Da Cacomanga para o mundo passando pela Tapera Ururaí Lagamar Ibitioca pulando feito pipoca para se equilibrar na corda bamba em terreiros nem sempre de samba quando o jongo e capoeira eram defesa na luta com as palavras nem sempre amenas pacíficas cordiais muitas vezes tão ásperas que o jeito mesmo era o silêncio para não xingar o próprio vento que apertava o calcanhar na vida nem sempre mar de rosas quase sempre espinhos furando a sola dos sapatos
Dia 27 agosto – 20h
Carioca Bar – Rua Francisca Carvalho de Azevedo, 17 – Parque São Caetano – Campos dos Goytacazes-RJ
Goytacá Boy
musicado e cantado por Naiman
no CD fulinaíma sax blues poesia
2002
ando por São Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara
juntei meu goytacá teu guarani
tupy or not tupy
não foi a língua que ouvi
em tua boca caiçara
para falar para lamber para lembrar
da sua língua arco íris litoral
como colar de uiara
é que eu choro como a chuva curuminha
mineral da mais profunda
lágrima que mãe chorara
para roçar para provar para tocar
na sua pele urucum de carne e osso
a minha língua tara
sonha cumer do teu almoço
e ainda como um doido curuminha
a lamber o chão que restou da Guanabara
Artur Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
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Artur Gomes
A bio.grafia de um poeta Absurdo
:
com os dentes cravados na memória
*
cacomanga
ali nasci
minha infância era só canaviais
ali mesmo aprendi
a conhecer os donos de fazenda
e odiar os generais
poema do livro Suor & Cio
MVPB Edições - 1985
*
Nasci numa madrugada do dia 27 de agosto de 1948 na Fazenda
Santa Maria de Cacomanga, nas proximidades da Tapera, à época mapeada como 1º
Sub-distrito de Campos dos Goytacazes.
Meus pais: Arthur Ribeiro de Abreu, era o administrador da
Fazenda, e a minha mãe: Cinira Gomes, semi/analfabeta cabia a missão de cuidar
da casa e da educação dos filhos. Meu pai era bem humorado e divertido,
responsável pela organização das grandes festas/juninas que aconteciam na
Fazenda. Já minha mãe era rígida e
severa no trato com os filhos.
Tenho quatro irmãos, filhos de pai e mãe: Ana Maria Gomes,
Regina Lucia Gomes, Vicente Rafael Gomes e Ricardo Gomes. Tive dois outros
irmãos filhos do meu pai: Francisco
Antônio Abreu, com quem convivi até o seu falecimento, e Rubens, que não chegamos
a conhecer, pois faleceu com 8 anos de idade, vítima de tétano.
Não cheguei a conhecer meus avós paternos. Mas os maternos
sim: minha avó era chamada de Dona Moça,
e nós a chamávamos de Mãe Dindinha, e meu avô chamava Leandro Gomes, morava
próximo a nossa casa, trabalhava na capina e era fã de uma boa cachacinha.
Tivemos uma convivência
próxima, com vários primos, que moravam na mesma Fazenda Santa Maria de
Cacomanga, filhos da nossa tia Julita, irmã da minha mãe e os sobrinhos filhos
do nosso irmão Francisco.
Até os meus 7 anos minha vida era brincar no quintal de casa,
com bola de gude, futebol com bola de meia, futebol de grama, soltar pipa,
pique/bandeira e pique esconde e amarelinha e como cia tínhamos sempre os
primos e sobrinhos e alguns colegas e amigos de infância moradores próximos da
nossa casa, que fomos aglutinando durante todo o tempo que permaneci morando na
Cacomanga.
Além das atividades brincantes, tínhamos também a ocupação de
varrer o quintal, cuidar dos cães, dos porcos(que o meu pai criava para consumo
da família), cuidar da pequena hora e do
jardim e a partir da minha criação de preá da índia.
Outras atividades costumeira que tínhamos na
infância/adolescência era caçadas, principalmente de preá do mato, e passarinhos, (rolinhas, quero quero,
marreca), além das pescarias de piaba nos rios da Olinda e Ururaí.
Próximo a Cacomanga , além da Tapera, tínhamos também uma convivência com outras localidade como Olinda,
Morro Grande, Lagoa de Cima, Espinho,
Boca do Mato, Ururaí, Lagamar e Ibitioca.
Sempre tive e tenho uma atração pela aterra e pelo fogo,
depois descobri que essa atração é exercida também pelo mar desde que o vi pela primeira
vez em Atafona, lá pelos idos de 1953.
Em 1955 aos 7 anos de botei fogo no paiol de milho do meu pai.
O paiol era uma construção de madeira, o milho seco ali era guardado para
alimentar os porcos. O prédio tinha dois andares, e no térreo era guardada a
palha seca, que era transformada em adubo orgânico. Esta em cia do meu amigo
Ziel, filho de dona Isabel que trabalhava como copeira na casa de Olivier Cruz,
o proprietário da Cacomanga. Quando o fogo levantou e começou a atingir o
segundo andar, apavorado saltei para o abismo secular da poesia.
Ali estudei até 1957 as 3 séries primárias. Lembro-me que havia apenas uma sala, onde se reunia todos os alunos de cada turno, e a nossa professora se chamava Mercedes. Ali tivemos aulas de Matemática, Português, Ciência e Geografia.
Como nessa época ainda morava na Cacomanga fazíamos uma longa caminha para pegar o ônibus na Tapera. Em Campos o ponto do ônibus ficava ao lado do Mercado Municipal, onde hoje é o Camelódromo. Não foram poucas vezes que enfrentávamos bravias tempestades nos trajetos de casa até a Tapera, na ida ou na volta muitas vezes noite já fechada, o que tornava o momento mais dramático.
