta cabia a missão de cuidar da casa e da educação dos filhos. Meu pai era bem humorado e divertido, responsável pela organização das grandes festas/juninas que aconteciam na Fazenda.  Já minha mãe era rígida e severa no trato com os filhos.

Tenho quatro irmãos, filhos de pai e mãe: Ana Maria Gomes, Regina Lucia Gomes, Vicente Rafael Gomes e Ricardo Gomes. Tive dois outros irmãos filhos  do meu pai: Francisco Antônio Abreu, com quem convivi até o seu falecimento, e Rubens, que não chegamos a conhecer, pois faleceu com 8 anos de idade, vítima de tétano.

Não cheguei a conhecer meus avós paternos. Mas os maternos sim:  minha avó era chamada de Dona Moça, e nós a chamávamos de Mãe Dindinha, e meu avô chamava Leandro Gomes, morava próximo a nossa casa, trabalhava na capina e era fã de uma boa cachacinha.

Tivemos  uma convivência próxima, com vários primos, que moravam na mesma Fazenda Santa Maria de Cacomanga, filhos da nossa tia Julita, irmã da minha mãe e os sobrinhos filhos do nosso irmão Francisco.

Até os meus 7 anos minha vida era brincar no quintal de casa, com bola de gude, futebol com bola de meia, futebol de grama, soltar pipa, pique/bandeira e pique esconde e amarelinha e como cia tínhamos sempre os primos e sobrinhos e alguns colegas e amigos de infância moradores próximos da nossa casa, que fomos aglutinando durante todo o tempo que permaneci morando na Cacomanga.

Além das atividades brincantes, tínhamos também a ocupação de varrer o quintal, cuidar dos cães, dos porcos(que o meu pai criava para consumo da família), cuidar da pequena hora e do  jardim e a partir da minha criação de preá da índia.

Outras atividades costumeira que tínhamos na infância/adolescência era caçadas, principalmente de preá do mato,  e passarinhos, (rolinhas, quero quero, marreca), além das pescarias de piaba nos rios da Olinda e Ururaí.

Próximo a Cacomanga , além da Tapera, tínhamos também uma  convivência com outras localidade como Olinda, Morro Grande,  Lagoa de Cima, Espinho, Boca do Mato, Ururaí, Lagamar e Ibitioca.

Sempre tive e tenho uma atração pela aterra e  pelo fogo,  depois descobri que essa atração é exercida  também pelo mar desde que o vi pela primeira vez em Atafona, lá pelos idos de 1953.

Em 1955 aos 7 anos de botei fogo no paiol de milho do meu pai. O paiol era uma construção de madeira, o milho seco ali era guardado para alimentar os porcos. O prédio tinha dois andares, e no térreo era guardada a palha seca, que era transformada em adubo orgânico. Esta em cia do meu amigo Ziel, filho de dona Isabel que trabalhava como copeira na casa de Olivier Cruz, o proprietário da Cacomanga. Quando o fogo levantou e começou a atingir o segundo andar, apavorado saltei para o abismo secular da poesia.

Neste mesmo ano de 1955 comecei meus primeiros estudos escolares na Escola Reunida da Tapera, hoje Colégio Estadual Joaquim Atayde, na épocadenominada: Escola Reunida da Tapera.

 Ali estudei até 1957 as 3 séries primárias. Lembro-me que havia apenas uma sala, onde se reunia todos os alunos de cada turno, e a nossa professora se chamava Mercedes. Ali tivemos aulas de Matemática, Português, Ciência e Geografia. 

Como nessa época ainda morava na Cacomanga fazíamos uma longa caminha para pegar o ônibus na Tapera. Em Campos o ponto do ônibus ficava ao lado do Mercado Municipal, onde hoje é o Camelódromo. Não foram poucas vezes que enfrentávamos bravias tempestades nos trajetos de casa até a Tapera, na ida ou na volta muitas vezes noite já fechada, o que tornava o momento mais dramático.

De 1958 a 1960 meus estudos primários foram complementados no Grupo Escolar XV de Novembro, onde comecei as minhas primeiras incursões pela cidade propriamente dita de Campos dos Goytacazes. O colégio estava instalado em um prédio centenário na Praça da República, próximo a Rodoviária Roberto Silveira. Ali além de estudarmos, português, matemática, ciências, geografia, história e educação física, desfrutávamos de um imenso pátio com chão de barro e imensas mangueiras, onde deitávamos e rolávamos em jogos de bola de gude, peladas de futebol e basquete. Em 1960 fui preparado pela saudosa professora Maria Gomes, para o exame de admissão para a Escola Técnica de Campos, onde ingressei no Ginásio Industrial em 1961.


Na ETC cursei o Ginásio Industrial de 1961 a 1964. Ali muitas mudanças começaram a se metamorfosear, primeiro a chegada da adolescência e suas implicações, e a diferença tamanha  das Escolas que tinha estudado até então para aquela que agora começava a fazer parte da minha travessia, principalmente a convivência com os colegas, quase todos com idade bem maior que a minha. O período de estudos era manhã e tarde, além das novidades relacionadas ao esporte, integrados  a cadeira de educação física, futebol de grama, basquete e futebol de salão. Além disso, a integração, ainda se dava na hora do lanche, manhã e tarde, e do almoço. Além da grande novidade: a Banda Marcial, famosa em toda a cidade pelos seus grandes desfiles no dia 7 de setembro, muitas vezes, com ensaios pelas ruas da cidade, que começavam em junho.  Tínhamos ainda cerradas disputas de  tênis de mesa.

Além das matérias normais ao ensino fundamental: português, matemática, ciências, geografia, história, literatura, nos 2 primeiros anos, passávamos por Oficinas de Tipografia, Marcenaria, Sapataria, Alfaiataria, Fundição, Serralharia e Mecânica. No terceiro ano escolhíamos a Oficina que qual gostaríamos de nos especializar, e sair da ETC depois de concluído o Ginásio com um Ofício.

O Ensino Industrial foi criado em 1909, pelo campista então Presidente da República Nilo Peçanha. Campos foi a única cidade na época, sem ser capital a receber uma Escola de Aprendizes Artífices, primeiro nome dado a então ETC (Escola Técnica de Campos.

Desse período de 4 anos de Ginásio Industrial na ETC, muitas lembranças ainda vivas ardendo na memória muitas delas bem humoradas, outra nem tanto.  Acredito que foi nesse período que comecei, a prestar a atenção nos seres humanos, com quem estava convivendo. Cada pequena coisa nesse sentido fui captando, da forma que os professores se comportavam conosco, nas salas de aula, nas Oficinas e fora delas, além dos inspetores de alunos, esse na maioria se tornavam nossos amigos, devido a forma com que lidavam com a situações que nos envolvíamos.

A ETC tinha como Diretor o professor Francisco Pandolfo, e como vive o professor Edmundo Chagas. Dos professores das matérias de humanas, lembro-me de quase todos e todas: Alice Nogueira(português), Alceste Peres Pia(canto), Dulce(matemática), Conceição Ferreira(ciências), Dorâmia(geografia), Antônio Carlos Carvalho(história).

Das Oficinas: Wilson Monteiro, José Leitão, Thierri Pires(tipografia), Rosalvo, Adalberto, Walter Freitas, (marcenaria), José Cruz, Salvador Agminal de Sousa, mais conhecido na cidade por sementinha(sapataria) exímio jogador de sinuca e apostador em corridas de cavalo. Martinho, José Roque(alfaiataria), Agnelo(Fundição), José Fagundes(Seralharia) e Hélio Freitas(Fundição). Esse alguns anos depois se tornou Diretor.  

Em 1963, quando cheguei ao terceiro ano do Ginásio Industrial, sem nem mesmo até hoje definir o porque, escolhi a Oficina de Tipografia (Artes Gráficas) e acabei me tornando Linotipista. Minha primeira profissão. Mesmo desde os 12 anos ter trabalhando como  lavador de peças de automóveis e caminhões na Oficina da Fazenda Cacomanga, para ajudar o meu irmão Francisco. 

O nosso relacionamento com os inspetores: Edmundo Chagas, Élcio Peralva e alguns anos depois Eraldo Ferreira, um ex-aluno, que além de inspetor foi também regente da Banda Marcial, foi sempre divertido. Principalmente com Edmundo Chagas, que comandava as chamas para os lanches e o almoço, de uma forma muito particular com alegria imensa pela missão que desempenha. Tanto el como Eraldo, se tornaram nosso companheiros das cervejadas que pelos bares da cidade, a partir do momento em que a cerveja começou a fazer parte dos momentos de prazer e diversão.

*

Durante todo esse período de 1961 a 1964, dentro da ETC pouco se falava, em política, governos, e questões sociais, não tínhamos informação alguma além do que nos era passado nas salas de aulas e  nas Oficinas. Mas nas aulas de história com o professor Antônio Carlos Carvalho começamos a perceber eu algumas coisa estranha estava acontecendo fora da Escola. Ele era uma figura cômica, que chegava na Escola pedalando, entrava em sala de de aula todos suado, com paletó todo entanguido de suor, tirava do bolso um lenço mais amassado que o paletó, e limpava o rosto, enquanto rezava um padre nosso, ritual cumprido sagradamente todos os dias.

Passamos então a estar no seu calcanhar pela cidade, e na Faculdade de Direito, onde até o ano de 1974, estava sediada no mesmo endereço da Escola Técnica Federal de Campos, na Rua Tenente Coronel Cardoso. Neste ano foi que a ETFC se transferiu para  a Rua Dr. Siqueira, 273 onde hoje é o Campus Centro do Instituto Federal Fluminense. Descobrimos então suas atividades na Igreja Católica Tradicionalista e TFP (Tradição Família Propriedade). 

É dele o momento mais hilário que testemunhei na ETC em 1964. No dia 31 de março ao meio dia, já estávamos na sala, o aguardando para aula de história, ele  chegou da mesma forma como chegava todos os dias, só que um detalhe nos chamou a atenção de imediato.

Depois de enxugar os rosto suado, com o seu lenço todo amarrotado, tirou do bolso do paletó um radinho de pilha, ligado enquanto ele iniciava a aula que era sempre calcada em passagens bíblicas, como ele mesmo gostava de afirmar.

- “e aí Jesus gritou para a serpente”: “porei inimizade entre ti e a mulher, a tua descendência e a descendência dela, e um dia haverá um que te esmagará a cabeça.”

Dito isto colou o ouvido ao radinho de pilha  e de repente soltou um grito:

“meus amigos estamos livres do comunismo”! O exército acabara de consumar o Puta Golpe!

Em 1965 trabalhei como linotipista(minha primeira profissão), no Jornal A Cidade, em Campos dos Goytacazes. A jornada de trabalho estabelecida era das 2oh a 1 da madrugada, mas quase sempre ultrapassava às 5 horas da manhã.

Neste ano, estudei contabilidade na Escola Técnica do Comércio, que era situada na Av. Alberto Torres, acredito que o local hoje é o Bar do Cabeça.

Em 1966 tem início os cursos técnicos a nível de segundo grau na ETFC, Eletrotécnica, Edificações e Mecânica. Eu  ingresso no curso de Eletro. Passo a trabalhar no Escritório da Cerâmica Cacomanga, como aprendiz de escriturário e me alisto para servir o Exército. 

Em 1967 numa noite fatídica, sou atropelado por um caminhão da Cerâmica São Sebastião, na Beira Valão, em frente ao Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes-RJ. Fui socorrido por um motorista de uma caminhonete que passava pelo local. Levado para o SAMDU da Rua Saldanha Marinho, sou imediatamente levado para a Santa Casa, onde passo por uma cirurgia que me deixa em coma por 58 dias. 

Mesmo ainda me recuperando, da cirurgia, em maio de 1967 sigo de trem para o Rio de Janeiro servir o exército no Quartel de Cavalaria de Guardas - Dragões da Imdependência, situado na Rua Pedro II esquina com Figueira de Melo, em São Cristóvão, onde permanecemos  até o mês de dezembro daquele mesmo ano.  A passagem por esses 7 meses de quartel no Rio, não foi nada fácil, sofriámos opressão de todas as formas dos oficiais: Tenentes, Capitães, Major e do coronel comandante João Batista de Oliveira Figueiredo. 

Em setembro de 1967, meu pai, Arthur Ribeiro de Abreu, faleceu, e só dois dias depois consegui licença para vir em casa, e acabei não vendo o seu sepultamento. 

Em dezembro deste mesmo ano de 1967, o quartel foi transferido para Brasília, lá a missão foi terminar a construção do Quartel cuja obra estava inacabada. Cada soldado, que permaneceu incorporado trabalhou até maio de 1968 na profissão havia aprendido em sua adolescência. Eu como sabia datilografia fui trabalhar no Escritório do segundo esquadrão, pelotão onde fui lotado.

Como os fundo do quartel dava para o cerrado, e não havia muro, descobrimos uma trilha que ia até Taguatinga, foi a nossa grande válvula de escape para as fugas noturnas até os bares da referida cidade satélite. Dentro do quartel o discurso era um só: éramos os patriotas na missão de salvar o Brasil do comunismo. Triste ilusão.

Durante todo o tempo que permanecei no exército, no Rio, recebia visita do meu primo Antônio Abreu, e muitas vezes passava os finais de semana na casa dele em Deodoro, onde ele mantinha o seu arsenal de Tubos Plásticos, que ele comercializava. E sua intenção era que  quando eu saísse do exército viesse a ser um de seus gerentes de loja.

Em maio de 1968, recebi baixa e viajei de ônibus de Brasília para o Rio, e de lá para Campos para re-ver minha família na Cacomanga. A ideia era matar a saudade de casa e seguir para o Rio para assumir o trabalho de Gerente de alguma loja do meu primo Antônio Abreu, o que a minha mãe era totalmente contra. E eis que, depois de uma semana revivendo a Cacomanga, recebo a visita de um jeep, lotado de colegas do Ginásio Industria da ETC, com um recado do professor José de Oliveira Leitão, que foi quem me ensinou a trabalhar na linotipo, para que eu comparecesse à Escola, para assumir na Tipografia a vaga de linotipista, o que aconteceu em julho de 1968, e até janeiro de 1970, trabalhei na Oficina de Tipografia da ETFC, pelo regime de serviço prestado.

Em primeiro de janeiro de 1970, minha carteira de trabalho foi assinada por Renato Marion de Aquino, o então Diretor da ETFC, sendo regido a partir de então pela CLT. 

  Durante o meu período de atuação como linotipista na tipografia da ETFC, que durou de 1970 a 1986, tive os amigos de trabalho: Edmundo Chagas Filho, Salvador Ferreira, Josias de Souza, Paulo Moura, Thierry Pires e José de Oliveira Leitão tendo como chefe o professor Wilson Monteiro.

Até 1973, os anos  transcorreram em paz, trabalhava intensamente para dar conta do material da Escola que chegava às minha mãos para linotipar, ou de alguma outra instituição da cidade que a Tipografia prestava serviços de impressão. 

Como O Ofício da Escrita Entrou em Minha Vida 

Não sei exatamente quando, em que ano,  comecei a escrever, lembro-me que enquanto servia o exército escrevia carta para os meus familiares. 

Mas sei que durante todos os anos de 1971, 1972 e 1973, o hábito de escrever compulsivamente já me acompanhava, sem ter a mínima noção de estética, domínio ou técnica de  linguagem, fosse verso prosa fosse, o impulso era o de despejar palavras no espaço branco do papel, como quem estivesse desenhando uma porta de saída para a prisão imaginária onde me encontrava. 

E desse transe nasceram os livros : Um Instante no Meu Cérebro, 1973. Mutações em Pré-Juízo, 1975 e Além da Mesa Posta, 1977. Ambos escritos compostos por mim na linotipo e impressos na Tipografia da Escola Técnica Federal de Campos.

Um Instante no Meu Cérebro, ganhou prefácio de Renato Marion de Aquino, o Diretor da ETFC, a primeira pessoa dentro da Escola a incentivar minhas habilidades poéticas. Além de me presentear com o papel para a impressão do livro, ainda ofereceu um belo coquitel no lançamento dia 23 de setembro de 1973. Há 52 anos exatamente. 

Em 1973 o fidelense, Carlos Castilho, um estudante do Curso Técnico de Mecânica na ETFC, musicou um poema meu, e fomos selecionados para um Festival de Música Anti-Drogas em São Fidélis-RJ. 

Em 1974 ganho um outro parceiro  fidelense, Paulo Celso Rodrigues de Araújo - Ciranda, Que musicou o poema Tema de Encontro do livro Um Instante no Meu Cérebro. Ciranda na época estudava no Colégio Salesiano em Campos, o que possibilitou estarmos constantemente envolvidos no ato de compor, algumas parcerias também surgiam quando não estávamos juntos, ele me trazia um canção para letrar, ou eu oferecia uma letra para ser musicada.