De 1958 a 1960 meus estudos primários foram complementados no Grupo Escolar XV de Novembro, onde comecei as minhas primeiras incursões pela cidade propriamente dita de Campos dos Goytacazes. O colégio estava instalado em um prédio centenário na Praça da República, próximo a Rodoviária Roberto Silveira. Ali além de estudarmos, português, matemática, ciências, geografia, história e educação física, desfrutávamos de um imenso pátio com chão de barro e imensas mangueiras, onde deitávamos e rolávamos em jogos de bola de gude, peladas de futebol e basquete. Em 1960 fui preparado pela saudosa professora Maria Gomes, para o exame de admissão para a Escola Técnica de Campos, onde ingressei no Ginásio Industrial em 1961.Na ETC cursei o Ginásio Industrial de 1961 a 1964. Ali muitas
mudanças começaram a se metamorfosear, primeiro a chegada da adolescência e
suas implicações, e a diferença tamanha das
Escolas que tinha estudado até então para aquela que agora começava a fazer
parte da minha travessia, principalmente a convivência com os colegas, quase
todos com idade bem maior que a minha. O período de estudos era manhã e tarde,
além das novidades relacionadas ao esporte, integrados a cadeira de educação física, futebol de
grama, basquete e futebol de salão. Além disso, a integração, ainda se dava na
hora do lanche, manhã e tarde, e do almoço. Além da grande novidade: a Banda Marcial,
famosa em toda a cidade pelos seus grandes desfiles no dia 7 de setembro, muitas
vezes, com ensaios pelas ruas da cidade, que começavam em junho. Tínhamos ainda cerradas disputas de tênis de mesa.
Além das matérias normais ao ensino fundamental: português,
matemática, ciências, geografia, história, literatura, nos 2 primeiros anos, passávamos
por Oficinas de Tipografia, Marcenaria, Sapataria, Alfaiataria, Fundição,
Serralharia e Mecânica. No terceiro ano escolhíamos a Oficina que qual gostaríamos
de nos especializar, e sair da ETC depois de concluído o Ginásio com um Ofício.
O Ensino Industrial foi criado em 1909, pelo campista então
Presidente da República Nilo Peçanha. Campos foi a única cidade na época, sem
ser capital a receber uma Escola de Aprendizes Artífices, primeiro nome dado a
então ETC (Escola Técnica de Campos.
A ETC tinha como Diretor o professor Francisco Pandolfo, e
como vive o professor Edmundo Chagas. Dos professores das matérias de humanas,
lembro-me de quase todos e todas: Alice Nogueira(português), Alceste Peres Pia(canto),
Dulce(matemática), Conceição Ferreira(ciências), Dorâmia(geografia), Antônio
Carlos Carvalho(história).
Das Oficinas: Wilson Monteiro, José Leitão, Thierri
Pires(tipografia), Rosalvo, Adalberto, Walter Freitas, (marcenaria), José Cruz,
Salvador Agminal de Sousa, mais conhecido na cidade por sementinha(sapataria)
exímio jogador de sinuca e apostador em corridas de cavalo. Martinho, José Roque(alfaiataria),
Agnelo(Fundição), José Fagundes(Seralharia) e Hélio Freitas(Fundição). Esse
alguns anos depois se tornou Diretor.
Em 1963, quando cheguei ao terceiro ano do Ginásio Industrial, sem nem mesmo até hoje definir o porque, escolhi a Oficina de Tipografia (Artes Gráficas) e acabei me tornando Linotipista. Minha primeira profissão. Mesmo desde os 12 anos ter trabalhando como lavador de peças de automóveis e caminhões na Oficina da Fazenda Cacomanga, para ajudar o meu irmão Francisco.
O nosso relacionamento com os inspetores: Edmundo Chagas, Élcio Peralva e alguns anos depois Eraldo Ferreira, um ex-aluno, que além de inspetor foi também regente da Banda Marcial, foi sempre divertido. Principalmente com Edmundo Chagas, que comandava as chamas para os lanches e o almoço, de uma forma muito particular com alegria imensa pela missão que desempenha. Tanto el como Eraldo, se tornaram nosso companheiros das cervejadas que pelos bares da cidade, a partir do momento em que a cerveja começou a fazer parte dos momentos de prazer e diversão.
*
Durante todo esse período de 1961 a 1964, dentro da ETC pouco se
falava, em política, governos, e questões sociais, não tínhamos informação
alguma além do que nos era passado nas salas de aulas e nas Oficinas. Mas nas aulas de história com o
professor Antônio Carlos Carvalho começamos a perceber eu algumas coisa
estranha estava acontecendo fora da Escola. Ele era uma figura cômica, que chegava
na Escola pedalando, entrava em sala de de aula todos suado, com paletó todo
entanguido de suor, tirava do bolso um lenço mais amassado que o paletó, e
limpava o rosto, enquanto rezava um padre nosso, ritual cumprido sagradamente
todos os dias.
É dele o momento mais hilário que testemunhei na ETC em 1964.
No dia 31 de março ao meio dia, já estávamos na sala, o aguardando para aula de
história, ele chegou da mesma forma como
chegava todos os dias, só que um detalhe nos chamou a atenção de imediato.
Depois de enxugar os rosto suado, com o seu lenço todo
amarrotado, tirou do bolso do paletó um radinho de pilha, ligado enquanto ele
iniciava a aula que era sempre calcada em passagens bíblicas, como ele mesmo
gostava de afirmar.
- “e aí Jesus gritou para a serpente”: “porei inimizade entre
ti e a mulher, a tua descendência e a descendência dela, e um dia haverá um que
te esmagará a cabeça.”
Dito isto colou o ouvido ao radinho de pilha e de repente soltou um grito:
“meus amigos estamos livres do comunismo”! O exército acabara
de consumar o Puta Golpe!
Em 1965 trabalhei como linotipista(minha primeira profissão),
no Jornal A Cidade, em Campos dos Goytacazes. A jornada de trabalho
estabelecida era das 2oh a 1 da madrugada, mas quase sempre ultrapassava às 5
horas da manhã.
Neste ano, estudei contabilidade na Escola Técnica do Comércio, que era situada na Av. Alberto Torres, acredito que o local hoje é o Bar do Cabeça.
Em 1966 tem início os cursos técnicos a nível de segundo grau na ETFC, Eletrotécnica, Edificações e Mecânica. Eu ingresso no curso de Eletro. Passo a trabalhar no Escritório da Cerâmica Cacomanga, como aprendiz de escriturário e me alisto para servir o Exército.
Em 1967 numa noite fatídica, sou atropelado por um caminhão da Cerâmica São Sebastião, na Beira Valão, em frente ao Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes-RJ. Fui socorrido por um motorista de uma caminhonete que passava pelo local. Levado para o SAMDU da Rua Saldanha Marinho, sou imediatamente levado para a Santa Casa, onde passo por uma cirurgia que me deixa em coma por 58 dias.
Mesmo ainda me recuperando, da cirurgia, em maio de 1967 sigo de trem para o Rio de Janeiro servir o exército no Quartel de Cavalaria de Guardas - Dragões da Imdependência, situado na Rua Pedro II esquina com Figueira de Melo, em São Cristóvão, onde permanecemos até o mês de dezembro daquele mesmo ano. A passagem por esses 7 meses de quartel no Rio, não foi nada fácil, sofriámos opressão de todas as formas dos oficiais: Tenentes, Capitães, Major e do coronel comandante João Batista de Oliveira Figueiredo.
Em setembro de 1967, meu pai, Arthur Ribeiro de Abreu, faleceu, e só dois dias depois consegui licença para vir em casa, e acabei não vendo o seu sepultamento.
Em dezembro deste mesmo ano de 1967, o quartel foi transferido para Brasília, lá a missão foi terminar a construção do Quartel cuja obra estava inacabada. Cada soldado, que permaneceu incorporado trabalhou até maio de 1968 na profissão havia aprendido em sua adolescência. Eu como sabia datilografia fui trabalhar no Escritório do segundo esquadrão, pelotão onde fui lotado.
Como os fundo do quartel dava para o cerrado, e não havia muro, descobrimos uma trilha que ia até Taguatinga, foi a nossa grande válvula de escape para as fugas noturnas até os bares da referida cidade satélite. Dentro do quartel o discurso era um só: éramos os patriotas na missão de salvar o Brasil do comunismo. Triste ilusão.
Durante todo o tempo que permanecei no exército, no Rio, recebia visita do meu primo Antônio Abreu, e muitas vezes passava os finais de semana na casa dele em Deodoro, onde ele mantinha o seu arsenal de Tubos Plásticos, que ele comercializava. E sua intenção era que quando eu saísse do exército viesse a ser um de seus gerentes de loja.
Em maio de 1968, recebi baixa e viajei de ônibus de Brasília para o Rio, e de lá para Campos para re-ver minha família na Cacomanga. A ideia era matar a saudade de casa e seguir para o Rio para assumir o trabalho de Gerente de alguma loja do meu primo Antônio Abreu, o que a minha mãe era totalmente contra. E eis que, depois de uma semana revivendo a Cacomanga, recebo a visita de um jeep, lotado de colegas do Ginásio Industria da ETC, com um recado do professor José de Oliveira Leitão, que foi quem me ensinou a trabalhar na linotipo, para que eu comparecesse à Escola, para assumir na Tipografia a vaga de linotipista, o que aconteceu em julho de 1968, e até janeiro de 1970, trabalhei na Oficina de Tipografia da ETFC, pelo regime de serviço prestado.
Em primeiro de janeiro de 1970, minha carteira de trabalho foi assinada por Renato Marion de Aquino, o então Diretor da ETFC, sendo regido a partir de então pela CLT.
Durante o meu período de atuação como linotipista na tipografia da ETFC, que durou de 1970 a 1986, tive os amigos de trabalho: Edmundo Chagas Filho, Salvador Ferreira, Josias de Souza, Paulo Moura, Thierry Pires e José de Oliveira Leitão tendo como chefe o professor Wilson Monteiro.
Até 1973, os anos transcorreram em paz, trabalhava intensamente para dar conta do material da Escola que chegava às minha mãos para linotipar, ou de alguma outra instituição da cidade que a Tipografia prestava serviços de impressão.
Como O Ofício da Escrita Entrou em Minha Vida
Não sei exatamente quando, em que ano, comecei a escrever, lembro-me que enquanto servia o exército escrevia carta para os meus familiares.
Mas sei que durante todos os anos de 1971, 1972 e 1973, o hábito de escrever compulsivamente já me acompanhava, sem ter a mínima noção de estética, domínio ou técnica de linguagem, fosse verso prosa fosse, o impulso era o de despejar palavras no espaço branco do papel, como quem estivesse desenhando uma porta de saída para a prisão imaginária onde me encontrava.
E desse transe nasceram os livros : Um Instante no Meu Cérebro, 1973. Mutações em Pré-Juízo, 1975 e Além da Mesa Posta, 1977. Ambos escritos compostos por mim na linotipo e impressos na Tipografia da Escola Técnica Federal de Campos.
Um Instante no Meu Cérebro, ganhou prefácio de Renato Marion de Aquino, o Diretor da ETFC, a primeira pessoa dentro da Escola a incentivar minhas habilidades poéticas. Além de me presentear com o papel para a impressão do livro, ainda ofereceu um belo coquitel no lançamento dia 23 de setembro de 1973. Há 52 anos exatamente.
Em 1973 o fidelense, Carlos Castilho, um estudante do Curso Técnico de Mecânica na ETFC, musicou um poema meu, e fomos selecionados para um Festival de Música Anti-Drogas em São Fidélis-RJ.
Em 1974 ganho um outro parceiro fidelense, Paulo Celso Rodrigues de Araújo - Ciranda, Que musicou o poema Tema de Encontro do livro Um Instante no Meu Cérebro. Ciranda na época estudava no Colégio Salesiano em Campos, o que possibilitou estarmos constantemente envolvidos no ato de compor, algumas parcerias também surgiam quando não estávamos juntos, ele me trazia um canção para letrar, ou eu oferecia uma letra para ser musicada.
E assim nasceu Caminho de Paz, música nossa vencedora do IV Festival de Música de São Fidélis-RJ, em 1974. Na época eu estava completamente apaixonado pelas músicas do Taiguara, e muitas letras/poemas escrevi ouvindo-o no rádio, pois em casa na Cacomanga não existia Televisão. A parceria com Paulo Ciranda se consolidou e permanece até os dias atuais.Em 1974, depois da nossa vitória no IV Festival de Música de São Fidélis, Antônio Roberto de Góis Cavalcanti - Kapi, produz e dirige o musical Gotas de Suor, realizado no Teatro de Bolso, com a nossa banda A Turma do Campo, que em seu elenco tinha mais dois componentes ligados a ETFC: Deneval Apollinário (baixista), aluno do Curso Técnico de Eletrotécnica, e Maria Inês(fofinha), aluna do Curso Técnico de Edificações(vocalista) e na época minha namorada. Antes do Teatro de Bolso, fizemos uma apresentação no Clube de Regata Campista, logo depois que voltamos do Festival em São Fidélis, a convite do radialista Ismael Luis(Bolinha), foi quando pisei no palco pela primeira vez, falando poesia.
Em 1975 lanço Mutações Em Pré-Juízo, com prefácio de Marcos Wagner Coutinho, poeta, e professor de Letras na ETFC, nesse livro a minha escrita beirava o simbolismo e o misticismo, já com alguma noção de estética e de linguagem, a técnica e o domínio já podia ser medido nos versos e na prosa. Por se tratar uma temática aparentemente religiosa, o livro causou um certo incômodo na cidade, principalmente dentro da ETFC, onde a maioria de professores e funcionários pertenciam a ala tradicional da igreja católica.