E assim nasceu Caminho de Paz, música nossa vencedora do IV Festival de Música de São Fidélis-RJ,  em 1974. Na época eu estava completamente apaixonado pelas músicas do Taiguara, e muitas letras/poemas escrevi ouvindo-o no rádio, pois em casa  na Cacomanga não existia Televisão. A parceria com Paulo Ciranda se consolidou e permanece até os dias atuais. 

Em 1974, depois da nossa vitória no IV Festival de Música de São Fidélis, Antônio Roberto de Góis Cavalcanti - Kapi, produz e dirige o musical Gotas de Suor, realizado no Teatro de Bolso, com a nossa banda A Turma do Campo, que em seu elenco tinha mais dois componentes ligados a ETFC: Deneval Apollinário (baixista), aluno do Curso Técnico de Eletrotécnica, e Maria Inês(fofinha), aluna do Curso Técnico de Edificações(vocalista) e na época minha namorada. Antes do Teatro de Bolso, fizemos uma apresentação no Clube de Regata Campista, logo depois que voltamos do Festival em São Fidélis, a convite do radialista Ismael Luis(Bolinha), foi quando pisei no palco pela primeira vez, falando poesia. 

Em 1975 lanço Mutações Em Pré-Juízo, com prefácio de Marcos Wagner Coutinho, poeta, e professor de Letras na ETFC, nesse livro a minha escrita beirava o simbolismo e o misticismo, já com alguma noção de estética e de linguagem, a técnica e o  domínio já podia ser medido nos versos e na prosa. Por se tratar uma temática aparentemente religiosa, o livro causou um certo incômodo na cidade, principalmente dentro da ETFC, onde a maioria de professores e funcionários pertenciam  a ala tradicional da igreja católica. 

Em 1975 mesmo,  Deneval Siqueira Filho, um ex-aluno do curso técnico de  Edificações da ETFC, adapta textos e poemas de Mutações em Pré-Juízo, e do ainda inédito Além da Mesa Posta para o Teatro, e nasce o espetáculo/drama: Judas - O Resto da Cruz, para espanto ainda maior dos professores e funcionários da Escola Técnica Federal de Campos. 

Não resta nenhuma dúvida, que atuar em Judas - O Resto da Cruz foi o que me levou a encontrar definitivamente a minha vocação  de ator e transformá-la em profissão. Em 1975 mesmo movido por todas as emoções vividas na encenação crio na ETFC a Oficina de Teatro, e monto uma outra versão de Judas - O Resto da Cruz, realizada no SESC, com um elenco formado por estudantes do Curso Técnico de Química da ETFC, direção de Ronaldo Pereira. Acrescento mais textos do livro Além da Mesa Posta, e atuo interpretando o Judas. 

Em 1975 acontece a minha primeira experiência com Teatro do Absurdo, atuo ao lado de Maria Helena Gomes na peça Fando e Lis, de Fernando Arrabal, montagem dirigida por Orávio de Campos Soares, no SESC Campos. Por conta da minha interpretação sádico/dramática,  de Fando, perdi minha namorada Zulmira, sobrinha de Josélia Addad, na época gerente do SESC Campos. 

Em 1975, sou convidado a compor a Comissão Julgadora do Festival de Poesia Falada, em Santa Maria de Madalena-RJ. Onde conheci Eurídice Hespanhol Macedo, a melhor intérprete do Festival. 

Em 1976 arisco o meu primeiro espetáculo de teatro/solo com a montagem de "25 Anos de Sonho & Sangue" no SESC Campos. Inspirado na música Apalo Seco, de Belchior, que ouvia por todos os lugares que estivesse. 

"se você vier me perguntar por onde andei no tempo em que você sonhava de olhos aberto lhe direi amigo eu me desesperava". Apalo Seco, passeava por toda a encenação na trilha sonora, impulsionando a minha interpretação. Quase todo texto da montagem estava focado nos poemas do livro Além da Mesa Posta.

Em 1976, volto a Santa Maria Madalena para apresentação do monólogo: "25 Anos De Sonho & Sangue", a convite do grupo de estudantes que movimentavam arte e cultura .a cidade.  Eurídes era uma das integrantes desse grupo, e depois da apresentação, como já trocávamos uma intensa correspondência, começar um namoro, foi natural e permanecemos namorando até o final de 1977.

Em 1976 Balada Pros Mortais, música em parceria com Paulo Ciranda, vence o Festival de Música de Itaocara-RJ, e posteriormente o Festival Universitário no Rio de Janeiro, promovido pela Universidade SES-Rio, onde o Ciranda cursava Engenharia. 

Em 1977, lanço o livro Além Da Mesa Posta, com textos de apresentação de Celso Cordeiro, um grande jornalista e amigo e de Orávio de Campos Sorares, e  profetiza, que o seguimento da minha obra poÉtica iria se debruçar no sócio/político, questões que ele já vislumbrava mesmo que de forma tímida, no Além Da Mesa Posta.

Em 1997 Ave da Paz, uma música em parceria com Paulo Ciranda, foi finalista no Festival de Música de Itaocara-RJ e gravada por Biafra em 1981, no disco Leão Ferido.  

 Atuo interpretando o Arauto, na montagem do "Auto da Vila de São Salvador"  concebida e dirigida por Winston Churchil Rangel, nas escadarias do Ginásio de Esportes da Escola Técnica Federal de Campos. Com esta atuação  estava sacramentada a minha condição de ator na cena campista.

Em 1978 com o poema "Canta Cidade Canta" venci o Festival de Poesia Falada, criado pelo jornalista e poeta Amaro Prata Tavares, realizado no Teatro de Bolso pelo Departamento Municipal de Cultura da Secretaria de Educação de Campos dos Goytacazes-RJ. 

Em 1978 atuo pela primeira vez como Diagramador no Jornal Folha da Manhã, o primeiro jornal com impressão off-set na Região Norte-Fluminense. Além de atuar na diagramação assinava na Folha 2, um coluna sobre música e cultura aos domingos, e produzi várias entrevistas com os músicos do estrelato nacional que se apresentavam na cidade. Uma das melhores entrevistas que fiz, foi com Milton Nascimento, por ocasião do seu show no Grussaí Paia Clube. 

Em 1979, participo da Antologia Ato-5, editada pelo Grupo Uni-Verso, que era composto pelos poetas: Amélia Alves, Joel Mello, Prata Tavares, Eloisa Flac e Luiz Sérgio Azevedo dos Santos. 

O livro fo composto por mim na linotipo e impresso na tipografa da ETFC, a capa com ilustração de Edinho Estrobel, foi impressa em off-set na gráfica Damadá em Itaperuna-RJ, com poesia dos poetas: Antônio Roberto de Góis Cavalcanti-Kapi, Artur Gomes, João Vicente Alvarenga, Orávio de Campos Soares e Prata Tavares.

Nele a profecia de Orávio de Campos, começava a se cumprir e todos os meus poemas inseridos em Ato-5, são de cunho sócio.político como este:

E com o Poema Para O Povo Em Tempo de Abertura, mais uma vez tiro o 1º lugar no Festival de Poesia Falada do Departamento Municipal de Cultura de Campos dos Goytacazes-RJ

*

Poema Para O Povo

 Em Tempo de Abertura

quando você descobvrir

que no meu quarto moram

exilados e subversivos

perceberá o perigo que corre

de dormir comigo

numa cama fria de uma "Frei Caneca" 

ou se manda de vez

para  a esquerda de Jesus!


quando nas grades,

paredes e muros descobrir amor,

o povo estará liberto

e poderá seguir: Fidel,

Guevara, Pablo, Neruda ou "Luther King".

- sem precisar pedir esmola - 


basta lembrar que o aborto

da manhã perdida 

é uma menina/nua iconsciente e tesa 


E para o que foi deposto:

mais vale o céu, a estrela,

o mar,

que o punhal ou sabre,

ou mesmo a bomba/besta

que de uma vez arrasa

mas não basta por si só


Pois se os sinais dos templos

ainda não ruíram

é porque alguma coisa ainda existe

por detrás das crenças

ou mesmo desse Deus

em Quem acreditamos.


e para o que foi detido:

mais vale a terra,

o trigo,

o grão,


que a navalha ou corda - 

que amarra prende e corta;

mas não basta.

não reforça

e nem destrói tudo de uma vez.


- porque renasce e continua...


E para a morte:

não é preciso golpes,

nem estrelas,

nem estradas.


e para o povo:

não é preciso o golpe

nem promessas nem palavras

É preciso pão!

Com esse poema no mesmo ano de 1979 venci mais uma vez o Festival de Poesia Falada de Campos e por sua interpretação na Semana de Cultura Popular no SESC da Tijuca Rio, em 198o foi preso pelo Dops e levado para o Batalhão da PM para averiguação. 

Em 1979 ainda, lancei o poema de cordel Jesus Cristo Cortador de Cana. Poema que no final de 1983 ilustra uma matéria de capa, no Suplemento Cultural do DO de São Paulo, sobre a Mostra Visual de Poesia Brasileira, e em 1989 me serve de espinha dorsal para a criação de um espetáculo teatral, sobre o TCC de 9 Estudantes da Escola de Serviço Social da UFF em Campos, sobre pesquisa realizada com mulheres de cortadores de cana, da Usina de Outeiro.

 Em 1980 totalmente mergulhado nas questões sócio/políticas que envolviam o Brasil como um todo,  com as circunstâncias provocadas pelo Golpe de 1964 e os já 20 anos de Ditadura Militar, escrevi o livro O Boi-Pintadinho, com prefácio de Osório Peixoto, o nosso grande mestre da cultura popular em Campos dos Goytacazes-RJ e responsável por minhas participações na Semana de Cultura Popular, criada pelo professor Ivan Cavalcanti Proença, realizadas no SESC da Tijuca Rio, pelo Colégio Metodista Bennett  onde Ivan, era coordenador da matéria Cultura Popular. 


levanta meu boi levanta

que é hora de levantar

acorda boi povo todo

povo e boi tem de lutar


Com a repercussão que o livro imediatamente ganhou  pelo Brasil, montei com os alunos da Oficina de Teatro da ETFC, o Auto do Boi-Pintadinho, espetáculo de Teatro de Rua com o qual balancei as estruturas pela ruas da cidade de Campos dos Goytacazes até 1987. 

Em 1981 Paulo Ciranda, morava em São Pauo, no apartamento do seu irmão, Zilmar Araújo (técnico de gravação da Continental), na Rua Caiubi em Perdizes. Lá ele musicou  fragmentos de poemas do livro Boi-Pintadinho. Música que nos deu várias premiações nos Festivais de Música que existiam na época em todo o Estado do Rio de Janeiro. Em 1981 com Boi-Pintadinho vencemos o Festival de Música de Miracema-RJ, fizemos apresentação na TV Educatava no mesmo ano, e em 1982, Ciranda se apresentou no programa Som Brasil, pilotado por Rolando Boldrin, na TV Globo. Durante sua permanência morando em São Paulo atuando no Grupo Terra Sol. Feira de Amostra é uma de nossas parcerias gravada pelo Terra Sol, no projeto O Vírus Que Virou Música.

Feira de Amostra

Artur Gomes/Paulo Ciranda -

https://www.youtube.com/watch?v=XaZzqgyxx2U

Em 1981 ainda no mesmo apartamento,  onde da janela do quarto, avistávamos o minhocão, compusemos Fotografia Urbana, que em 1982 foi a vencedora do Festival dos Festivais de Itaocara-RJ.  

*

Fotografia Urbana

 

tem viaduto

na janela do meu quarto

velocidade na avenida São João

me dá um medo dos cabelos

da pequena alvoroçados

na imensa solidão

ai que maldade

ver nos cantos da cidade

é tanta gente dando vida pelo pão

me dê um beijo meu amor

me feche os olhos

pra ver se eu vejo mais bonito esse chão

eu vim pra ver a lua prateada

vim mas não vi

eu vejo é uma lágrima afiada

chorando nossas vida por aqui

tem muita gente pendurada pelas portas

e pelas costas muitas vezes um ladrão

até parece que no meio da verdade

é só mentira enganando a multidão

tem pouca coisa na janela do meu quarto

mas o que tem me atormenta o coração

me dê um beijo meu amor

me dê seus olhos

pra ver se eu vejo mais bonito esse chão

eu vim para ver a lua prateada

vim mas não vi

eu vejo é uma lágrima afiada

chorando nossas vidas por aqui

Em 1981 com o grupo de  estudantes da Oficina de Teatro da ETFC, participamos do Festival Estudantil de Teatro em Bom Jesus do Itabapoana-RJ e o poema Boi-Pintadinho foi premiado pelo MEC. 

*

Em 15 de julho de 1983, na Santa Casa de Campos dos Goytacazes-RS nasce a minha filha Flora Barbosa Buchaul Gomes, fruto do meu casamento com Rosana Barbosa Buchaul. Antes mesmo do seu nascimento eu tinha escrito este poema, posteriormente musicado por Otávio Cabral.  

FLORA

reluz em mim amor e Flora
que tal riqueza em luz aflora
clara evidência total menino
com tal beleza voz e destino

e se não fores mansa
é que virás do mar
e virás da mãe Flora lumiar
e virás da tarde e do amanhecer
e será tão linda ainda vai saber :

se andei por folhas
foi pra te germinar
e deixar sementes
pra te alimentar

e se não fores Flora
é o que vou fazer
deste grão de vida
que estás pra nascer

*

 Em 1983, mesmo dirigindo Oficina de Teatro na então ETFC, ainda trabalhava como linotipista na Tipografia onde criei o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira, que  é responsável pela virada na minha poética e no meu olhar sobre a produção de poesia contemporânea no Brasil e no planeta.

A primeira edição da MVPB foi realizada em setembro de 1983 no Palácio da Cultura m Campos dos Goytacazes. Durante todos os 11 anos da MVPB era editado o Caderno de Poesia com todo material poético que eu recebia via correios. No final de 1983 eu mantinha correspondência com 600 poetas, de todas as linguagens contemporâneas do Brasil e do exterior. 

Em dezembro de 1983, o Suplemento Cultural do DO do Estado de São Paulo, publicou na  página da capa uma matéria sobre a Mostra Visual de Poesia Brasileira, ilustrada com o poema de cordel, Jesus Cristo Cortador de Cana. 

Durante todo ano de 1983, eu vivia entre Campos e o Rio de Janeiro, e isso me permitiu a começar uma relação bem próxima e participativa com os movimentos da poesia carioca, e o primeiro deles, foi o Passa Na Praça Que A Poesia Te Abraça, pilotado por Douglas Carrara, participando de suas ações de rua, na Feira da Cinelândia e nas Estações de Metrô. A partir do momento que conheci pessoalmente também Leila Miccolis e Tanussi Cardo, comecei a participara dos Saraus pelos Bares que eram produzidos pela Leila. 

Em, dezembro de 1983, Rosana muda com Flora , com 5 meses de idade, para o Rio, onde já se encontra alojada toda a sua família,  em um apartamento no 8º andar do  prédio da Rua Gomes Carneiro esquina com Visconde de Pirajá, em Ipanema, o que me faz até 1987 viver no trânsito, toda semana por 4 anos, entre o Rio e Campos, o que me permite mergulhar no panorama cultural da velha aldeia carioca.


Em 24 de agosto de 1984, o no hospital Graffe Guinle, no Rio,  nasce meu filho Filipe Barbosa Buchaul Gomes, ( Fil Buc), fruto do meu casamento com Rosana Barbosa Buchaul. 


Filipe

 

filho de poeta

faz da terra

água e pão

dilata músculos

do pai

clareia ventre

da mãe

retesa nervos

das mãos

encharca vasos

do corpo

transborda veias

do chão

*

Em 1984 realizamos  a II Mostra Visual de Poesia Brasileira no Palácio da Cultura em Campos. Nesta época eu assinava a coluna Geleia Geral no Suplemento do Jornal O Fluminense em Campos e a MVPB acabou ganhando mais repercussão ainda pelas cidades do país,  onde existiam poetas que participavam dela desde a sua criação, alguns vivos, e outros por resultado das minhas pesquisas sobre poesia contemporânea, tais como: Hugo Pontes, Joaquim Branco, Dalila Teles Veras, Paulo Leminski, Torquato Neto, Alice Ruiz, Fernando Aguiar, Katia Bento, Adriano Espínola, Paulo Bruscky, Luiz Avelima, Uilcon Pereira, Avelino Araujo, Almandrade, Glauco Matoso, Chacal, Leonardo Fróes, Alcides Buss, Claudio Feldman, Jurema Barreto de Souza, César Augusto de Carvalho, Leila Miccolis, Tanussi Cardoso, Glória Perez e muitos outros.

Em 1985 durante o verão,  realizamos a III Mostra Visual de Poesia Brasileira, no Centro Cultural de Macaé, com suporte do Suplemento do Jornal O Fluminense, dirigido pelo poeta/jornalista/amigo Martinho Santafé. No jornal O Fluminense, em Niterói, a repercussão veio em forma de uma reportagem como o título: Vista-se de Poesia, focada no seguimento de poemas sensuais/eróticos impressos em peça do vestuário feminino.

Em 1985 ainda com parceria de Joaquim Branco, realizamos também a Mostra Visual de Poesia Brasileira no Centro Cultural de UFF em Niterói.


Em 1984 tenho poemas publicados na Antologia Carne Viva, organizada por Olga Savary, é a primeira antologia de poesia erótica publicada no Brasil, com a presença de 77 poetas contemporâneos, entre eles: Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Affonso Romano de Sant´Anna, Antônio Barreto, Hilda Hilst.

Engenho é um dos meus poemas presentes nesta importante antologia.


minha terra

é

de senzalas tantas

enterra em ti

milhões de outras esperanças

soterra em teus grilhões

a voz que tenta – avança

plantada em ti

como canavial

que a foice corta

mas cravado em ti

me ponho à luta

mesmo sabendo – o vão

- estreito em cada porta



Em 1985 já totalmente influenciado pelo que lia e expunha nas Edições da MVPB, lanço o livro Suor & Cio, com ilustração de capa de Genilson Soares, que deste o final de 1984 já estava impresso. Em Campos o lançamento se deu no Bar Doce Bar, com show da Banda Avyadores do BraZyl e minhas intervenções poéticas. Ali se consolidava o início da minha parceria com Luiz Ribeiro. 

No Rio, o lançamento se deu na Galeria do Clube do Livro na Praça General Osório em Ipanema, com a presença do trio Avyadores: Luiz Ribeiro, Armando Ribeiro  e Edmar Capetta. 

1º de Abril

 

telefonaram-me

avisando-me que vinhas

na noite

uma estrela

ainda brigava

contra a escuridão

 

na rua sob patas

tombavam

homens indefesos

 

esperei-te 20 anos

e até hoje não vieste

à minha porta

 

- foi um puta golpe

carne proibida

 

o preço atual

proíbes que me coma

mas pra ti estou de graça

pra ti não tenho preço

sou eu quem me ofereço

a ti:

músculo & osso

leva-me à boca

e completa o teu almoço 

*

Durante o ano de 1985 realizo a IV e a V Edição da Mostra Visual de Poesia Brasileira, a IV em Miracema-RJ com a parceria do fotógrafo e desenhista José César Castro -  e a V em parceria com o Jornalista Wilson de Oliveira, em São João da Barra. 

E participo do Encontro de Escritores de Jardinópolis-SP, organizado pelo Gabriel de Lá Puente, onde além, de conhecer pessoalmente, poetas que vinha me correspondendo desde 1983, tais como: Uilcon Pereira, Márcio de Almeida, Luiz Avelima, Roberto Piva, conheço o estudante de jornalismo Ricardo Pereira Lima, que se tornaria um grande parceiro a partir dali, em minha trajetória e travessias por este Brasil  afora. 

Com o lançamento de Suor & Cio, não acontece apenas a virada na minha poética na dimensão estética e na forma da construção do poema no branco da página. A partir dele, definitivamente, a profecia do Orávio em Além da Mesa Posta, começa a se cumprir, minha poesia se espalha por temáticas sócio/erótico/política

*

MOENDA

 

usina

mói a cana

o caldo e o bagaço

 

usina

mói o braço

a carne o osso

 

usina

mói o sangue

a fruta e o caroço

 

tritura suga torce

dos pés até o pescoço

 

e do alto da casa grande

os donos do engenho controlam

:

o saldo e o lucro

*

A Poesia Liberada de Artur Gomes

Há uma passagem em Auto do Frade, de João Cabral, que me chamou a atenção:

“-Fazem-no calar porque, certo, sua fala traz grande perigo. – Dizem que ele é perigoso mesmo falando em frutas passarinhos”.

Vislumbro aí uma espécie de definição do alto poder transgressor da poesia , do poeta, da arte em geral: deixar fluir uma energia de protesto e indignação, crítica e iluminação da existência, qualquer que seja o pretexto ou o ponto de partida.

Por exemplo - : Suor & Cio, novo poemário de Artur Gomes. Na sua primeira parte(Tecidos Sobre a Terra), temos um testemunho direto sobre as misérias e sofrimentos na região de Campos dos Goytacazes, interior fluminense. Não se canta amorosamente, as lavouras de cana de e grandes usinas, os aceiros e céus de anil. Ao contrário. 

Ouvimos uma fala que “traz grande perigo”, efetivamente ao denunciar – com aspereza e às vezes até com certo rancor – a situação histórico-social, bruta e feroz, selvagem e primitiva, da exploração do homem no contexto do latifúndio e da monocultura.

“usina

mói a cana

o caldo e o bagaço

usina

mói o braço

a carne o osso

Mas esta poesia dura, cortante e aguda, mantém igualmente a sua força de transgressão – continua revolucionária e perigosa – mesmo quando tematiza (principalmente em Tecidos Sobre A Pele, segunda parte do livro), as frutas, ou prazer sexual, os seios, o carnaval, o mar, e os impulsos eróticos. Por detrás dos elementos bucólicos e paradisíacos (só nas aparências, bem entendido), eis que explode o censurado o reprimido, o que não tem vergonha nem nunca terá:

“arando o vale das coxas

com o caule da minha espada

no pomar das tuas pernas

eu plano a língua molhada”

Por isso, frequentemente os poemas se debruçam sobre o próprio ofício do poeta, e sobre o próprio sentido do fazer artísticos. Ofício de artista, experiência de poeta: presença e risco e da violação das normas injustas: carnavalizando, desbundando a troup-sex, infernizando o céu e santificando a boca do inferno, denunciando o rufo dos chicotes, opondo-se aos donos da vida que controlam, o saldo, o lucro e o tesão.

Os versos de Artur Gomes querem ser lidos, declamados, afixados em cartazes, desenhados em camisas. E vieram para ficar nas memórias das bibliotecas da nossa gente, apesar do suor e do cio, graças ao suor e ao cio:

“com um prazer de fera

e um punhal de amante”.


Uilcon Pereira

são paulo, julho, 1985

 

Em 1986 fui alçado a condição de Assessor do Departamento Municipal de Cultura, e com  apoio do jornal Folha da Manhã, e do próprio DMC realizo a VI Mostra Visual de Poesia Brasileira, no Palácio da Cultura, em Campos dos Goytacazes-RJ, numa homenagem a Manuel Bandeira, com a participação do grupo Passa Na Praça Que a Poesia Te  Abraça, liderado por Douglas Carrara. 

Em 1987 lanço Couro Cru & Carne Viva, com prefácio do xará Arthur Soffiatti,  na Arte Nativa, em Campos dos Goytacazes-RJ, espaço dirigido por Antônio Roberto de Góis Cavalcanti- Kapi. Couro Cru & Carne Viva é o meu primeiro livro impresso totalmente em impressão off-set na gráfica Damadá em Itaperuna-RJ. Com o seu lançamento surge uma série de desdobramentos o primeiro a VII Mostra Visual de Poesia Brasileira, realizada em vários espaço da Escola Técnica Federal de Campos, já com a direção do professor  Luciano

 D´Ângelo Carneiro, que cumprindo sua promessa de campanha. me tira da Tripografia, e cria o espaço físico da Oficina de Teatro, com todo o apoio oficial para a realização do meus projetos culturais na ETFC. E o primeiro deles é a encenação da Ciranda do Boi Cósmico, com os alunos da Oficina de Teatro, no Ginásio de Esportes. Para esta montagem contei com a parceria do professor de Eletro, Marcos Guimaães Maciel, que criou a cabeça do  Boi, no laboratório, com engrenagens de relógios, chifres de tubos de PVC e os olhos com lâmpadas de 6 volts, que movidas por uma pequena bateria, acendiam e piscavam durante seus movimentos. Outro parceiro nesta montagem foi o Genilson Soares, que com lâminas de papel Kraft, estendidas do teto ao solo do ginásio de esportes, criou o cenário com imagens sensuais e eróticas, provocadas por pinturas mostrando órgãos internos do corpo humano. Não é preciso dizer, o furor que isso provocou dentro da Escola. 

Outra encenação que fiz neste mesmo 1987,  com Alunos da Oficina de Teatro, foi o Ensaio 27, inspirado na poesia de Carlos Drummond de Andrade.  A performance tece início com a performance de Genilson Soares, pintando um painel na entrada da Biblioteca, enquanto os alunos encenavam no corredor o happening Quanto Vale Um Sonho Na Cantina.? Essa performance fez parte do repertório da Oficina de Teatro da ETFC, até o ano de 1994.

Outro evento importante também que fizemos  em1987 com a  parceria de Genilson Soares, foi a Exposição Overdose NU Vermelho, realizada no Bar Vermelho,  de Carlos Vasquez, o (argentino/espanhol) mais campista que conheço, com poemas do livro Couro Cru & Carne Viva, e performances várias, com pinturas ao vivo, executadas por Genilson Soares e Nilson Siqueira, e intervenções poéticas por mim interpretadas. 

Terra de Santa Cruz

Artur Gomes/Reubes Pess

câmera: Federico Baudelaire

FULINAÍMA MultiProjetos

Roteiro & Direção: Artur Gomes

vídeo com poemas doss livros: Suor & Cio e Couro Cru & Carne Viva 

https://www.facebook.com/studiofulinaima/videos/1366124026815847/?hc_ref=PAGES_TIMELINE

Terra de Santa Cruz

I

Ao batizarem-te

deram-te o nome

posto que a tua profissão

é abrir-te em camas

dar-te em ferro

ouro prata 

rios peixes mata

deixar que os abutres

devorem-te na carne

o derradeiro verme

II

salgado mar de fezes 

batendo nas muralhas

do meu sangue confidente

quem botou o branco

na bandeira de Alfenas

só pode ser canalha

na certa se esqueceu

das orações dos penitentes

e da corda que estraçalha

com os culhões de Tiradentes

III

salve lindo pendão que balança

entre as pernas abertas da paz

tua nobre sifilítica herança

dos rendez-vous de impérios atrás

IV

meu coração é tão hipócrita

que não janta

e mais imbecil

que ainda canta

ou

viram

no ipiranga às margens plácidas

uma bandeira arriada

num país que não levanta

V

o poeta estraçalha a bandeira 

raia o sol marginal sexta-feira

na geleia geral brasileira

o céu de abril não é de anil

nem general é my Brazil!

minha verde/amarela esperança

portugal já vendeu para a frança

e o coração latinhom balança

entre o mar de dólar do norte

e o chão dos cruzeiros do sul

VI

o poeta esfrangalha a bandeira

nesta porra estrangeira  e azul

que a muito índio dizia:

meu coração marçal tupã

sangra tupy & rock and roll

meu sangue tupiniquim 

em corpo tupinambá

samba jongo maculelê

maracatu boi-bumbá

a veia de curumim

é coca cola e guaraná

VII

o sonho rola no parque

o sangue ralo no tanque

na a ver com tipo dark

muito menos com punk

meu vício letal é baiafro

com ódio mortal de yanque

VIII

ó baby a coisa por aqui não mudou nada 

embora sejam outras siglas no emblema

espada continua a ser espada

poema continua a ser poema 

Overdose NU Vermelho

retesar as cores

e os músculos

com os dedos agarrados no pincel

se faltar carne

pra roçar os óvulos

a gente jorra tinta no papel


cezane não pintava flores

retesava cores

no corpo da mulher amada

com os pincéis

encravados entre as coxas

transformou Hollandas

em quintais de vento

re-inventou o tempo na hora de pintar

*

sua carne/palavra

meus dentes mordem

tua saliva/gengiva

poesia é couro cru

           & carne viva

*

Em 1987 ainda fiz performances e intervenções poéticas no Seminário: Brasil Uma Cultura Em Questão, realizado na cidade de Batatais-SP, com o apoio da FUNARTE, Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, UBE-SP.

SagaraNAgens Fulinaímicas não foi escrito por acaso

Em 1987 conheci pessoalmente, em Batatais-SP, a professora de Letras na UNESP de São José do Rio Preto-SP e pesquisadora, Hygia Calmon Ferreira, que me foi apresentada por Uilcon Pereira, através  de carta.

A partir de Batatais, nosso diálogo se intensificou, em 1988, a convite dela, fui a UNESP em São José do Rio Preto, falar sobre o teatro de Oswald de Andrade e fazer uma intervenção com os poemas do livro A Cor da Pele, do poeta mineiro Adão Ventura. Nesta ida a São José do Rio Preto, Hygia me leva para conhecer sua casa em Nova Granada-SP, onde guardava tudo que conseguiu em sua pesquisa sobre João Guimarães Rosa.

Havia montado com os alunos da Oficina de Teatro da ETFC, um espetáculo teatral com os poemas deste mesmo livro, uma referência aos 100 Anos da Abolição, que nunca foi concretizada no Brasil.

Hygia, em sua pesquisa sobre a obra de João Guimarães Rosa( mestre guima), para o seu doutorado, descobriu no escritório do escritor Plínio Doyle, no Rio de Janeiro, uma cópia datilografada do livro de poesia Magma, que havia sido premiado pela Academia Brasileira de Letras, e permanecia inédito. Teve então a ideia, de em sua defesa de tese, pedir publicamente a publicação do livro. E numa carta me pede reforço para tal com a criação de um poema.

*

A pedra & a rosa

p/ Hygia Calmon Ferreira

 

recebo tua carta

sereia do longe 7 beijos de areia

rondam marés criaturas o “magma” deve ser

público

princípio lúdico

poeta não se priva do povo

assim como a gema do novo

a simples clara do ovo

um beijo na escritura

poeta

é país

não é ilha

restrita a qualquer família

não pertence ao pó nem a filha

é

posta em mesa profana

para o banquete das letras

poema – linguagem humana

não se detém nas gavetas

*

Obs. Em 1992 este poema foi lido por Hygia Calmon Ferreira, no momento da sua defesa da tese de Doutorado: As 7 Sereias do Longe, sobre a obra de Guimarães Rosa, propondo a publicação do livro de poemas Magma, que as filhas do autor não permitiam ser editado. Alguns anos depois o Magma com os 94 poemas de Guimarães Rosa foi publicado pela editora Nova Fronteira

*

Alguns anos depois escrevi este poema dedicado a ela 

*

As 7 Sereias no Longe

     para Hygia Calmon Ferreira

 

nem veredas nem nonada

tudo DADA tudo ista

o poema nasce em mim

de forma bem imprevista

 

poema um beijo na boca

os olhos zuis como  lua

nós dois amantes da rua

comendo jabuticaba

no presépio Santo Antônio

em uma Nova Granada

 

nenhuma alma  presente

As 7 Sereias no Longe

As 7 musas - mar à vista

na febre do diamante

nas asas do continente

 

meto meu  metal  cateto

na carnal        hipotemusa

o poema arranha aranha na blusa

desconcerta a matemática

no roteiro dos 5 sentidos

“As 7 Sereias do Longe”

ainda cantam em meus ouvidos

*

Durante a hospedagem em Batatais, ficamos hospedados em uma casa de campo, emprestada pela sua proprietária para o evento. Nesta casa também se hospedaram: Uilcon Pereira, César Augusto de Carvalho, Hugo Pontes, Jorge Mautner, Nelson Jacobina, Leonardo Fróes, Ricardo Pereira Lima, Paulo Bruscky entre outros.

Foi em Batatais, que conheci também o poeta  Ribeirão Pretano, Patt Raider, autor do famoso grafite: "Não Milito Militar Me Limita" que hoje assina Karlos Chapul

*

Neste mesmo ano de 1987, em parceria com Oscar Wagner, Genilson Soares, Nilson Siqueira e Mário Sérgio Cardoso, criamos o
Estúdio 52, que funcionou por um longo tempo nos altos da Adega 52 na Praça São Salvador. Nele além da produção de projetos culturais e peças publicitárias, o espaço se tornou um local de encontro de amigos que militavam com a arte e cultura em Campos dos Goytacazes, para bate papos e comemorações por alguma conquista alcançada. 

Criamos com o Estúdio 52 o projeto de Psicanálise Popular : Um Divã Em Cada Esquina, que era realizado um sábado de cada mês. Descíamos pela janela, um sofá que estendíamos na praça e convidávamos as pessoas que passavam para o nosso banque com queijos e vinhos. 