Em 1975 mesmo, Deneval Siqueira Filho, um ex-aluno do curso técnico de Edificações da ETFC, adapta textos e poemas de Mutações em Pré-Juízo, e do ainda inédito Além da Mesa Posta para o Teatro, e nasce o espetáculo/drama: Judas - O Resto da Cruz, para espanto ainda maior dos professores e funcionários da Escola Técnica Federal de Campos.
Não resta nenhuma dúvida, que atuar em Judas - O Resto da Cruz foi o que me levou a encontrar definitivamente a minha vocação de ator e transformá-la em profissão. Em 1975 mesmo movido por todas as emoções vividas na encenação crio na ETFC a Oficina de Teatro, e monto uma outra versão de Judas - O Resto da Cruz, realizada no SESC, com um elenco formado por estudantes do Curso Técnico de Química da ETFC, direção de Ronaldo Pereira. Acrescento mais textos do livro Além da Mesa Posta, e atuo interpretando o Judas.
Em 1975 acontece a minha primeira experiência com Teatro do
Absurdo, atuo ao lado de Maria Helena Gomes na peça Fando e Lis, de Fernando
Arrabal, montagem dirigida por Orávio de Campos Soares, no SESC Campos. Por
conta da minha interpretação sádico/dramática, de Fando, perdi minha namorada Zulmira, sobrinha
de Josélia Addad, na época gerente do SESC Campos.
Em 1975, sou convidado a compor a Comissão Julgadora do Festival de Poesia Falada, em Santa Maria de Madalena-RJ. Onde conheci Eurídice Hespanhol Macedo, a melhor intérprete do Festival.
Em 1976 arisco o meu primeiro espetáculo de teatro/solo com a montagem de "25 Anos de Sonho & Sangue" no SESC Campos. Inspirado na música Apalo Seco, de Belchior, que ouvia por todos os lugares que estivesse.
"se você vier me perguntar por onde andei no tempo em que você sonhava de olhos aberto lhe direi amigo eu me desesperava". Apalo Seco, passeava por toda a encenação na trilha sonora, impulsionando a minha interpretação. Quase todo texto da montagem estava focado nos poemas do livro Além da Mesa Posta.
Em 1976, volto a Santa Maria Madalena para apresentação do monólogo: "25 Anos De Sonho & Sangue", a convite do grupo de estudantes que movimentavam arte e cultura .a cidade. Eurídes era uma das integrantes desse grupo, e depois da apresentação, como já trocávamos uma intensa correspondência, começar um namoro, foi natural e permanecemos namorando até o final de 1977.
Em 1976 Balada Pros Mortais, música em parceria com Paulo Ciranda, vence o Festival de Música de Itaocara-RJ, e posteriormente o Festival Universitário no Rio de Janeiro, promovido pela Universidade SES-Rio, onde o Ciranda cursava Engenharia.
Em 1977, lanço o livro Além Da Mesa Posta, com textos de apresentação de Celso Cordeiro, um grande jornalista e amigo e de Orávio de Campos Sorares, e profetiza, que o seguimento da minha obra poÉtica iria se debruçar no sócio/político, questões que ele já vislumbrava mesmo que de forma tímida, no Além Da Mesa Posta.
Em 1997 Ave da Paz, uma música em parceria com Paulo Ciranda, foi finalista no Festival de Música de Itaocara-RJ e gravada por Biafra em 1981, no disco Leão Ferido.
Atuo interpretando o Arauto, na montagem do "Auto da Vila de São Salvador" concebida e dirigida por Winston Churchil Rangel, nas escadarias do Ginásio de Esportes da Escola Técnica Federal de Campos. Com esta atuação estava sacramentada a minha condição de ator na cena campista.
Em 1978 com o poema "Canta Cidade Canta" venci o Festival de Poesia Falada, criado pelo jornalista e poeta Amaro Prata Tavares, realizado no Teatro de Bolso pelo Departamento Municipal de Cultura da Secretaria de Educação de Campos dos Goytacazes-RJ.
Em 1978 atuo pela primeira vez como Diagramador no Jornal Folha da Manhã, o primeiro jornal com impressão off-set na Região Norte-Fluminense. Além de atuar na diagramação assinava na Folha 2, um coluna sobre música e cultura aos domingos, e produzi várias entrevistas com os músicos do estrelato nacional que se apresentavam na cidade. Uma das melhores entrevistas que fiz, foi com Milton Nascimento, por ocasião do seu show no Grussaí Paia Clube.
Em 1979, participo da Antologia Ato-5, editada pelo Grupo Uni-Verso, que era composto pelos poetas: Amélia Alves, Joel Mello, Prata Tavares, Eloisa Flac e Luiz Sérgio Azevedo dos Santos.O livro fo composto por mim na linotipo e impresso na tipografa da ETFC, a capa com ilustração de Edinho Estrobel, foi impressa em off-set na gráfica Damadá em Itaperuna-RJ, com poesia dos poetas: Antônio Roberto de Góis Cavalcanti-Kapi, Artur Gomes, João Vicente Alvarenga, Orávio de Campos Soares e Prata Tavares.
Nele a profecia de Orávio de Campos, começava a se cumprir e todos os meus poemas inseridos em Ato-5, são de cunho sócio.político como este:
E com o Poema Para O Povo Em Tempo de Abertura, mais uma vez tiro o 1º lugar no Festival de Poesia Falada do Departamento Municipal de Cultura de Campos dos Goytacazes-RJ
*
Poema Para O Povo
Em Tempo de Abertura
quando você descobvrir
que no meu quarto moram
exilados e subversivos
perceberá o perigo que corre
de dormir comigo
numa cama fria de uma "Frei Caneca"
ou se manda de vez
para a esquerda de Jesus!
quando nas grades,
paredes e muros descobrir amor,
o povo estará liberto
e poderá seguir: Fidel,
Guevara, Pablo, Neruda ou "Luther King".
- sem precisar pedir esmola -
basta lembrar que o aborto
da manhã perdida
é uma menina/nua iconsciente e tesa
E para o que foi deposto:
mais vale o céu, a estrela,
o mar,
que o punhal ou sabre,
ou mesmo a bomba/besta
que de uma vez arrasa
mas não basta por si só
Pois se os sinais dos templos
ainda não ruíram
é porque alguma coisa ainda existe
por detrás das crenças
ou mesmo desse Deus
em Quem acreditamos.
e para o que foi detido:
mais vale a terra,
o trigo,
o grão,
que a navalha ou corda -
que amarra prende e corta;
mas não basta.
não reforça
e nem destrói tudo de uma vez.
- porque renasce e continua...
E para a morte:
não é preciso golpes,
nem estrelas,
nem estradas.
e para o povo:
não é preciso o golpe
nem promessas nem palavras
É preciso pão!
Com esse poema no mesmo ano de 1979 venci mais uma vez o Festival de Poesia Falada de Campos e por sua interpretação na Semana de Cultura Popular no SESC da Tijuca Rio, em 198o foi preso pelo Dops e levado para o Batalhão da PM para averiguação.
Em 1979 ainda, lancei o poema de cordel Jesus Cristo Cortador de Cana. Poema que no final de 1983 ilustra uma matéria de capa, no Suplemento Cultural do DO de São Paulo, sobre a Mostra Visual de Poesia Brasileira, e em 1989 me serve de espinha dorsal para a criação de um espetáculo teatral, sobre o TCC de 9 Estudantes da Escola de Serviço Social da UFF em Campos, sobre pesquisa realizada com mulheres de cortadores de cana, da Usina de Outeiro.
Em 1980 totalmente mergulhado nas questões sócio/políticas que envolviam o Brasil como um todo, com as circunstâncias provocadas pelo Golpe de 1964 e os já 20 anos de Ditadura Militar, escrevi o livro O Boi-Pintadinho, com prefácio de Osório Peixoto, o nosso grande mestre da cultura popular em Campos dos Goytacazes-RJ e responsável por minhas participações na Semana de Cultura Popular, criada pelo professor Ivan Cavalcanti Proença, realizadas no SESC da Tijuca Rio, pelo Colégio Metodista Bennett onde Ivan, era coordenador da matéria Cultura Popular.
levanta meu boi levanta
que é hora de levantar
acorda boi povo todo
povo e boi tem de lutar
Com a repercussão que o livro imediatamente ganhou pelo Brasil, montei com os alunos da Oficina de Teatro da ETFC, o Auto do Boi-Pintadinho, espetáculo de Teatro de Rua com o qual balancei as estruturas pela ruas da cidade de Campos dos Goytacazes até 1987.
Em 1981 Paulo Ciranda, morava em São Pauo, no apartamento do seu irmão, Zilmar Araújo (técnico de gravação da Continental), na Rua Caiubi em Perdizes. Lá ele musicou fragmentos de poemas do livro Boi-Pintadinho. Música que nos deu várias premiações nos Festivais de Música que existiam na época em todo o Estado do Rio de Janeiro. Em 1981 com Boi-Pintadinho vencemos o Festival de Música de Miracema-RJ, fizemos apresentação na TV Educatava no mesmo ano, e em 1982, Ciranda se apresentou no programa Som Brasil, pilotado por Rolando Boldrin, na TV Globo. Durante sua permanência morando em São Paulo atuando no Grupo Terra Sol. Feira de Amostra é uma de nossas parcerias gravada pelo Terra Sol, no projeto O Vírus Que Virou Música.
Feira de Amostra
Artur Gomes/Paulo Ciranda -
https://www.youtube.com/watch?v=XaZzqgyxx2U
Em 1981 ainda no mesmo apartamento, onde da janela do quarto, avistávamos o minhocão, compusemos Fotografia Urbana, que em 1982 foi a vencedora do Festival dos Festivais de Itaocara-RJ.
*
Fotografia Urbana
tem viaduto
na janela do meu quarto
velocidade na avenida São João
me dá um medo dos cabelos
da pequena alvoroçados
na imensa solidão
ai que maldade
ver nos cantos da cidade
é tanta gente dando vida pelo pão
me dê um beijo meu amor
me feche os olhos
pra ver se eu vejo mais bonito esse chão
eu vim pra ver a lua prateada
vim mas não vi
eu vejo é uma lágrima afiada
chorando nossas vida por aqui
tem muita gente pendurada pelas portas
e pelas costas muitas vezes um ladrão
até parece que no meio da verdade
é só mentira enganando a multidão
tem pouca coisa na janela do meu quarto
mas o que tem me atormenta o coração
me dê um beijo meu amor
me dê seus olhos
pra ver se eu vejo mais bonito esse chão
eu vim para ver a lua prateada
vim mas não vi
eu vejo é uma lágrima afiada
chorando nossas vidas por aqui
Em 1981 com o grupo de estudantes da Oficina de Teatro da ETFC, participamos do Festival Estudantil de Teatro em Bom Jesus do Itabapoana-RJ e o poema Boi-Pintadinho foi premiado pelo MEC.
*
Em 15 de julho de 1983, na Santa Casa de Campos dos Goytacazes-RS nasce a minha filha Flora Barbosa Buchaul Gomes, fruto do meu casamento com Rosana Barbosa Buchaul. Antes mesmo do seu nascimento eu tinha escrito este poema, posteriormente musicado por Otávio Cabral.FLORA
reluz em mim amor e Flora
que tal riqueza em luz aflora
clara evidência total menino
com tal beleza voz e destino
e se não fores mansa
é que virás do mar
e virás da mãe Flora lumiar
e virás da tarde e do amanhecer
e será tão linda ainda vai saber :
se andei por folhas
foi pra te germinar
e deixar sementes
pra te alimentar
e se não fores Flora
é o que vou fazer
deste grão de vida
que estás pra nascer
*
Em 1983, mesmo dirigindo Oficina de Teatro na então ETFC, ainda trabalhava como linotipista na Tipografia onde criei o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira, que é responsável pela virada na minha poética e no meu olhar sobre a produção de poesia contemporânea no Brasil e no planeta.
A primeira edição da MVPB foi realizada em setembro de 1983 no Palácio da Cultura m Campos dos Goytacazes. Durante todos os 11 anos da MVPB era editado o Caderno de Poesia com todo material poético que eu recebia via correios. No final de 1983 eu mantinha correspondência com 600 poetas, de todas as linguagens contemporâneas do Brasil e do exterior.
Em dezembro de 1983, o Suplemento Cultural do DO do Estado de São Paulo, publicou na página da capa uma matéria sobre a Mostra Visual de Poesia Brasileira, ilustrada com o poema de cordel, Jesus Cristo Cortador de Cana.