Em 1988  criei e executei na ETFC o projeto Brasil : Abolição 100, com mesa de debate com as presenças do advogado  Alberto Ferreira Freitas, do poeta, Elle Semog, e da historiadora Lana Lage. Monto e enceno com os alunos da Oficina de Teatro dsa ETFC  espetáculo poético teatral. A Cor da Pele, com a poesia do poeta mineiro Adão Ventura.  

A convite de Hygia Ferreira, fiz performances  na UNESP em São José do Rio, durante a programação da Semana Universitária, e participei de uma roda  de conversa falando tecendo comentários sobre os textos: "A Morta"  e "O Homem E O Cavalo", de Oswald de Andrade. 

A convite de Adão Ventura, fiz performance poética no Teatro Francisco Nunes, em Belo Horizonte, por ocasião da sua posse na presidência do Sindicato de Escritores do Estado de Minas Gerais. Nesta performance, com o Teatro lotado, fui interrompido com gritos de: Protesto! emitidos por uma senhora recatada na plateia, que respondi imediatamente com este poema:

bem no centro do universo

te mando um bejo

ó amada!

enquanto arranco uma espada

do meu peito varonil

espanto todas estrelas dos berços do eternamente

pra que acorde toda esta gente

deste vasto céu de anil

pois enquanto dorme o gigante

explêndido sono profundo

não vê que do outro mundo

robôs te enrabam

ó mãe gentil!


poema do livro Suor & Cio - 1985

Em 1989 passo a atuar na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazes-RJ, onde crio o Festival de Música da Primavera, que foi realizado na Arena do Parque Alberto Sampaio até 1992. 

Coordeno o Encontro Nacional de Poesia Em Voz Alta, realizado no Palácio da Cultura e o Concurso de Contos José Cândido de Carvalho.

Projetos estes que já não existem mais. Fazem parte da cidade do já teve. 

Terra em Transe

em 1990 estava eu em Registro em mais uma transa literária que tinha sido iniciada em Jardinópolis depois de uma passagem por Batatais, onde Hygia Calmon Ferreira, a musa do poema Sagaranagens Fulinaímicas, me apresentou algumas estudantes do curso de letras na UNESP, em São José do Rio Preto.

Em Batatais, quando desci do palco do Teatro Municipal, dois lábios vermelhos carnudos encarnados e dois olhos azuis vidrados vibravam em minha direção, era Cláudia, que ganhou beijo na boca e alguns anos depois Copacabana consumou nossos desejos.

Em Registro era uma noite de Sarau no restaurante onde jantávamos e eu ali absurdado com os poetas soprando palavras ao vento, foi quando Mariana de Piracicaba, vindo a mim feito ondas, me ofereceu saliva ardente numa pétala de rosa branca e espuma vermelha de batom - delírios em sua língua de Vênus.

Desde então queimando em mar de fogo me Registro

*

Congresso Brasileiro de Poesia 

Em setembro de 1990 ainda na cidade Paulista de Registro, participando do Encontro: Brasil Cultura & Resistência, evento organizado pela UBE-SP. Depois dos afazeres dia, me recolhi ao quarto do Hotel e enquanto escrevia o poema EntreDentes, inspirado em uma piracicabana que havia conhecido durante o dia, ouço batidas na porta. Não era a Polícia Federal. 

 Era Ademir Antônio Bacca, que me presenteava com alguns exemplares da Coletânea Poesia do Brasil, e me convidava para a primeira edição do Congresso Brasileiro de Poesia que iria ser realizado em Nova Prata-RS.

Minha agenda de trabalho não me permitiu ir as duas primeiras edições do evento em Nova Prata. Em 1996 o Congresso Brasileiro de Poesia passa a ser realizado em Bento Gonçalves-RS, e lá estava eu pela primeira vez, e nem poderia imaginar que dali  cresceria  uma amizade que me permitiu durante os 20 anos de evento realizado em Bento até 2016, a propor e criar ações com poesia multilinguagens que me abriria percepções que mantenho na minha escrita até os dias atuais. 

O Congresso Brasileiro de Poesia em Bento Gonçalves, foi aos poucos se transformando na maior festa da poesia brasileira contemporânea e latino americana. Um encontro de poetas de múltiplas línguas e linguagens, que se revezavam, em performances, nas Escolas, nas praças, no saguão da prefeitura, no próprio hotel  onde ficávamos hospedados, nos hospitais e no hospício. 

Sem dúvida, Ademir Antônio Bacca, é um dos maiores promotores da poesia no Brasil e o Congresso Brasileiro de Poesia, foi em sua trajetória aos poucos se tornando a grande Balbúrdia PoÉtica. E essa maravilhosa ideia do Jiddu Saldanha em homenageá-lo em  e-book tem todo o meu apoio e aplauso.  

A Mocidade Independente de Padre Olivácio – A Escola de Samba Oculta No Inconsciente Coletivo, nasceu em dezemvro de 1990, durante uma viagem em que cia de Guiomar Valdez, levamos uma turma de estudantes da então ETFC(IFF), a Ouro Preto-MG, como premiação por terem vencidos a Gincana Cultural desenvolvida durante o ano, pelo Grêmio Estudantil Nilo Peçanha. Lá conheci Gigi Mocidade – A Rainha da Bateria, com quem vivi até 1996.

 

Neste mesmo ano de 1992, volto a UNESP de São José do Rio Preto, para difigir uma Oficina de Criação Poética, a convite da turma de estudantes de Letras, que havia conhecido em Batatais-SP em 1987, que me foram apresentados pela professora Hygia Calmon Ferreira, entre elas Mariana de Piracicaba, para quem em 1990 escrevi o poema: ENTRE/Dentes


EntriDentes

 

queimando em mar de fogo me registro

bem no centro do teu íntimo

lá no branco do meu nervo brota

uma onde que é de sal e líquido

procurando a porta do teu cais

teu nome já estava cravado

nos meus dentes

desde quando Sísifo

olhava no espelho

primeiro como mar de fogo

registro vivo das primeiras eras

segundo como Flor de Lótus

cravado na pele da flor primavera

logo depois gravidez e parto

permitindo o Lógus quando o amor quisera


Marca Registrada 

primeira parceria com Luiz Ribeiro gravada 

 

não tem problemas

te encontrar na cama

com teu governante

eu sempre soube

tua fome era de prazer

e esse teu amante

esse teu amante baby

sempre foi um grande ditador

 

não entro nessa de pensar que a vida

é marca registrada

numa dissonante do meu rock and roll

pode ser que eu ganhe

um chifre em minha cara

mas o prazer que que eu tenho

é estar de baixo do teu cobertor

 

Artur Gomes/Luizz Ribeiro

Qualquer Prazer – disco vinil

lançado em 1992

Em 1993 – criei o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira – Mário de Andrade – 100 Anos – realizado pelo SESC-SP

 Em 1995 – Criei o projeto Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim – realizado pelo SESC-SP

 De 1996 a 2016 – Coordenei  o Departamento de Audiovisual do Proyecto Sur Brasil – Bento Gonçalves-RS – realizando Mostras Cine.Vídeo na programação do Congresso Brasileiro de Poesia.

Em 1996 encenei com a bailarina Nirvana Marinho, em Campinas-SPa performance poética.teatral: Magma: O Planeta Onde O Poema Dança. Tinha perdido o contado com a Hygia depois que a partir de 1993, passei a usar correio eletrônico. 

Mas através do seu (irmão), professor Wagner Calmon Ferreira, soube que ela continuava suas pesquisas em São José do Rio Preto.

E Nirvana Marinho seguiu para Lion, onde foi concluir seus estudos em dança contemporânea, focados na obra da grande mestra  Pina Bausch.

Em 1996 também fui premiado em Piracicaba-SP com o prêmio Escriba de Poesia e selecionado para o Projeto Poesia 96 executado pelo Departamento de Literatura da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

No prêmio Escriba de Poesia, fiz performance ao lado da bailarina 

 No Poesia 96, fiz performance na Casa de Cultura de Santo Amaro-SP, com texto de apresentação assinado pelo meu crítico Uilcon Pereira. 

meus 7 sentidos

1996 - criei a palavra FULINAÍMA - fulinaíma me veio no vento um instrumento invento para acrescentar a minha escrita para escancarar a minha fala  - percorria a   bandeirantes quando me dirigia para Campinas onde dirigi a  Oficina de Criação de Artifícios no SESC - e não sei em que ofício a pedra do rock rola a pedra do vento voa depois de um instante qualquer que seja o estalo nos meus 7 sentidos - já perdi a conta do tanto faz então pra mim tanto fez o faz de contas que me quiseram impor sem ao menos saber se quero -  o tempo ajusta as pedras que rolam meu calcanhar é testemunha em toda veracidade verdade deve ser dita em qualquer tralha da cidade porque bem sei por quantas trilhas já trilhei para chegar até aqui 

Em 1999 Criei o FestCampos de Poesia Falada, projeto  é realizado até hoje pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima e coordenei até 1994. Outro projeto que deixou de existir a partir de 2020. 

Delírio Verbal e Preito

em BraziLírica Pereira

 

O livro, altar em que se celebra poetas do conturbado século XX, traz a poesia do poeta fluminense Artur Gomes, situada na interface da praxis artística e da experiência existencial, advinda do campo das escaramuças lexicais e da experimentação alegórica.

Erorci Santana*

 

BraziLírica Pereira: A Traição das Metáforas (Alpharrabio Edições, Santo André/SP, 2000), obra poética de Artur Gomes, toda grafada em minúsculas, principia com dois textos ou, melhor, intertextos com lastro na obra do escritor Uilcon Pereira, espécie de homenagem a desvairada letra uilconiana e à figura daquele escritor. Tanto que, no sintético poema que arremata esse preito literário, Artur o invoca através de uma circunstância biográfica datada:

“quem es tú uilcon pereira?/que foste fazer na sorbonne?/ter aulas com sartre/ou cantar a simone?”.

Contudo, e apesar da primazia de Uilcon Pereira nesta festa verbal, é vasto o coração dessa usina lírica, BraZilírica Pereira trafega em que, antes de traição, há a afirmação do caráter multifacetário e engendrador das metáforas, personificadas e levadas ao extremo onde êxtase e humor se entrelaçam.

Todo um renque de escritores de ponta é glosado, parodiado e parafraseado: Mallarmé(e seu lance de dados), Oswald de Andrade (e seus biscoitos finos, prometido ao palato das massas), Leminski (e sua Alice), Drummond (e seu anjo torto), além de Torquato Neto, Mário Faustino, Sousândrade, Ezra Pound, Dalí, Ana Cristina César, autores referenciais a constituir um panteão geracional. São ícones alinhados no altar da celebração literária, sim, mas também serventia doméstica, dos quais o autor se utiliza, por estético capricho, com derrisão e iconoclastia:

“torquato era um poeta/que amou a ana/leminski profeta/que amou a lice/um dia/pós/veio uilcon torto/e pegou a joia diana/juntou na pereiralice/com o corpo & alma das duas/foi Beauvoir assombradado/roendo o osso do mito/pra lá de frança ou bahia/pois tudo que o anjo via/Sartre jurou já Ter dito/Nonada/biúte:ria”.

Aqui não se vislumbra paradoxo, pois a modernidade, tendo peneirado as cinzas da dor humana no século XX, revelou a fênix de face tanto ebúrnea quanto álacre; a arte passou a privilegiar o profano e o lúdico em detrimento das inclinações sacramentais e sombrias.

E essa BraziLírica Pereira antropofágica e transluzente é a maneira do poeta entretecer a urdidura dos afetos, reinventar a cultura e os agentes culturais de sua predileção, com instrumentos lúdicos e sarcásticos, considerados a ponte para a grande arte.

Outro aspecto a ser considerado é que o autor, egresso do movimento da poesia marginal dos anos 70,

“essa poesia de efeito extraordinariamente comunicativo, que procura e tira vantagem de uma dicção bem-humorada, ardilosa, alegre e instantânea”, na radiografia de Heloísa Buarque de Hollanda, incorporou e aprimorou suas principais conquistas estéticas, notadamente elementos da oralidade acoplados à exploração acentuada da sonoridade vocabular, recurso que leva a poesia ao liminar do domínio musical.

Quase não é mais poesia para ler e sim para dizer em alta voz, ou cantar., circunstância em que o poeta moderno recupera o status de jogral. Nessa aventura literária, às vezes o autor se transubstancia no texto, traveste-se através das personas Lady Gumes, Macabea, Federika Bezerra, Fedra Margarida, projeções de seu alter-ego que pretendem cravar o corpo na palavra, com sinuosidades, coalescências e dissimulações, atributos só encontráveis no espírito feminino.

Situada na interface da praxis artística e experiência existencial, o poeta-prazer, com estado de êxtase permanente desde Couro Cru & Carne Viva, perpetua sua poesia guerrilheira no campo das escaramuças lexicais e da experimentação alegórica, dotada até de um certo autoflagelamento exibicionista, em que louca e alucinada se lacera e despe-se da veste hierática revelando sua outra face insuspeita, sua outra indumentária profusa e multicolor. Em outras palavras, seu traje de ironia e de humor.

Erorci Santana é poeta, autor de Estatura Leviana, Conceitos para Rancor e Maravilta.


Em 2002 lancei o  CD Fulinaíma Sax Blues Poesia – com os parceiros: Luiz Ribeiro, Naiman, Dalton Freire e Reubes Pess

No vinil Qualquer Prazer, lançado pela banda Avyadores do Brazyl,  em 1992, a faixa Marca Registrada foi gravada numa versão  rock and roll, no CD Fulinaíma  Sax Blues Poesia, foi gravada numa versão blues: Luiz Ribeiro (voz e violão) e Ângelo Nani (gaita).


  A Geografia Poética de Artur Gomes, em Música, Prosa e Verso

ou
A Arte da Palavra em Movimento


Por Cristiane Grando*

“todo poema tem dois gomes
toda faca tem dois gumes"

Artur Gomes


“A poesia é palavra que não fere o silêncio.”
Jorge Berchet

É possível encontrar, na poesia de Artur Gomes (Cacomanga-RJ, 1948), uma série de referências culturais, uma espécie de mapa, uma geografia poética. Seus versos são visitados por diversos artistas e intelectuais, vivos e eternos, da arte brasileira e universal, como os músicos Caetano Veloso, Miles Davis, Janis Joplin, e John Lennon, os cineastas Godard,Truffaut, Fellini 
e 

Glauber Rocha, filósofos, dramaturgos, artistas plásticos, os poetas-amigos Dalila Teles Veras, Luíza Buarque e Zhô Bertholini, além de uma infinidade de escritores e poetas: Hilda Hilst, Paulo Leminski, Ferreira Gullar, Fernando Pessoa, Drummond, Lorca, entre outros, e especialmente seus mestres – os Andrades, Mário e Oswald e Guimarães Rosa... Macunaíma, Serafim Ponte Grande e Sagarana, são referências constantes na obra de Artur Gomes.

Num diálogo intenso com a tradição literária, Macunaíma transforma-se em Fulinaíma, e, acrescida da obra do mestre Guima, metamorfosea-se em SagaraNAgens Fulinaímicas, (livro e CD ) poesia-música... e teatro, para os que têm o privilégio de assistir aos shows de Artur Gomes, declamando pelas ruas, bares, palcos... pela vida. Em sua inquietude, Gomes, impregna o mundo com o som de poemas no cotidiano, quando os torna existência em sua voz. 

O valor deste trabalho poético e musical ganha maior intensidade quando inserido no contexto da sociedade contemporânea, no qual a poesia quase não tem espaço nem estudo.

A poesia de Artur Gomes fere sem ferir. Num universo de navalhas, sexo, cio, náuseas, estrumes, sua poesia tem dois gumes: um, marcado pela tradição dos poetas malditos, retomando Baudelaire, Rimbaud Mallarmé em inúmeros poemas; outro pela musicalidade, arma com a qual assalta/assusta o leitor desprevenido. Em lances de versos metalingüísticas, o próprio poeta define o fazer poético: “pense sinfonia em rimas raras”.

Para ler Artur Gomes, devemos sempre estar atentos aos jogos de palavras, à riqueza do trabalho sonoro e rítmico, à musicalidade, à inquietude de seus conceitos, à plurissignificação, à multiplicidade das formas que as palavras assumem no espaço da folha em branco, às maiúsculas e minúsculas usadas de forma nada convencional, à criação de neologismos e novas expressões, como drummundo, sabe/sabre, fogo de palha/fogo & palha, bola de gude/gosma de grude, boca do estômago/bala no estômago.

 Um exemplo de trabalho formal e inovador e representado no poema “ Dia D”, cujas estrofes iniciam-se por uma vírgula.