Durante todo ano de 1983, eu vivia entre Campos e o Rio de Janeiro, e isso me permitiu a começar uma relação bem próxima e participativa com os movimentos da poesia carioca, e o primeiro deles, foi o Passa Na Praça Que A Poesia Te Abraça, pilotado por Douglas Carrara, participando de suas ações de rua, na Feira da Cinelândia e nas Estações de Metrô. A partir do momento que conheci pessoalmente também Leila Miccolis e Tanussi Cardo, comecei a participara dos Saraus pelos Bares que eram produzidos pela Leila.
Em, dezembro de 1983, Rosana muda com Flora , com 5 meses de idade, para o Rio, onde já se encontra alojada toda a sua família, em um apartamento no 8º andar do prédio da Rua Gomes Carneiro esquina com Visconde de Pirajá, em Ipanema, o que me faz até 1987 viver no trânsito, toda semana por 4 anos, entre o Rio e Campos, o que me permite mergulhar no panorama cultural da velha aldeia carioca.
Em 24 de agosto de 1984, o no hospital Graffe Guinle, no Rio, nasce meu filho Filipe Barbosa Buchaul Gomes, ( Fil Buc), fruto do meu casamento com Rosana Barbosa Buchaul.
Filipe
filho de poeta
faz da terra
água e pão
dilata músculos
do pai
clareia ventre
da mãe
retesa nervos
das mãos
encharca vasos
do corpo
transborda veias
do chão
*
Em 1984 realizamos a II Mostra Visual de Poesia Brasileira no Palácio da Cultura em Campos. Nesta época eu assinava a coluna Geleia Geral no Suplemento do Jornal O Fluminense em Campos e a MVPB acabou ganhando mais repercussão ainda pelas cidades do país, onde existiam poetas que participavam dela desde a sua criação, alguns vivos, e outros por resultado das minhas pesquisas sobre poesia contemporânea, tais como: Hugo Pontes, Joaquim Branco, Dalila Teles Veras, Paulo Leminski, Torquato Neto, Alice Ruiz, Fernando Aguiar, Katia Bento, Adriano Espínola, Paulo Bruscky, Luiz Avelima, Uilcon Pereira, Avelino Araujo, Almandrade, Glauco Matoso, Chacal, Leonardo Fróes, Alcides Buss, Claudio Feldman, Jurema Barreto de Souza, César Augusto de Carvalho, Leila Miccolis, Tanussi Cardoso, Glória Perez e muitos outros.
Em 1985 durante o verão, realizamos a III Mostra Visual de Poesia Brasileira, no Centro Cultural de Macaé, com suporte do Suplemento do Jornal O Fluminense, dirigido pelo poeta/jornalista/amigo Martinho Santafé. No jornal O Fluminense, em Niterói, a repercussão veio em forma de uma reportagem como o título: Vista-se de Poesia, focada no seguimento de poemas sensuais/eróticos impressos em peça do vestuário feminino.
Em 1985 ainda com parceria de Joaquim Branco, realizamos também a Mostra Visual de Poesia Brasileira no Centro Cultural de UFF em Niterói.
Em 1984 tenho poemas publicados na Antologia Carne Viva, organizada por Olga Savary, é a primeira antologia de poesia erótica publicada no Brasil, com a presença de 77 poetas contemporâneos, entre eles:
Engenho é um dos meus poemas presentes nesta importante antologia.
minha terra
é
de senzalas tantas
enterra em ti
milhões de outras esperanças
soterra em teus grilhões
a voz que tenta – avança
plantada em ti
como canavial
que a foice corta
mas cravado em ti
me ponho à luta
mesmo sabendo – o vão
- estreito em cada porta
No Rio, o lançamento se deu na Galeria do Clube do Livro na Praça General Osório em Ipanema, com a presença do trio Avyadores: Luiz Ribeiro, Armando Ribeiro e Edmar Capetta.
1º de Abril
telefonaram-me
avisando-me que vinhas
na noite
uma estrela
ainda brigava
contra a escuridão
na rua sob patas
tombavam
homens indefesos
esperei-te 20 anos
e até hoje não vieste
à minha porta
carne proibida
o preço atual
proíbes que me coma
mas pra ti estou de graça
pra ti não tenho preço
sou eu quem me ofereço
a ti:
músculo & osso
leva-me à boca
e completa o teu almoço
*
Durante o ano de 1985 realizo a IV e a V Edição da Mostra Visual de Poesia Brasileira, a IV em Miracema-RJ com a parceria do fotógrafo e desenhista José César Castro - e a V em parceria com o Jornalista Wilson de Oliveira, em São João da Barra.
E participo do Encontro de Escritores de Jardinópolis-SP, organizado pelo Gabriel de Lá Puente, onde além, de conhecer pessoalmente, poetas que vinha me correspondendo desde 1983, tais como: Uilcon Pereira, Márcio de Almeida, Luiz Avelima, Roberto Piva, conheço o estudante de jornalismo Ricardo Pereira Lima, que se tornaria um grande parceiro a partir dali, em minha trajetória e travessias por este Brasil afora.
Com o lançamento de Suor & Cio, não acontece apenas a virada na minha poética na dimensão estética e na forma da construção do poema no branco da página. A partir dele, definitivamente, a profecia do Orávio em Além da Mesa Posta, começa a se cumprir, minha poesia se espalha por temáticas sócio/erótico/política
*
MOENDA
usina
mói a cana
o caldo e o bagaço
usina
mói o braço
a carne o osso
usina
mói o sangue
a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
:
o saldo e o lucro
*
A Poesia Liberada de Artur Gomes
Há uma passagem em Auto do Frade, de João Cabral, que me
chamou a atenção:
“-Fazem-no calar porque, certo, sua fala traz grande perigo. –
Dizem que ele é perigoso mesmo falando em frutas passarinhos”.
Vislumbro aí uma espécie de definição do alto poder
transgressor da poesia , do poeta, da arte em geral: deixar fluir uma energia
de protesto e indignação, crítica e iluminação da existência, qualquer que seja
o pretexto ou o ponto de partida.
Por exemplo - : Suor & Cio, novo poemário de Artur Gomes. Na sua primeira parte(Tecidos Sobre a Terra), temos um testemunho direto sobre as misérias e sofrimentos na região de Campos dos Goytacazes, interior fluminense. Não se canta amorosamente, as lavouras de cana de e grandes usinas, os aceiros e céus de anil. Ao contrário.
Ouvimos uma fala que “traz grande
perigo”, efetivamente ao denunciar – com aspereza e às vezes até com certo
rancor – a situação histórico-social, bruta e feroz, selvagem e primitiva, da
exploração do homem no contexto do latifúndio e da monocultura.
“usina
mói a cana
o caldo e o bagaço
usina
mói o braço
a carne o osso
Mas esta poesia dura, cortante e aguda, mantém igualmente a
sua força de transgressão – continua revolucionária e perigosa – mesmo quando
tematiza (principalmente em Tecidos Sobre A Pele, segunda parte do livro), as
frutas, ou prazer sexual, os seios, o carnaval, o mar, e os impulsos eróticos.
Por detrás dos elementos bucólicos e paradisíacos (só nas aparências, bem
entendido), eis que explode o censurado o reprimido, o que não tem vergonha nem
nunca terá:
“arando o vale das coxas
com o caule da minha espada
no pomar das tuas pernas
eu plano a língua molhada”
Por isso, frequentemente os poemas se debruçam sobre o próprio
ofício do poeta, e sobre o próprio sentido do fazer artísticos. Ofício de
artista, experiência de poeta: presença e risco e da violação das normas
injustas: carnavalizando, desbundando a troup-sex, infernizando o céu e
santificando a boca do inferno, denunciando o rufo dos chicotes, opondo-se aos
donos da vida que controlam, o saldo, o lucro e o tesão.
Os versos de Artur Gomes querem ser lidos, declamados,
afixados em cartazes, desenhados em camisas. E vieram para ficar nas memórias
das bibliotecas da nossa gente, apesar do suor e do cio, graças ao suor e ao
cio:
“com um prazer de fera
e um punhal de amante”.
Uilcon Pereira
são paulo, julho, 1985
Em 1986 fui alçado a condição de Assessor do Departamento Municipal de Cultura, e com apoio do jornal Folha da Manhã, e do próprio DMC realizo a VI Mostra Visual de Poesia Brasileira, no Palácio da Cultura, em Campos dos Goytacazes-RJ, numa homenagem a Manuel Bandeira, com a participação do grupo Passa Na Praça Que a Poesia Te Abraça, liderado por Douglas Carrara.
Em 1987 lanço Couro Cru & Carne Viva, com prefácio do xará Arthur Soffiatti, na Arte Nativa, em Campos dos Goytacazes-RJ, espaço dirigido por Antônio Roberto de Góis Cavalcanti- Kapi. Couro Cru & Carne Viva é o meu primeiro livro impresso totalmente em impressão off-set na gráfica Damadá em Itaperuna-RJ. Com o seu lançamento surge uma série de desdobramentos o primeiro a VII Mostra Visual de Poesia Brasileira, realizada em vários espaço da Escola Técnica Federal de Campos, já com a direção do professor Luciano
D´Ângelo Carneiro, que cumprindo sua promessa de campanha. me tira da Tripografia, e cria o espaço físico da Oficina de Teatro, com todo o apoio oficial para a realização do meus projetos culturais na ETFC. E o primeiro deles é a encenação da Ciranda do Boi Cósmico, com os alunos da Oficina de Teatro, no Ginásio de Esportes. Para esta montagem contei com a parceria do professor de Eletro, Marcos Guimaães Maciel, que criou a cabeça do Boi, no laboratório, com engrenagens de relógios, chifres de tubos de PVC e os olhos com lâmpadas de 6 volts, que movidas por uma pequena bateria, acendiam e piscavam durante seus movimentos. Outro parceiro nesta montagem foi o Genilson Soares, que com lâminas de papel Kraft, estendidas do teto ao solo do ginásio de esportes, criou o cenário com imagens sensuais e eróticas, provocadas por pinturas mostrando órgãos internos do corpo humano. Não é preciso dizer, o furor que isso provocou dentro da Escola.
Outra encenação que fiz neste mesmo 1987, com Alunos da Oficina de Teatro, foi o Ensaio 27, inspirado na poesia de Carlos Drummond de Andrade. A performance tece início com a performance de Genilson Soares, pintando um painel na entrada da Biblioteca, enquanto os alunos encenavam no corredor o happening Quanto Vale Um Sonho Na Cantina.? Essa performance fez parte do repertório da Oficina de Teatro da ETFC, até o ano de 1994.
Outro evento importante também que fizemos em1987 com a parceria de Genilson Soares, foi a Exposição Overdose NU Vermelho, realizada no Bar Vermelho, de Carlos Vasquez, o (argentino/espanhol) mais campista que conheço, com poemas do livro Couro Cru & Carne Viva, e performances várias, com pinturas ao vivo, executadas por Genilson Soares e Nilson Siqueira, e intervenções poéticas por mim interpretadas.
Terra de Santa Cruz
Artur Gomes/Reubes Pess
câmera: Federico Baudelaire
FULINAÍMA MultiProjetos
Roteiro & Direção: Artur Gomes
vídeo com poemas doss livros: Suor & Cio e Couro Cru & Carne Viva
https://www.facebook.com/studiofulinaima/videos/1366124026815847/?hc_ref=PAGES_TIMELINE
Terra de Santa Cruz
I
Ao batizarem-te
deram-te o nome
posto que a tua profissão
é abrir-te em camas
dar-te em ferro
ouro prata
rios peixes mata
deixar que os abutres
devorem-te na carne
o derradeiro verme
II
salgado mar de fezes
batendo nas muralhas
do meu sangue confidente
quem botou o branco
na bandeira de Alfenas
só pode ser canalha
na certa se esqueceu
das orações dos penitentes
e da corda que estraçalha
com os culhões de Tiradentes
III
salve lindo pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
tua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de impérios atrás
IV
meu coração é tão hipócrita
que não janta
e mais imbecil
que ainda canta
ou
viram
no ipiranga às margens plácidas
uma bandeira arriada
num país que não levanta
V
o poeta estraçalha a bandeira
raia o sol marginal sexta-feira
na geleia geral brasileira
o céu de abril não é de anil
nem general é my Brazil!