A cultura brasileira ganha valor e significado quando é convocada à sua festa criativa uma grande quantidade de elementos indígenas e africanos, relegados muitas vezes pela sociedade brasileira. Da mesma forma, estilos musicais variados, associados à vanguarda da música contemporânea, também são convocados a esta festa de livros e CDs de Artur Gomes que pode ser conferida ouvindo o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia, onde desfia com os seus parceiros Luiz Ribeiro, Naiman, Dalton Freire Reubes Pess a sua “Marca Registrada.

A palavra poética é uma ponte, uma celebração da liberdade pela qual as pessoas podem ou devem ao menos tentar cruzar, para se salvarem ou para gritarem contra as injustiças sociais e abusos que o império comete em seus extra-muros.

A arte que assume Artur Gomes em seus versos e em sua vida é a arte da palavra em movimento. Sendo ator, gestor e produtor cultural, Artur caminha por diversas vertentes artísticas. Assim como o mímico Jiddu SaldanhaArtur Gomes sabe

 “arrancar do gesto/ a palavra chave/ da palavra a imagem xis/ tudo por um risco/ tudo por um triz”.

Agradecimentos ao poeta Leo Lobos, pela leitura da obra de Artur Gomes e pelo diálogo, sugestões e comentários tecidos durante a elaboração do texto.

Cristiane Grando
Escritora, fotógrafa e professora
Doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada – Universidade de São Paulo (USP). Laureada UNESCO-ASCHBERG de Literatura 2002-2003


Convite para apresentação na II Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes-RJ - 2002

com os dentes cravados na memória

Dos anos 80 trago a amizade com dois grandes irmãos de Arte, Genilson Soares e Oscar Wagner. Genilson um design gráfico da mais alta sagaranagem, Oscar o meu fotógrafo carnavalhado. Esta arte/cartaz só existe por eles existirem em minha vida. Não foram poucos os acontecimentos que aprontamos em Campos dos Goytacazes. Quem ainda se lembra do Estúdio 52?

*

A Igreja Universal do Reino de Zeus, criei em 2002 durante a 1ª Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes-RJ, que foi realizada nas dependências do Ginásio de Esportes do então CEFET-Campos, onde na ocasião lancei o livro BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas.

O grande objetivo da IURZ é homenagear deuses deusas da África e Grécia para de alguma forma descobrir de onde vem as nossas ancestralidades. De alguma forma e em alguns momentos mitologia grega e africana se misturam e viajando metaforicamente nessas realidades reinventadas vim desaguar no Vampiro Goytacá canibal Tupiniquim.

*

Texto imperdível do saudoso Sérgio Provisano 

Caro Fernando Leite, Artur Gomes Gumes, o famigerado Lady Gumes, cuja língua é uma faca de mil gumes, cuja Poesia corta a carne da gente como um canto torto, vem com essa conversa (a)fiada, tentando nos convencer que pintar o nu não era canibalizar o modelo, quando sabemos dos seus verdadeiros instintos canibais, que extrapolam as fronteiras do antropofagismo decantado na Semana de Arte Moderna, lá pelos idos de 1922, quando nem nascidos éramos e da qual ele se considera o único e verdadeiro herdeiro, mas vamos aos fatos, a real intenção à época era canibalizar o modelo e, dizem as más línguas (e aí, nem que me torturem eu direi que a minha fonte é Genilson Soares), tal canibalização ocorreu, no sentido bíblico, o que teria quase causado uma tentativa de homicídio com fundo lavar a honra, mas são fofocas, agora extemporâneas, que não cabem mais serem levantadas, afinal, tais fatos aconteceram em 1989 e, foram questionados até num artigo escrito na época, pelo atual ex-Secretário de Cultura Orávio De Campos Soares, enfim, eu me calo para não ser chamado de fofoqueiro, pelos fofoqueiros de plantão, dentre os quais, eu me incluo, é claro.

com os dentes cravados na memória

Em 1984 quando eu e César Castro colocamos fogo no Palácio da Cultura, nada mais queríamos naquele momento do que mudanças nos destinos da cidade. Passaram-se 4 anos e em 1998 o então prefeito Zezé Barbosa não conseguiu eleger o seu sucessor Jorge Renato Pereira Pinto. Elegeu-se então pela primeira vez o candidato do movimento Muda Campos, que todos sabem quem é, mas infelizmente mudou-se para pior. Se hoje colocarmos novamente fogo no Palácio, pode levar novamente 4 anos para mudar, mas que muda muda. O Patrono Oswaldo Lima, de passagem pelo terreirão da Mocidade, disse que só fogo não adianta, ali só uma bomba mesmo.


Em 2013 estava dirigindo Oficina de Produção Cine Vídeo, no SESC Campos, quando recebi o convite do Dr. Gino Bastos, para integrar o elenco do Circuito Cultural de Arte Entre Povos. Tinha estado em Bom Jesus do Itabapoana-RJ em 2012, fazendo intervenções com poemas de Pablo Neruda, a convite de Paula Bastos(irmã do Dr. Gino), e colega de trabalho no IFF.

Foi uma travessia por 13 cidades, do Estado do Rio, Espírito Santo e Minas Gerais, onde passamos pela cidade de Itaguara-MG. Lá além de Oficina de Poesia, fiz algumas intervenções poéticas em espaço culturais da cidade, bem como em todas as outras cidades que passamos. Como em Pedra Dourada, também em Minas que me deixou saudades.

Em Itaguarera,  João Guimarães Rosa, viveu por 2 anos, depois que concluiu  curso de medicina em Belo Horizonte-MG e antes de escrever Grande Sertão Veredas. Itaguara mantém vivo, e muito bem cuidado um pequeno museu em homenagem a sua memória e a sua passagem por lá.

Em 2015, lanço em edição artesanal, (50 exemplares), produzido por um dos meus primeiros diretores de Teatro, Winston Churchil Rangel o livro SagaNAgens Fulinaímicas,  com prefácio de Tanussi Cardoso. Os  lançamentos acontecem no FDP em Campos dos Goytazes e em Bento Gonçalves-RS, na livraria do Maneco, durante a programação do Congresso Brasileiro de Poesia, com intervenções poéticas minhas e da minha querida mus/atriz May Pasquetti. 

*

SagaraNAGens Fulinaímicas

guima meu mestre guima

em mil perdões eu vos peço

por esta obra encarnada

na carne cabra da peste

da hygia ferreira bem casta

aqui nas bandas do leste

a fome de carne é madrasta

 

ave palavra profana

cabala que vos fazia

veredas em mais sagaranas

a morte em vidas severinas

tal qual antropofagia

teu grande serTão vou cumer

 

nem joão cabral severino

nem virgulino de matraca

nem meu padrinho de pia

me ensinou usar faca

ou da palavra o fazer

a ferramenta que afino

roubei do mestre drummundo

que o diabo giramundo

é o narciso do meu Ser

*

DA CARNE DA PALAVRA

Tanussi Cardoso, poeta

Ator, produtor, videomaker e agitador cultural, o poeta Artur Gomes tem assinatura própria. SagaraNAgensFulinaímicas, seu mais novo livro, repleto de citações a partir do título, é a prova generosa do que afirmo: um inventário da pulsação de sua escritura, uma das mais iluminadas, entre os remanescentes da geração que se inicia nos anos 60-70.

Mesmo mirando certa desconstrução narrativa, o autor semeia as raízes culturais, germinadas naquelas décadas, que desabrocharam como furacão em nossa arte, principalmente vindas da canção popular, com sua palavra cantada, da poesia marginal, da Tropicália, do Concretismo, do poema-postal, da poesia visual, do cinema e, mesmo, dos quadrinhos.

Todo esse caldeirão cultural, todas essas referências e linguagens eram (são) muito próximas: Caetano, Gil, Torquato, Glauber, Leminski, Waly, Gullar, Hilda Hilst... E é desse quadro geracional (e bem lá atrás, Drummond, Murilo Mendes, Bandeira, Cabral, Quintana, Mário, Oswald e Guimarães Rosa - e principalmente -, a trilogia dos malditos: Rimbaud, Baudelaire e Mallarmé, além dos ecos do mestre beat, Allen Ginsberg), é desse manancial criativo que o poeta consegue desarmar o que nele se encontra envolto, de forma atávica, e reafirmar seus próprios tempo e potência, com o refinamento de sua fala.

Ao unir todo artefato onde exista possibilidade de poesia, Artur Gomes habita o lugar entre a palavra e a imagem, ao experimentar os sentidos que lhe chegam, sugando os afluentes existentes nas estruturas tradicionais de nossas artes, e reescrevendo-os a seu bel-prazer, num mix de nostalgia e futuro.

“visto uma vaca triste como a tua cara:

estrela cão gatilho morro

a poesia é o salto de uma vara”

De forma particular, o autor parece nos indicar algo que se confunde com transgressão, mas, ao mesmo tempo, mantém a linha tênue da poesia clássica, ao flertar com um romantismo de tintas fortes, e tocando, igualmente, o surrealismo, com uma violência verbal, que cheira à flor e à brutalidade.

Cada poema possui sua própria respiração, pausa e pontuação emocionais. Quem não gostar de sangrar e ir fundo no mais recôndito dos prazeres é melhor não prosseguir na leitura, mas quem tiver coragem de encarar a vida de frente e se deliciar com versos saborosos e extremamente imagéticos, entre no mundo do poeta, de imediato, e sentirá a alegria de descobrir uma poesia a que não se pode ficar indiferente.

“a língua escava entre os dentes

a palavra nova

fulinaimânica/sagarínica

algumas vezes muito prosa

outras vezes muito cínica”

Ainda que não pretenda novas experiências formais, o autor consegue alcançar perspectivas ousadas e radicais, em vários enquadramentos linguísticos, sempre disponíveis para o espanto, já que quando falamos de poesia, tocamos em lados inexatos, onde qualquer inversão de objetividade, e da própria realidade, é sempre bem-vinda. 

Sua poesia tem muito da desordem, da inobservância de regras, do não sentido, e apresenta um discurso contrário a certo pensamento lógico, fazendo surgir nas páginas do livro, algumas impurezas saudáveis.

“te procurei na Ipiranga

não te encontrei na Tiradentes

nas tuas tralhas tuas trilhas

nos trilhos tortos do Brás

fotografei os destroços

na íris do satanás”

SagaraNAgensFulinaímicas nos apresenta uma peça de tom quase operístico e, paradoxalmente, para um só personagem: o Amor. E o desenho poético dessa montagem pressupõe uma grande carga lírica, alegórica e, tantas vezes, dramática, ao retratar o som universal da Paixão, perseguindo a imagem ideal dos limites do desejo. Seus versos são movidos por esse sentimento dionisíaco, e por tudo que é excesso, por tudo que é muito, como na música de Caetano.

“te amo

e amor não tem nome

pele ou sobrenome

não adianta chamar

que ele não vem quando se quer

porque tem seus próprios códigos

e segredos”

E indaga e responde:

“até quando esperaria?

até que alguém percebesse

que mesmo matando o amor

o amor não morreria”

Em seu texto, há uma espécie de dança frenética, onde interagem os quatro elementos do Universo – Terra, Água, Fogo e Ar – numa feitiçaria cósmica em contínuo transe mediúnico. Poesia que é seta certeira no coração dos caretas e dos conformados, ao apontar para as possíveis descobertas inesperadas da linguagem, inebriada pela vida, pelo cantar

amoroso, pelo encontro dos corpos.

“e para espanto dos decentes

te levo ao ato consagrado

se te despir for só pecado

é só pecar que me interessa”

Dono de uma sonoridade vocabular repleta de aliterações e assonâncias, que remetem à intensa oralidade e à pulsão musical, refletindo no leitor o desejo de ler os poemas em voz alta, o poeta brinca com as palavras, cria neologismos, utiliza-se de colagens originais, e soma ao seu vasto arsenal de recursos, o uso das antíteses, dos paradoxos, das metonímias, das metáforas, dos pleonasmos e, principalmente, das hipérboles, através de poemas de impactante beleza. Esse jogo vocabular, que a tudo harmoniza, transforma a dinâmica do verso, dá agilidade, tensão e ritmo envolventes a uma poesia elétrica e eletrizante. Um bloco de tesão carnavalizante e tropical - atrás de Artur Gomes só não vai quem não o leu.

“quero dizer que ainda é cedo

ainda tenho um samba/enredo

tudo em nós é carnaval”

De forma lúdica e irônica, reconstrói, ou reverte, as intenções de Guimarães Rosa, quando Sagarana se mistura à ideia de paisagens e ao sentido de sacanagens; e às de Mario de Andrade - onde Macunaíma reparte seu teor catártico em poéticas folias, ou em fulias de imagens, ou seja, em fulinaímicas poesias, banhadas de caos e humor.

“é língua suja e grossa

visceral ilesa

pra lamber tudo que possa

vomitar na mesa

e me livrar da míngua

desta língua portuguesa”

Ao seguir de perto o conceito metafórico do processo crítico e cultural da Antropofagia, o artista ratifica seus valores, com sua língua literária, e reafirma o ato de não se deixar curvar diante de certa poesia catequisada pela mesmice e pelo lugar comum, distanciando-se da homogeneidade de certo academicismo impotente e de certos parâmetros poéticos com que já nos acostumamos. De acordo com o próprio autor, revelado em uma entrevista, SagaraNAgensFulinaímicas é um pedido de bênção a seus Mestres, imbuído do teor catártico que sua poesia contém, como o fragmento do poema que abre o livro:

“guima meu mestre guima

em mil perdões eu vos peço

por esta obra encarnada

na carne cabra da peste”

E afirma:

“só curto a palavra viva

odeio essa língua morta

poema que presta é linguagem

pratico a SagaraNAgem

no centro da rua torta”

No livro, os poemas se interpenetram, linguisticamente, libidinosos, doces e cruéis, vampiros de imagens ferrenhas, num aparente jogo de representação, onde o rosto do poeta se mostra e se esconde, de acordo com a mutação e o reflexo de seus espelhos interiores. Seus textos ora afirmam, ora desmentem o já dito, a nos lembrar um de seus ídolos, Raul Seixas, e a sua metamorfose ambulante.

Sentimentos contraditórios, como se o autor quisesse, propositalmente, escorregar segredos pelos nossos olhos, ambiguamente, rindo de nós, a nos instigar: “Desnudem a minha esfinge!”

“eu não sou flor que se cheire

nem mofo de língua morta”

Na verdade, sua poesia apresenta vários (re) cortes, várias direções, vários abismos e formas de olhar a vida e o mundo. Como se o verdadeiro Artur se dissolvesse em outros, a cada poema, e essa dissipação o transformasse em alguém improvável, impalpável. Errante. Artur Gomes, ele mesmo, são muitos. E todos nós. Afinal, “o poeta é um fingidor”, ou não?

“a carne que me cobre é fraca

a língua que me fala é faca

o olho que me olha vaca

alfa me querendo beta

juro que não sou poeta”

Tantas vezes escatológico e sensual, numa performance textual que parece uma metralhadora giratória, o seu imaginário poético explode em tatuagens, navalhas, sangue, cicatrizes, punhais, facas, cuspe, pus, línguas, dedos, dentes, unhas, seios, paus, porra, carne, flores e lençóis, como um paraíso construído num inferno, e toca o nosso céu interior, nas ondas de um mar verde escondido em nosso peito. Na nossa melhor alma.

Sem falsos pudores, o autor procura, em seu liquidificador de palavras, misturar o erótico, o profano e o sagrado, com cortes de cinismo e grande dose de humana solidariedade. Equilibrista na corda-bamba, sem rede de proteção, entre razão e delírio, instiga dualidades com seus versos de alta voltagem poética. Com linguagem rebuscada, seu trabalho ultrapassa os limites das páginas do livro, e reverbera como tambor, mesmo após o término de sua leitura.

“a carne da palavra

: POESIA

l a v r a q u e s o l e t r o

todo Dia”

A poesia de cunho social é, igualmente, referência obrigatória em seu trabalho, desde o início de sua carreira literária, marcadamente, em Jesus Cristo Cortador de Cana, de 1979, mas, principalmente, no memorável e premiado O Boi Pintadinho, de 1980.

Esses poemas político-sociais, junto ao tema amoroso, também encontramos em outras obras importantes do poeta, como Suor & Cio, de 1985, Couro Cru & Carne Viva, de 1987 e 20 Poemas com Gosto de JardiNÓpolis& Uma Canção com Sabor de Campos, de 1990, e se inserem em todos os seus livros posteriores, que culminam agora em SagaraNAgensFulinaímicas.

Em suas viagens imemoriais, o poeta mistura São Paulo, Copacabana, Búzios, calçadas, origem, chão, mares, cactos, sertão, onde tudo sangra de maneira violentamente bela e sem volta. Só a língua a ser reconstruída em poesia.

“ando por são Paulo meio Araraquara

a pele índia do meu corpo

concha de sangue em tua veia

sangrada ao sol na carne clara”

Artur Gomes sabe que ao escritor cabe proporcionar beleza e prazer. Entende que a poesia existe para expressar a condição humana, tocar o coração e a emoção do outro, e dar oportunidade para que seu interlocutor tenha chances de conhecer-se mais e melhor. E que só há um meio de o poeta conseguir seu intento: cuidar e aperfeiçoar a linguagem.

Sempre coerente, Artur Gomes sublinha o essencial de seu pensamento, ratificando em seu trabalho que as duas maiores palavras da nossa língua são amor e liberdade.

“a coisa que me habita é pólvora

dinamite em ponto de explosão

o país em que habito é nunca

me verás rendido a normas

ou leis que me impeçam a fala”

SagaraNAgensFulinaímicas veio confirmar o que os leitores do poeta já sabiam: Artur Gomes é um artista instigante, um cantador que desafia rótulos. No seu fazer poético, há um desfocar proposital da realidade, onírico e cinematográfico, que mergulha em constantes vulcões, em permanente ebulição – um texto em contínuo movimento.

Sua poesia metalinguística, plástica, furiosa, delicada, passional, corporal, sexual, desbocada, invasiva, libertária, corrosiva, visceral, abusada, dissonante, épica é, antes de tudo, a poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras.


Juras Secretas

feitiçarias de Artur Gomes - por Michèle Sato

Difícil iniciar um prefácio para abordar feitiçarias de um grande mestre. A mágica aparição do texto transborda sentidos cósmicos, como se um feixe de luz penetrasse em um túnel escuro dando-lhe o sorver da vida. Diariamente, recebo um deserto imenso de poemas e a leitura se esvai com “batatinha quando nasce põe a mão no coração”. Um ou outro me chama a atenção, desde que sou do chamado “mundo das ciências” e leio poemas com coração, mas inevitavelmente aguçado pelo olhar crítico vindo do cérebro.

A academia pode ser engessada, mas é, sobremaneira, exigente. Aplaude o inédito, reconhecendo que o poema é um caos antes de ser exteriorizado, mas harmônico, quando enfeitiçado. A leitura requer algo como canto do vento, que não seja fugaz, mas que acaricie no assopro da Terra. Por isso, é com satisfação que inicio este pequeno texto, sem nenhuma pretensão de esgotar o talento do grande mestre, mas responder aos poemas de Artur que brilham, soltam faíscas, incendeiam-se em erotismo e garras enigmáticas. Ele transcende regras, inventa palavras, enlouquece verbos. E as relações estabelecidas revelam a desordem dos sonhos na concretude harmônica de suas palavras.

A aventura erótica não se despede de seu olhar político. Situado fenomenologicamente no mundo, e transverso nele, Artur profana o sagrado com suas invenções transgressoras. Reinventa a magia e decreta uma nova vida para que o mundo não seja habitado somente pelos imbecis. Dança no universo, com a palavra fluída, imprevistos pitorescos, mordidas e grunhidos. Reaparece no meio de um cacto espinhoso, mas é absurdamente capaz de ofertar a beleza da flor.

 Contemporâneo e primitivo se aliam, vencem os abismos como se ao comerem as palavras monótonas, pudessem renascer por meio da antropofagia infinita de barulhos e silêncios. O sangue coagulado jorra, as cavernas se dissolvem e é provável que poucos compreendam a beleza que daí se origina.

Nos labirintos de suas palavras, resplandece o guerreiro devorador, embriagado, quase descendo ao seu próprio inferno. Emana seu fogo, na ardência de sexo e simultaneamente na carícia do amor. Pedras frias se aquecem, coram com o tom devasso que colore a mais bela das pornofonias. Marquês de Sade sente inveja por não ser o único déspota das palavras sensuais. E os poemas de Artur reflorescem, exalam odor como desejos secretos e risos que ecoam no infinito.

não fosse essa alga queimando em tua coxa ou se fosse e já soubesse mar o nome do teu macho o amor em ti consumiria (jura secreta 5)

De repente um cavalo selvagem cavalga na relva úmida, como se o orvalho da manhã pudesse revelar o fogo roubado das pinturas rupestres. Ao som de tambores, suas palavras se tornam arte em si, como se fossem desenhos projetados em um fantástico mundo vertiginoso. Seres encantados surgem das águas originários de sentimento, abraçadas nas pedras lisas, rugosas, esverdeadas da terra. O fogo dança em vulcões e a metamorfose é percebida em seus ares. Os elementos se definem como bestas, humanos, ou segmentos da natureza como uma orquestra sinfônica que vai além da sonoridade. Adentram sentidos polissêmicos e, neste momento, até o André Breton percebe o significado das palavras de Artur, pois a beleza é convulsiva e crava no peito feito cicatriz.

e o que não soubesse do que foi escrito está cravado em nós como cicatriz no corte (jura secreta 10)

Da violação do limite, do fruto proibido ou da linguagem erótica, os poemas de Artur são orgasmos literários que oscilam entre o sacro e o profano. Sua cultura, visão de mundo e inteligência possibilitam ir além da pura emoção sentimental, evocando a liberdade para que a terra asfixiada grite pela esperança. Artur comunga com outros seres a solidariedade da Terra, ainda que por vezes, seja devastador em denunciar disparidades, mas é habilidoso em anunciar acalentos. A palavra poética desfruta fronteiras, e Roland Barthes diria que a história de Artur é o seu tributo apaixonado que ele presta ao mundo para com ele se conciliar. Em sua linguagem explosiva, provavelmente está a intensidade de sua paixão - um amor perverso o suficiente para viciar em suas palavras, mas delicado o bastante para dar gênese ao mundo enfeitiçado pela habilidade de sua linguagem.

A essência deste perfume parece estar refletida num espelho, pois se as linguagens podem incluir também o silêncio, as palavras de Artur soam como uma melodia. Projetada numa tela, a pintura erótica torna-se sublime e para além de escrevê-las, ele vive suas linguagens. Esta talvez seja a diferença de Artur com tantos outros poetas: a sua capacidade de transcender a tradição medíocre para viver um intenso de mistério de sua poética. Ele não duvida de suas palavras, nem as censura para não quebrar seu encanto, mas devora em seu ser na imaginação e no poder de sua criação. Criador e criatura se misturam, zombam da vida, gargalham da obviedade. Põem-se em movimento na dança estrelas que iluminam a palavra.

Os fragmentos poéticos são misteriosos de propósito, uma cortina mal fechada assinala que o palco pode ser visto, porém não em sua totalidade. Disso resulta a sedução para que ele continue escrevendo, numa manifestação enigmática do poder surrealista em nos alertar sobre nossas incompletudes fenomenológicas. O imperfeito é o sentido da fascinação, diria Barthes em seus fragmentos de um discurso amoroso. E a poética de Artur não representa ressurreição, nem logro, senão nossos desejos. O prazer do texto pode revelar o prazer do autor, mas não necessariamente do leitor. 

Mas Artur lança-se nesta dialética do desejo, permitindo um jogo sensual que o espaço seja dado e que a oportunidade do prazer seja saciada como se fosse um "kama sutra poético" para além do prazer corporal. Esta duplicidade semiológica pode ser compreendida como subversiva da gramática engessada - o que, em realidade, torna seus textos mais brilhantes. Não pela destruição da erudição, mas pela abertura da fenda, para que a fruição da linguagem seja bandeira cultural da liberdade.

E a sua liberdade projeta-se num horizonte onde a dimensão sócio-ambiental é freqüentemente presente. É uma poesia universal de representações urbanas e rurais, de flora, fauna e fontes de praças públicas. Desacralizando o “normal previsível”, borda em sua costura de mosaicos, esquinas e passaredos.

eu sei de gente e de bichos ambos atolados no lixo tem gente que come bicho tem bicho que come gente tem gente que vive no lixo tem lixo que mora no bicho gente que sabe que é bicho e bicho que pensa ser gente (jura secreta 28)

A poética das Juras Secretas opõem-se a instância pretérita numa espiral de presente com futuro. Metafisicamente, desliga-se do momento agonizante e os olhos do poeta não se cansam, ainda que a paisagem queira cansá-los. Seu toque lembra o neoconcretismo, por vezes, cuja aparição na semana da arte moderna mexeu com os mais tradicionais versos da literatura ordinária. Mas sua temporalidade vence Chronos, na denúncia de um calendário tirano ao anúncio de Kairós, também senhor do tempo, mas que media pelos ritmos do coração.

20 horas 20 noites 20 anos 20 dias até quando esperaria... até quando alguém percebesse que mesmo matando o amor o amor não morreria. (jura secreta 51)

É óbvio que a materialidade da linguagem, sua prosódia e seu léxico se mantêm no texto. Mas foge das estruturas engessadas do arrombo repetitivo, florescendo em neologismos verossímeis e ritmos cardíacos. Amiúde, são palavras jorradas em potente cultura significante. No chão dialogante, este poeta desestabiliza a normalidade com suas criações.

por que te amo e amor não tem pele nome ou sobrenome não adianta chamar que ele não vem quando se quer porque tem seus próprios códigos e segredos mas não tenha medo pode sangrar pode doer e ferir fundo mas é razão de estar no mundo nem que seja por segundo por um beijo mesmo breve por que te amo no sol no sal no mar na neve. (jura secreta 34)

ARTUR GOMES é, para mim, um grande relato de seu próprio devir, que sabe poetizar a partir de seu vivido. E por isso, enfeitiça.

Michèle Sato – Bióloga, pesquisadora na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. 

*

 

 Juras secretas de um trovador contemporâneo

                              por Adriano Moura

 

 “Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz”.

Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz emergir Juras Secretas, décimo sétimo  livro do poeta Artur Gomes.

Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do poeta, recurso presente em seus livros anteriores.

 

Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política predominante, por exemplo, em Suor & Cio, (1985) e Couro Cru & Carne Viva (1987). Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.

 

Jura secreta 45

 

por enquanto

vou te amar assim em segredo

como se o sagrado fosse

o maior dos pecados originais

e minha língua fosse

só furor dos Canibais

 

E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga.

Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma estilística pessoal e funcional.

 

Jura secreta 13

 

quantas marés endoidecemos

e aramaico permaneço doido e lírico

em tudo mais que me negasse

flor de lótus flor de cactos flor de lírios

ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse

Hilda Hilst quando então se me amasse

ardendo em nós salgado mar e Olga risse

olhando em nós flechas de fogo se existisse

por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse

 

Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras Secretas oferece viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí. 


Jura secreta 43

 

com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

Adriano Carlos Moura

Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf). Professor de Literatura do IFF –

*

memorial dos ossos

 

espora essa palavra amolada

dessas que cortam a carne

no primeiro toque

espora em meu sentido rock

não um mero truque ao pulsar da língua

que a tua pele lambe quando saliva aflora

espora em meu cavalo branco

o simbolismo aceso

todo dia é dia de São Jorge

Jorge Luis Borges num plural latino

escavar a terra em busca da palavra

quando nervo implora

espora temporal dos músculos

memorial dos ossos

nesse tempo bruto tudo quanto posso

 

Em 2020 landço pela Editora Penalux, com prefácio de Igor Fagundes, o livro O Poeta Enquanto Coisa 

Fé no Evoé:

Confissões dionisíacas na poética e política de Artur Gomes 

Igor Fagundes * 

Depois das excitadas e excitantes Juras secretas, de 2018, o poeta e artista multimídia Artur Gomes volta a tornar pública sua jura de amor e fidelidade ao arcaico deus Dionísio em O poeta enquanto coisa, de 2019, incorporando as ébrias forças de Baco sob novos goles e ritos, tão poéticos quanto políticos, numa contemporaneidade que avança em lama e vertigem e, assim, exige a potência do mítico da palavra corpórea e originária. Comparece ao ethos deste livro a mesma embriaguez fulinaímica de sempre: a que toma, mediante o delírio atento frente aos passos obtusos do ser e estar das gentes, cada palavra como taça, vinho tinto e uma tinta capaz de, em contrapartida, rogar lúcida a passagem dilacerada do humano pelas páginas turvas do mundo. Que, em prefácio, ressoe agora-aqui a face mesma de assonâncias de Artur. Que em pré-faces (a da melopeia, a da fanopeia, a da logopeia) o poeta se apresente, por assim dizer, multifacetado, contaminando-nos com os tempos de seu ritmo venéreo. Que se capte, enfim, o próprio escape das imagens ímpares e afiadas pelo gume de Gomes, repetindo-se – com outros nomes e aliterações – seus deleitosos jogos de palavras em nossa fome de análise e anúncio: incorporemos, nessa prosa de abertura, a música de seus trocadilhos, a curvatura das paranomásias no retilíneo das linhas do livro: a que verte vulva em verso, Afrodite em afro-ditos de orixás em orgias com Ártemis e Hermes.

       Que o veraz poeta, para aquém do denominado moderno, para além do já clichê pós-moderno, para quem dos rótulos e taxonomias previstas pelas literárias teorias, atravessa o pós-pós de tudo e mesmo o pó da historiografia. Artur Gomes se exibe, ao revés, pré-antigo (tão dentro quanto fora do chronos) na atualidade incorrigível de uma poesia dedicada à Gaia (lê-se na dedicatória: “e a Terra/Mãe/Terra a musa eterna dos meus estados de surtos dos meus estados de sítio dos meus estados de cio”). Enquanto bebe, no tempo cronológico (“tempo de bestas”, “na caretice dos bostas”), as lutas e lutos de sua época e século (“esse país que atravesso corpo devassado em grito na cara do silêncio”), inebria-os e subverte-os no tempo imemorial da Terra para fundar o Aion sem fundo do instante-em-transe da experiência artística. Por isso, não basta citar, em cacoete analítico, os tiques nervosos que convêm à crítica (mencionar modernismos influentes, a geração beat, a poesia pop, a tropicália...) para entender sua lírica. Nem seria preciso. Soaria até repetitivo elencar, neste preâmbulo, as personagens caras a Gomes, forjando-o efeito do esbarro nelas todas, do encontro com elas, das tramas e transas com obras e corpos do passado e presente: o poeta já o faz e cumpre a coletânea como a dramaturgia de sua errância pelo imaginário e pelo inconsciente, os quais derramam sobre o copo do real e da consciência alter-egos confessos e inventados – tudo o que for líquido nos vasos sanguíneos do poeta alcooliza o poemário com o híbrido de fogo fátuo e frios fatos.

Artur Gomes – assinatura por vir, heteronímica, heteromórfica – assim apresenta em O poeta enquanto coisa suas juras não mais secretas, mas públicas, ainda púbicas, aos afetos que compõem e decompõem sua literaturavida. Seus versos são rascunhos, rasuras e ranhuras a passar a limpo os nexos e os nervos de sua fatura formal e estilística, deixando sobre a página tanto um rastro de unha quanto o esmalte dos escritos e vozes que em sua alma avultam e nos dedos instauram cutículas.

Tais intertextos e intratextos, ou ainda, tais hipertextos insaciáveis se disseminam pela obra na mesma proporção com que se concentram em cada poema, lado a lado ou embaralhados; falseando nos rebentos líricos as certidões de batismo e, em poligamia, proliferando as certidões de casamento com as leituras/releituras de livros, bem como com o folhear de rostos amigos, ou com o riso e risco do desconhecido, não obstante o postergar de comprovantes de residência, de pátrias de origem: cada gesto, um tanto Ulisses, desmente Ítacas, deslinda labirintos (do Minotauro?) ou mesmo fios (de Ariadne?), teatralizando ad infinitum as alteridades que servem como impressão digital provisória e polimórfica para alguma identidade fluida, fragmentada, ao rés da fantasia. Mas nada disso seria possível – nenhuma conversa com livros, nenhum sexo com as líricas de um outro e de uma outra – seria concreto sem a lascívia uma vez mais dionisíaca de um cérebro em gozo sináptico, em psiké-análise, em psiké-catálise, em psiké-catábase: esta que põe no divã do poeta as divas Oxum e Afrodite atravessadas, fosse a sala do analista também um templo pagão ou uma ilha de Lesbos, de modo que Artur construa entre sua cama e seu karma de vate uma Igreja imoral/amoral do Reino de Zeus. E dos muitos Eus que exilam hóstias e comungam com o jamais fixo e intransigente credo.

Esta, a sacralização do profano e do erótico, ou a profanação do sagrado enquanto humano, do poeta enquanto coisa (“o amor mesmo quando profano / tem muito mais de sagrado”): filho de um deus com uma mortal, Dionísio dança na recorrência da palavra “vinho” no livro, a exemplo dos versos:  “aqui / a poesia pulsa / na veia / no vinho”; “por vinho tinto e poesia”; “ela tem sede de vinho / nas madrugadas dos bares”; “o vinho do tempo na boca”; “em nossas bocas tinto – vinho”; “beijo tua boca ainda suja / do vinho que sobrou”; “me consagro teu amante / pelos vinhedos de Baco / no ápice sagrado / da su-real pornofonia”. A embriaguez dos significantes e dos significados é a que tanto forja imagens insólitas (como a de um “céu de estanho” ou como em “ela mastiga meus ponteiros”) quanto a que costura melodias bem trabalhadas entre vogais, consoantes ( “entre paredes pedras facas de dois gumes / nos parreirais depois da lua), ratificando a inteligência verbal (a logopeia) de Artur Gomes dobrada em melopeia (música) e fanopeia (imagética). Visualidade provocada, a saber, não só pelas imagens significadas pelos significantes, mas visualidade ou imagem do próprio significante, o qual, dentro de si, dá à luz significâncias outras (“EuGênio Andrade”, “Afro-dite, “BolivariAndo”, “eletriCidade”), pois Artur Gomes – nesta “pornofonia” – é mestre na criação de neologismos (em tudo se vê uma “carNavalha”).

Não apenas o corpo do homem, da mulher, se sensualiza e se sexualiza sob a força cósmica de Eros. É o poema mesmo que, em O poeta enquanto coisa, é corpo sensualizado, sexualizado, da mesma maneira que a cidade, o mundo, os tempos e o Tempo são Eros, vez que a palavra é pele e poro (duas palavras aliterantes e frequentes em Artur Gomes). Nessa porosidade, o poeta se entende permeável a coisas e pessoas (a pessoas já misturadas às coisas, a pessoas já coisas): “por entre poros entre pelos / minhas unhas tuas costas”. Também por isso, por essa poesia de tamanho contato, fricção, a relação com a língua se confirma erotizada e – vale dizer – tanto a língua física quanto a verbal, o que equivale a dizer que escrita e oralidade se reencontram no poeta: a sofisticação da escritura literária não perde (pelo contrário, potencializa) a dimensão primigênia do poeta como cantor, como ator “na divina língua de Baco”, a qual se exalta mediante a recorrência também da palavra “boca” e da palavra “coxa”: uma é a que beija, lambe, morde e degusta; outra é a beijada, a lambida, a mordida, a degustada. Ambas em rima toante também entoam ritmos e ritos profanos-sagrados: 

o poema fala do teu corpo
como se o tocasse 
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca 
como um canto bíblico
com louvor profano 
 

Nessa performance e performatividade lingual-linguística, todo signo cisma um erotismo entre o significante e o significado, sim, mas também entre página e palco, palco e praça, praça e povo, a babel dos povos e a babel das palavras: daí, tantos trocadilhos (troca-trocas, orgias, surubas...), como o da “flór do lótus” com a “flor do lácio”, o das “coxas” com as “costas”, o do “fauno” com a “flauta”, o da “alvorada” com o “alvoroço”, o da “antítese” com a “Antígona”. Eis a língua física, outrossim, a trocar com a verbal, mas sendo ao mesmo temo pelo verbal trocado, e vice-versa. Eis o poeta trocando com outros poetas ou sendo trocado por poetas outros, vestindo a roupa dos outros e tirando a sua roupa para ser outro: Federico Baudelaire, Gigi Mocidade, Bracutaia Silva, Federika Bezerra, Cristina Bezerra etc. O poeta, analista translógico da psique, troca com sua psicanalista. E o poeta se tenta analista de si mesmo, elevando o caos para a troca de seu nome Artur por timbres e assinaturas novos. Do mesmo modo, o nome dos poetas que existem, os que morreram e ainda não, os vivos hoje e sempre, vai se trocando, em rearranjos da memória (e do recriativo esquecimento). Artur Gomes troca poetas em seu corpo e, trocando com eles, entende que todos trocam entre si, a exemplo do diálogo poético de Clarice com Baudelaire. Mais ainda: o corpo do poeta troca com o corpo do poema e, consoante em “Poética”, a metalinguagem elabora um troca-troca de textos sob o mesmo título, pois o poema “Poética” se metamorfoseia em outros poemas: o tema “Poética” permanece, mas se trocando: o mesmo sendo diferente. A palavra “outro(s)” se sugere, enfim, ouro neste livro, e é nessa não indiferença ao outro, que o poético se faz ético e político. E nessa política da e pela diferença, a cidade do corpo se troca e vira o corpo da cidade. Assim, o poeta é – quando e enquanto coisa.

No meio de tantas referências e reverências, borrões (d)e assinaturas (como as de Mário de Andrade, Drummond, Torquato Neto, Rimbaud, Mallarmé, Tanussi Cardoso, Tchello d’Barros, Jiddu Saldanha, Ronaldo Werneck, Reinaldo Valinho Alvarez, Reinaldo Jardim, deuses e deusas gregas, orixás), o “anjo torto” de Artur Gomes não sopra no livro Manoel de Barros ou James Joyce, escritores também engenhosos e que se vale de muitos ilogismos ou neologismos. Todavia, O poeta enquanto coisa não deixa, na qualidade de título de livro, de repercutir o Retrato do artista quando coisa (de Barros) e o Retrato do artista quando jovem (de Joyce).  Do mesmo modo, não havendo menção (ao menos, explícita e intencional), ao “Teatro Oficina” de José Celso Martinez Corrêa, a dimensão orgiástica da arte e a reunião – não menos sacro-promíscua – de mitos gregos e africanos, a assimilação pela cultura ocidental de outras culturas, aparece em Artur Gomes nesta, quiçá, Poesia Oficina. A relação gozosa e experimental com que a palavra se faz poema e se teatraliza faz de seus livros um grande laboratório da língua, do corpo e da cultura, com repercussões nitidamente políticas.

Se Pantanal é o corpo poético e o poema experimental, de aparente falta de lógica, lembrando o discurso infantil, no Manoel de Barros do Retrato do artista quando coisa, a urbe é o corpo prenhe de sexualidade e sensualidade em Artur Gomes, nos supostos ilogismos do discurso adulto que se vê fragmentado e devorado por Eros e Thanatose no qual a relação sujeito-objeto já não dá conta quando o humano se vê coisa (não mais agente ou paciente, voz ativa ou passiva: talvez, as duas ao mesmo tempo). Como no Pantanal de Barros, a linguagem de Gomes é lamacenta, cheia de líquidos e delírios: a seiva se expande e se intensifica com (ou se troca por) suor e sêmen. Lama, agora, é a cama: o mangue ou o pantaneiro é a cama de Artur onde dormem, acordam, sonham, gozam e ardem todos os corpos (humanos e não humanos) aqui já citados e dispostos nos lençóis, colchas e fronhas da página.

Por outro lado, temos na trajetória literária de James Joyce, a intertextualidade com Ulisses de Homero. Artur Gomes ouve o canto da sereia em sua cama, livro, divã, e talvez do inconsciente escute a voz de um “artista quando jovem”, vinda de Joyce. Nesta, a personagem protagonista Stephen Dedalus, aquele que será adiante o anti-herói de Ulysses, diz à sua mãe que não poderá seguir a vocação de padre. Ele descobriu uma nova e grandiosa missão em sua vida: a de criar uma nova e poderosa mitologia para o povo irlandês. O romance autobiográfico de Joyce narra a infância de Dedalus (máscara de Joyce), personagem que vai aparecer novamente em Ulysses. A vida do pequeno Dedalus é marcada pela religiosidade da mãe. Ela quer que o filho siga a carreira eclesiástica. Vários padres fazem parte da vida de Dedalus e vão moldando sua consciência. O momento de virada na vida da personagem principal se dá no momento em que ele escuta um horrível sermão feito por um padre sobre o inferno que o deixa muito impressionado. Dedalus passa a viver como um carola seguindo à risca todos os jejuns e mandamentos da igreja católica. Nesse momento, ele até se sente como um futuro padre. Com a sequência do romance, vemos o jovem Dedalus passar de uma fase religiosa para uma de sensualidade. Sente-se cada vez mais obcecado com a ideia da confissão. Ele então confessa a um padre todos os pecados sensuais que pratica. Abandona definitivamente a convocação de ser padre e passa a se interessar por ideias artísticas e estéticas. Dedalus abandona a carreira de padre mas não a fé.

Assim, Artur Gomes se obstina pela ideia de confissão, mas de uma confissão dionisíaca. Primeiro, fazendo suas Juras Secretas, suas confidências sensuais, sexuais, eróticas, fulinaímicas. Em suma, suas sagaranagens (há algo de Joyce em Guimarães Rosa, ou vice-versa; no Rosa que há em Artur Gomes, no sagarana dos três). Agora, em O poeta enquanto coisa, arriscando-se a abandonar todo credo político-religioso paralisante, move-se – avesso ao dogmático – no sentido de dançar o mitopoético, o dionisíaco. Daí, uma Igreja Universal do Reino Zeus faça todo sentido na cosmogonia e teogonia de Artur Gomes. Em primeiro lugar, como deboche diante de quaisquer fundamentalismos. Em segundo lugar, como denúncia do que um Reino de Deus pode roubar do político o vigor do poético, preferindo um louvor a Dionísio a um Deus que não sabe dançar, que não sabe gozar, na liturgia de uma poesia que roga 

por um poema 
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus 
da tua boca

arranhe os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor

assumo o risco
não sou demo
nem corisco 
eu sou cantor 

Iansã é quem me lava
Oxossi é quem me leva
Ogum é quem me manda
Oxum é quem me guarda
 

eu sou o que invoca 
o que provoca 
e incorpora 
desconcentra 
desconforta 
desconstrói 
e desconcerta
 

eu sou o que interpreta representa 
o que inventa 
e desafora
 

o Anjo Torto 
graças a Zeus 
a pedra e ao Machado de Xangô
 

a Capitã do Mato Caipora 
me xinga de poeta enganador 
mal sabe ela 

que eu sou da reza 
que o homem que se preza

nunca se escraviza 
com chicote de feitor
  

*Igor Fagundes é poeta, ensaísta, doutor em Poética e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor, dentre outros, de pensamento dança (2018) e Poética na incorporação (2016). Macumbança (2020) 

 

*

O POETA ENQUANTO COISA: “NO COURO CRU DA CARNE VIVA” – LINGUAGEM CORPO

Ao ler O Poeta Enquanto Coisa, de Artur Gomes, já na apresentação do poeta, 64, suas palavras sugerem que o poeta é sujeito e objeto. Perguntei-me: “Mas como será isso? Sujeito e Objeto?” Sim!

Só um punho lírico muito forte, porém despojado, - “no couro cru da carne viva”. (64) pode com “esporas” ”sangrar corpos” e “abrir cadafalsos”. Trata-se de uma poemática em que a linguagem é o corpo. A expressão que se depreende é o estrondo acompanhado do gozo, la petite mort.

Entretanto a Musa eterna dos estados de surtos e de sítio e de cio do sujeito (quem sabe do poeta ele mesmo?) nos diz em alto tom: é a Terra/Mãe/Terra. Por este viés confesso do poeta, entendo que o salto lírico desta poética ou destes versos “de surtos, de sítio e de cio” é, por excelência, telúrico. Assim como a vida é telúrica, o amanhã também o é, assim como o são os lugares geográficos presentes em muitos versos e que ilustram a teleologia dos poemas por toda a obra.

 Explico: há em toda O Poeta Enquanto Coisa, obra de fôlego e tanto, uma doutrina arturiana que identifica a presença de uma metalírica em riste, com fins e objetivos metalinguísticos ou ainda criando situações que deslocam a natureza e a humanidade, considerando a finalidade como o princípio explicativo fundamental na organização e nas transformações de todos os seres da realidade, uma espécie de finalismo.

Estes poemas são inerentes a um possível aristotelismo de hoje e seus desdobramentos, pois se fundamentam na ideia de que tanto os múltiplos seres existentes, quanto o universo como um todo direcionam-se, em última instância, a uma finalidade que, por transcender a realidade material, é inalcançável de maneira plena ou permanente.

Hegel também tratou disso em seus epígonos, segundo os quais o processo histórico da humanidade assim como o movimento de cada realidade particular, são explicáveis como um trajeto em direção a uma finalidade que, em última instância, tem como objetivo uma realização plena e exequível do espírito humano: em Gomes, inquieto, rebelde, sagaz, verbal, metafórico, carnal, cuja realização dá-se no sobressalto, no grito, na dicção da audácia, tanto na poíesis quanto na techné. Sujeito e Objeto reencontram-se no ritmo da techné: “eu acho que é tempo ainda”. Aí se igualam Sujeito e Objeto.

Oswald de Andrade experimentou um tanto disso na sua Poesia Pau-Brasil do 1º. Modernismo. Mário de Andrade em Paulicéia Desvairada. Com outro fluxo nos poemas, obviamente. Artur Gomes reverbera alguns momentos do nosso 1º. Modernismo, sem dúvida, trazendo-o ao picadeiro contemporâneo:

Cocada agora

só se for de coco

paçoca de amendoim

cigarro só se for de palha

cacique só se for da mata

linguagem só tupiniquim

bala só se for de prata

água só se for aguardente

tônica só se for com gim

estado só se for de surto

eleição só se for sem furto

brilho só no camarim

A existência de uma minemósine (grego Mνημοσύνη), titânide, filha de Urano e Gaia, deusa que personificava a memória está em

nas pipas nos arcos

nas madrugadas dos bares

descritas num guardanapo

no copo de vinho

na boca de Vênus

na bola da vez da sinuca

sangrada pelo meu taco

pois,

aqui

a poesia pulsa

nos cabelos brancos da barba

na divina língua de Baco.

Reiteram-se, assim, os motivos (leit motiv): em Poética 31, “delírio pouco é bobagem”/ “assim como fantasia”/ “é louca SagaraNAgem”/”no carnaval Real da Orgia””/”Dentro da Noite Veloz”/ “ou na Vertigem do Dia”/ “a luz do sol sobre nós”/”onde marés maresia? O corpo – a própria linguagem”/ no mar da antropofagia”.

O delírio teatral, a física quântica leve, o simulacro pós-moderno, o deboche e a pilhéria percorrem, só para ilustrar a recorrência dos recursos, Poética 33 – Em/Cena Um possível encontro de Clarice Lispector e Federico Baudelaire. O diálogo com Oswald de Andrade retorna em Poética 34. Carregada de muito humor. Grande arma!

Em Poética 38, encontram-se o erótico e o satírico, grande sacação (Ah, os sátiros!), diga-se de passagem, um encontro inusitado, de verve crítica e geografia erótica, uma sugestão para um Kama Sutra tupiniquim, por que não. Grande momento do livro!

Enquanto escavo a seiva

Entre o vão das suas coxas

Para desfrutar teu cio

E santificar teu ócio

A selva amazônica perde

Mais 200 mil hectares de mata virgem

Para as moto-serras assassinas

Desse venal agro-negócio.

Sendo um flâneur do século XXI, Artur Gomes, caminha, antes de tudo, como um detetive, no sentido que lhe deu Walter Benjamin: detecta um fato, poetiza-o e, às vezes, deforma-o. De que forma? Investigando-o, pilhando-o, desmascarando suas circunstâncias. Venalmente.

Dr. Deneval Siqueira de Azevedo Filho

Teoria e História Literária (Unicamp/Ufes)

Letras, Artes e Culturas (Fairfield University, CT, USA)

O Poeta Enquanto Coisa

por Nuno Rau

Andamos no presente como vagando sobre um território rumo a outro, o futuro, para onde olhamos (além do olhar atento à nossa paisagem, o agora), mas sem perder a ligação com os territórios de onde viemos, o passado, de onde nos enviam mensagens-cabogramas. Ocorre que, antes, essas mensagens pareciam trilhar cabos unificados, e hoje elas nos vêm por uma rede de miríades de fios entrelaçados, com origens várias, por wi-fi, mescladas aos arcaicos sinais de fumaça, batidas de tambor.

O poeta contemporâneo tão mais contemporâneo se torna quando, atento ao presente absoluto para pensar a direção de seus passos, fica também atento aos sinais do passado, não dispensando o gesto ameríndio de perscrutar nas matas o aproximar-se da civilização predatória (como os nativos norte-americanos encostavam o ouvido nos trilhos do trem) enquanto observa, na tela de seu dispositivo, a nuvem de futuros prováveis, nem todos gloriosos: assim um poeta se torna criador de mundos.

Artur Gomes performa, em “O poeta enquanto coisa”, a sua dança tribal em que diversos dados da tradição se mesclam em sua reinterpretação ancorada no hoje, o que sempre implica numa tomada de posição política do poeta, que brindamos aqui, com alegria, porque nos traz luz sobre um momento particular de trevas na vida civil. É por estas vias que o liquidificador estético do poeta mistura antropofagicamente em suas iguarias-poemas, para que brindemos, deuses gregos com orixás, filosofia e orgia, mente e corpo, política e sexo, o corpo que precisa estar presente cada vez mais nos poemas, afastando quando possível os séculos de metafísica que nos oprimem. Evoé, Artur! Que seu canto ecoe pelos corações e mentes do presente e do tempo que virá.

Nuno Rau, arquiteto, professor de história da arte, tem poemas em diversas revistas literárias, e nas antologias Desvio para o vermelho, do Centro Cultural São Paulo, Escriptonita, que co-organizou, e 29 de Abril: o verso da violência. Publicou o livro Mecânica Aplicada, poemas, finalista do 60º Prêmio Jabuti e do 3º Prêmio Rio de Literatura. Ministra oficinas de poesia no Instituto Estação das Letras e é coeditor da revista mallarmargens.com

 

Em 2022 lanço a 2ª Edição da Antologia Pessoa Pátria A(r)mada, pela Desconcertos Editora, com prefácio de Ademir Assunção. Nessa edição incluo alguns poemas escritos durante a pandemia (2020/2021).


TRÊS TOQUES PARA PENETRAR NA NOITE ESCURA DESTA PÁTRIA A(R)MADA

Ademir Assunção

 1 Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta. 

 O CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em parceria com os músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e Reubes Pess, nos primórdios deste terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas.

Navalhas que acariciam, mas também cortam a pele do ouvinte.  

 Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como 

 “poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”.  

Há dor por uma terra prometida e sempre adiada, “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”.  

É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões:  

“eu não tenho pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”.  

Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem que vai de Arnaut Daniel a Zé  Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns. Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um território de folias

 macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que  

a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”? 

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Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando  

“a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo. Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções.  

Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016. 

 Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos desses versos ecoarão nos ouvidos de muitos e cortarão a carne de tantos: 

 “ó, baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema / espada continua a ser espada / poema continua a ser poema”.  

Ademir Assunção – poeta, escritor, jornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA

Artur Gomes – 2023 – 50 Anos de Poesia – Memória e Resistência – Uma Trajetória Multilinguagens

No longo bate papo semana passada com a minha querida amiga, Jailza Mota, no Museu Histórico de Campos, para o seu TCC de Licenciatura em Teatro no IFF, alguns detalhes dessa trajetória, que até então me passavam despercebidos, vieram a tona.

Em 1977 no texto de Orávio de Campos Soares, para o livro Além da Mesa Posta, ele profetiza, que minha poesia, até então, simbolista e existencialista, dos dois livros anteriores: Um Instante No Meu Cérebro e Mutações Em Pré-Juízo, iria desaguar com o foco no social.

Jailza Mota observa que, o próprio título Além da Mesa Posta, mesmo que o seu conteúdo, não seja de poesia com foco no social, nos dá margem para pensar muito além da “Santa Ceia, mas em todas as “mesas postas” nos lares de todas as famílias dos desprivilegiados por esta país afora.

Pois bem, em 1978  escrevo dois poemas onde o social estão explícitos em suas temáticas: Canta Cidade Canta, vencedor do Festival de Poesia, promovido pelo Departamento Municipal de Cultura de Campos e Jesus Cristo Cortador de Cana, publicado em livreto de cordel.

No mesmo ando de 1978, um Grupo de Teatro ligado ao convento dos Padres Redentoristas, cria uma encenação com o poema Jesus Cristo Cortador de Cana, com a intenção de encená-lo na ETFC, mas é censurado pela direção da Escola. Mas em 1989, ele sobe ao palco do Teatro de Bolso, interpretado por Eugênio Soares, na montagem que dirigi com 9 estudantes da Escola de Serviço Social da UFF, para a tese de conclusão do curso, refletindo sobre a vida das mulheres dos cortadores de cana, e trabalhadores da antiga e extinta Usina de Outeiro. 

 desenho de Felipe Stefani - para a capa do livro Pátria A(r)mada - 2ª Edição - 2022 

Artur Gomes - 50 Anos de Poesia
Uma Trajetória Multilinguagens
Os Tortos Tecem Considerações
Dias 18, 19 e 20 - Agosto - 20h

música teatro poesia dança dicas de educação ambiental e cultura popular

você está convidado(a) para participar desta celebração – entrada franca

poÉtika

eu sou drummundo
e me confundo na matéria amorosa
posso estar na fina flor da juventude
ou atitude de uma rima primorosa
e até na pele/pedra quando me invoco
e me desbundo baratino
e então provoco umbarafundo Cabralino
e meto letra no meu verso
estando prosa e vou pro fundo
do mais fundo o mais profundo
mineral Guimarães Rosa

Do livro Juras Secretas
Editora Penalux - 2018 

Em 2023 lancei pela Editora Penalux o livro O Homem Com A Flor Na Boca, com prefácio de Adriano Moura 

O Homem Com A Flor Na Boca - Um Canibal Tupiniquim

 por Fernando Andrade | escritor e jornalista

 Um homem cita um poema de nome. O músico já usou a cítara para musicar este poema pelo nome. Tudo já foi transformado, o poema para canção, a rima comeu a melodia e fez troça e troca de nome. Mas o poema do livro O homem com a flor da boca, da editora Penalux, nos devolve este país, do samba, do riso piada, Leminski, a força do ato canibalista de deglutir o que veio antes da poesia concreta, até a letra da canção de Luiz Tatit. 

Artur Gomes fez das suas, com tanta fome, comeu a maioria dos poemas que leu na vida e canibalizou e carnavaliza referências, citações, humor de longa estrada, ou beira de bar, trabalhando com gume de faca afiada e o lume de um pôr do sol em Ipanema, lembrando Vinícius.

São poemas bons para musicar tanto na solidão de um violão, quanto, atravessada por uma voz tenor, sax soprano. E não falta sexo, sacanagem, tesão, nas palavras das palavras num atravessamento em plena Quarta feira de cinzas, no resultado do carnaval.

 O desbunde da bunda, o levante dos órgãos, a gíria, e a menina com fio da linha escrita, carregando anedotas, fábulas e circos. O poeta não faz gênero, ele é macho, e fêmea, Simone, em segundo sexo. São poemas para emprestar ao amigo que está com fone de ouvido se atentar para a prosódia do verso, para quem sabe não copiar e transformar Amor em flor na boca.

*

Na Caiana Discos  foi onde comecei a comprar os meus primeiros vinis de Rock And Roll, lá pelos início dos anos de 1970. E foi lá também que conheci Luiz Ribeiro,  onde tivemos os nossos primeiros e longos  bate-papos sobre música e poesia e  alguns anos depois se tornou um dos meus grandes  parceiros.

 Foi na Caiana Discos também onde conheci  Paulo André Barbosa.

Por esses e outros acasos a Rádio Caiana é de alguma forma, hoje,  a extensão da minha relação com a música de Luiz Ribeiro, eterno parceiro  e parte viva nessa minha trajetória destes 50 anos de poesia, que este ano comemoro.

"uma cidade sem memória não é uma cidade"

                   Federico Baudelaire 

momento de grata felicidade ao lado do grande irmão/poeta Salgado Maranhão e da escritora/historiadora Anita Leocádia - registro feito por Lília Diniz por ocasião da 7ª Feira do Livro de São Luís – Maranhão 

conheci Anita Prestes (filha de Luis Carlos Prestes), ao lado do poeta Salgado Maranhão, na 7ª Feira do Livro em São Luis do Maranhão em 2013. Atualmente, por todo o ano de 2024, quando o Golpe de 1964, chega aos seus 60 anos, estou mergulhado numa busca do levantamento da memória dos anos de chumbo 1964/1985.

Tenho assistido a maioria dos depoimentos dados a Comissão Nacional da Verdade, por ex presos políticos e agentes das forças de repressão do período. Um dos mais contundentes depoimentos, dado pelo ex-agente do Doi-Codi do Espírito Santo, o hoje pastor Cláudio Guerra, que narra como os corpos já retirados sem vida da Casa da Morte em Petrópolis eram trazidos para serem incinerados nos fornos da Usina Cambaíba em Campos dos Goytacazes-RJ.  

Hoje assisti a entrevista de Anita Prestes, no site Tutaméia, https://tutameia.jor.br uma reflexão sobre esse período e o momento histórico do Brasil. Busco o levantamento dessas memórias como fonte de pesquisa para o livro Vampiro Goytacá Canibal Tupinquim, porque apesar de ser um livro de poesia/ficção, entendo que nenhuma ficção nasce do nada, existe sempre pelo menos algum vestígio de uma cruel realidade por detrás dela.


No dia 3 de novembro de 2024, fui eleito para ocupar a cadeira 12 da Academia Campista de Letras. Cadeira que já foi ocupada pelo historiador e professor Hélio de Freitas Coelho 

Em 2025 lanço o livro Itabapoana Pedra Pássaro Poema, uma viagem metafórica por poéticas reinventadas com uma  com reflexão sobre os 14 anos morando em São Francisco de Itabapoana. Onde reafirmo a indagação que a tempos venho fazendo desde 2023, quando dei aulas no Curso de Teatro de Rua, na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima:  Era Uma Vez Um Mangue e Por Onde Andará Macunaíma? 

Itabapoana Pedra Pássaro Poema

 

era uma vez um mangue

por onde andará Macunaíma?

na tua carne no teu sangue

na medula no teu osso

será que ainda existe

algum vestígio de Macunaíma

na veia do teu pescoço?


tá no canto da sereia

no rabo da arraia

nos barracos da favela

nos becos do matadouro

na usina sapucaia?

 

na teoria dos mistérios

dos impérios dos passados

nas covas dos cemitérios

desse brasil desossado?


macunaíma não me engana

bebeu água do paraíba

nos porões dos satanazes

está nos corpos incinerados

na usina de cambaíba

em campos dos goytacazes

 

macunaíma não me engana

está nas carcaças desovadas

na praia de manguinhos em

são francisco do Itabapoana

 

Joilson Bessa me disse

Kapiducéu já ensaia

Macunaíma vem vindo

no Auto do Boi Macutraia

 

Guaxindiba Gargaú

será que existe algum resquício

do mato da lama do mangue

da lenda da Moça Bonita

a prima de Macunaíma

nas veias dessa América do Sul?

*

pedra que voa 

depois que choveu pedra em São Francisco do Itabapoana no final de 2024, por ficarem sem saber se gelo ou granizo, alguns moradores da localidade do Macuco, resolveram instalar uma comissão popular de inquérito para apurar as causas do acidente.

Sabedores de que o significado da palavra Ita/bapoana é pedra que rola sob o leito do rio, é bem possível que as “pedras” revoltadas com suas condições de viverem submersas podem ter sofrido gigantes mutações e serem transformada em pedras que voam, incentivadas pelas bruxarias e alquimias desenvolvidas por alguns personagens do livro “Itabapoana Pedra Pássaro Poema”.

 

Federika Bezerra

A Porta Bandeira 

*

CAVOUCANDO A TERRA

                        Wilson Coêlho

A obra "Itabapoana Pedra Pássaro Poema ", de Artur Gomes, é toda "poiesis", na perversão dos significados, trata-se de uma poesia no pau-de-arara, confessando intimidades, inventando conceitos, transitando nas peripécias, nos espasmos, no lance de dados. 

Não é por acaso a ideia do subtítulo ou anunciação de "poesia, alquimia e bruxaria", considerando a poesia,  como gênero literário que faz uso de uma linguagem musical, figurada e criativa para veicular expressões artísticas, bem como, a alquimia dos sentimentos líquidos que escorrem no delírio do poeta que, de certa forma, no que diz respeito à bruxaria, resgata o místico, não religioso, que coloca em questão a possibilidade do óbvio de se estar no mundo, fora da lógica cartesiana, numa viagem Catatau leminskiana. 

A poesia escrita, encenada, cantada, em movimento, inerte, barulhenta ou silenciosa. É a esfinge, Torre de Babel, Cavalo de Troia, fios de Ariadne, ferocidade de Teseu, sonho de Penélope, aventuras de Odisseu, nave louca de Torquato Neto, Macunaíma de Mário de Andrade, loucura de Artaud, ópio de Baudelaire, pânico de Arrabal.

Podemos afirmar, sem medo de errar que, em "Itabapoana Pedra Pássaro Poema", Artur Gomes usa a pena como uma pá que lavra os sulcos de um terreno baldio, a palavra como um arado em movimento, uma palavração. Assim, vai desenhando na página branca, cavoucando a terra para enterrar  as sementes de suas árvores "geniológicas", sempre frutíferas e, como um agricultor e arqueólogo das palavras, as retira da mera condição de semânticas, inventando novos significados, desafinando o coro dos contentes e desafiando a gravidade da lei da gramaticidade. 

Enfim, em "Itabapoana Pedra Pássaro Poema ", estamos diante de uma desarticulação do mito e num processo de reinvenção, uma porta de entrada na utopia (u-topus = não lugar) para dar existência a um novo lugar da poesia extemporânea. 

Wilson Coêlho é poeta, tradutor, palestrante, dramaturgo e escritor com 28 livros publicados, licenciado e bacharel em Filosofia e Mestre em Estudos Literários pela UFES, Doutor em Literatura Comparada pela UFF e Auditor Real do Collège de Pataphysique de Paris, do qual recebeu, em 2013 o diploma de “Commandeur Exquis”.  Assina a direção de 29 espetáculos montados com o Grupo Tarahumaras de Teatro, com participação em festivais e seminários de teatro no país e no exterior, como Espanha, Chile, Argentina, França e Cuba, ministrando palestras e oficinas. Também tem participado como jurado em concursos literários e festivais de música. Participa de diversos movimentos e eventos de teatro na América

Ente/Vistas

 

Concedendo entrevista ontem 15 de agosto 2025 a Raphael Fuly, licenciando em música no IFF Guarus, sobre a minha trajetória com Arte dentro da ETFC/CEFET/IFF, de 1968 a 2012. Raphael é orientando pela queridíssima amiga  Beth Rocha, parceira de grandes espetáculo de Teatro Musical que montamos no CEFET/IIF a partir de 1997, tais como “O Dia Em Que A Federal Soltou a Voz e Criou  Um Coro de 67 Vertebrados”, espetáculo que foi apresentado em 1997 no Auditório Miguel Ramalho, marcando a chegada  de Beth no CEFET/Campos e o meu retorno de uma licença prêmio para coordenar a Oficina de Artes Cênicas, que criei em 1975.

A entrevista foi realizada no Casarão - Centro Cultural, na Rua Salvador Correia, 171. Raphael Fuly, é integrande de uma banda formada por estudantes de música no IFF, contemplada em edital na lei Aldir Blanc, dia 22 deste a banda estará se apresentando no Museu Histórico de Campos, e um dos integrantes da mesma, Pablo Vinícius, que em 2022 participou do meu Projeto Geleia Geral – Semana de 22 – 100 Anos Depois, me pediu licença para nomear  a banda com o nome Balbúrdia PoÉtica, o que imediatamente autorizei, e no dia 22 pretendo batizá-la tornado-a minha afilhada.

Como bem disse lá pelos idos de 2005, quando fui contemplado no projeto Poesia Na Idade Mídia – Outros Bárbaros, de Ademir Assunção realizado no Itaú Cultural São Paulo, no poema VeraCidade: - por quê trancar as portas/tentar proibir as entradas/se eu já habito os teus 5 sentidos/e as janelas estão escancaradas.

* 

VeraCidade

 

por quê trancar as portas

tentar proibir as entradas

se já habito os teus cinco sentidos

e as janelas estão escancaradas ?

 

um beija flor risca no espaço

algumas letras de um alfabeto grego

signo de comunicação indecifrável

eu tenho fome de terra

e esse asfalto sob a sola dos meus pés

agulha nos meus dedos

 

quando piso na Augusta

o poema dá um tapa na cara da Paulista

 

flutuar na zona do perigo

entre o real e o imaginário

João Guimarães Rosa

Caio Prado

Martins Fontes

um bacanal de ruas tortas

 

eu não sou flor que se cheire

nem mofo de língua morta

o correto deixei na Cacomanga

matagal onde nasci

 

com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

Obs.: em 2023 quando fui convidado por Sylvia Paes, para voltar a prestar serviços na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, escrevi o projeto Campos VeraCidade, que até hoje está engavetado, porque não há interesse na gestão pública da cidade, em fomentar um projeto de Arte Cultura, que reflita profundamente sobre a cidade, no que ela foi, o que ela é e o que ela pode ser. 

*

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Artur Gomes FULINAIMAGENS

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As fotos são de Nilson Siqueira


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