minha verde/amarela esperança
portugal já vendeu para a frança
e o coração latinhom balança
entre o mar de dólar do norte
e o chão dos cruzeiros do sul
VI
o poeta esfrangalha a bandeira
nesta porra estrangeira e azul
que a muito índio dizia:
meu coração marçal tupã
sangra tupy & rock and roll
meu sangue tupiniquim
em corpo tupinambá
samba jongo maculelê
maracatu boi-bumbá
a veia de curumim
é coca cola e guaraná
VII
o sonho rola no parque
o sangue ralo no tanque
na a ver com tipo dark
muito menos com punk
meu vício letal é baiafro
com ódio mortal de yanque
VIII
ó baby a coisa por aqui não mudou nada
embora sejam outras siglas no emblema
espada continua a ser espada
poema continua a ser poema
Overdose NU Vermelho
retesar as cores
e os músculos
com os dedos agarrados no pincel
se faltar carne
pra roçar os óvulos
a gente jorra tinta no papel
cezane não pintava flores
retesava cores
no corpo da mulher amada
com os pincéis
encravados entre as coxas
transformou Hollandas
em quintais de vento
re-inventou o tempo na hora de pintar
*
sua carne/palavra
meus dentes mordem
tua saliva/gengiva
poesia é couro cru
& carne
viva
*
Em 1987 ainda fiz performances e intervenções poéticas no Seminário: Brasil Uma Cultura Em Questão, realizado na cidade de Batatais-SP, com o apoio da FUNARTE, Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, UBE-SP.SagaraNAgens Fulinaímicas não foi escrito por acaso
Em 1987 conheci pessoalmente, em Batatais-SP, a professora de Letras na UNESP de São José do Rio Preto-SP e pesquisadora, Hygia Calmon Ferreira, que me foi apresentada por Uilcon Pereira, através de carta.
A partir de Batatais, nosso diálogo se intensificou, em 1988, a convite dela, fui a UNESP em São José do Rio Preto, falar sobre o teatro de Oswald de Andrade e fazer uma intervenção com os poemas do livro A Cor da Pele, do poeta mineiro Adão Ventura. Nesta ida a São José do Rio Preto, Hygia me leva para conhecer sua casa em Nova Granada-SP, onde guardava tudo que conseguiu em sua pesquisa sobre João Guimarães Rosa.
Havia montado com os alunos da Oficina de Teatro da ETFC, um espetáculo teatral com os poemas deste mesmo livro, uma referência aos 100 Anos da Abolição, que nunca foi concretizada no Brasil.
Hygia, em sua pesquisa sobre a obra de João Guimarães Rosa( mestre guima), para o seu doutorado, descobriu no escritório do escritor Plínio Doyle, no Rio de Janeiro, uma cópia datilografada do livro de poesia Magma, que havia sido premiado pela Academia Brasileira de Letras, e permanecia inédito. Teve então a ideia, de em sua defesa de tese, pedir publicamente a publicação do livro. E numa carta me pede reforço para tal com a criação de um poema.
*
A pedra & a rosa
p/ Hygia Calmon Ferreira
recebo tua carta
sereia do longe 7 beijos de areia
rondam marés criaturas o “magma” deve ser
público
princípio lúdico
poeta não se priva do povo
assim como a gema do novo
a simples clara do ovo
um beijo na escritura
poeta
é país
não é ilha
restrita a qualquer família
não pertence ao pó nem a filha
é
posta em mesa profana
para o banquete das letras
poema – linguagem humana
não se detém nas gavetas
*
Obs. Em 1992 este poema foi lido por Hygia Calmon Ferreira, no momento da sua defesa da tese de Doutorado: As 7 Sereias do Longe, sobre a obra de Guimarães Rosa, propondo a publicação do livro de poemas Magma, que as filhas do autor não permitiam ser editado. Alguns anos depois o Magma com os 94 poemas de Guimarães Rosa foi publicado pela editora Nova Fronteira
*
Alguns anos depois escrevi este poema dedicado a ela
*
As 7 Sereias no Longe
para Hygia Calmon Ferreira
nem veredas nem nonada
tudo DADA tudo ista
o poema nasce em mim
de forma bem imprevista
poema um beijo na boca
os olhos zuis como lua
nós dois amantes da rua
comendo jabuticaba
no presépio Santo Antônio
em uma Nova Granada
nenhuma alma presente
As 7 Sereias no Longe
As 7 musas - mar à vista
na febre do diamante
nas asas do continente
meto meu metal cateto
na
carnal hipotemusa
o poema arranha aranha na blusa
desconcerta a matemática
no roteiro dos 5 sentidos
“As 7 Sereias do Longe”
ainda cantam em meus ouvidos
*
Durante a hospedagem em Batatais, ficamos hospedados em uma casa de campo, emprestada pela sua proprietária para o evento. Nesta casa também se hospedaram: Uilcon Pereira, César Augusto de Carvalho, Hugo Pontes, Jorge Mautner, Nelson Jacobina, Leonardo Fróes, Ricardo Pereira Lima, Paulo Bruscky entre outros.
Foi em Batatais, que conheci também o poeta Ribeirão Pretano, Patt Raider, autor do famoso grafite: "Não Milito Militar Me Limita" que hoje assina Karlos Chapul
*
Neste mesmo ano de 1987, em parceria com Oscar Wagner, Genilson Soares, Nilson Siqueira e Mário Sérgio Cardoso, criamos o
Estúdio 52, que funcionou por um longo tempo nos altos da Adega 52 na Praça São Salvador. Nele além da produção de projetos culturais e peças publicitárias, o espaço se tornou um local de encontro de amigos que militavam com a arte e cultura em Campos dos Goytacazes, para bate papos e comemorações por alguma conquista alcançada.
Criamos com o Estúdio 52 o projeto de Psicanálise Popular : Um Divã Em Cada Esquina, que era realizado um sábado de cada mês. Descíamos pela janela, um sofá que estendíamos na praça e convidávamos as pessoas que passavam para o nosso banque com queijos e vinhos.
Em 1988 criei e executei na ETFC o projeto Brasil : Abolição 100, com mesa de debate com as presenças do advogado Alberto Ferreira Freitas, do poeta, Elle Semog, e da historiadora Lana Lage. Monto e enceno com os alunos da Oficina de Teatro dsa ETFC espetáculo poético teatral. A Cor da Pele, com a poesia do poeta mineiro Adão Ventura.
A convite de Hygia Ferreira, fiz performances na UNESP em São José do Rio, durante a programação da Semana Universitária, e participei de uma roda de conversa falando tecendo comentários sobre os textos: "A Morta" e "O Homem E O Cavalo", de Oswald de Andrade.
A convite de Adão Ventura, fiz performance poética no Teatro Francisco Nunes, em Belo Horizonte, por ocasião da sua posse na presidência do Sindicato de Escritores do Estado de Minas Gerais. Nesta performance, com o Teatro lotado, fui interrompido com gritos de: Protesto! emitidos por uma senhora recatada na plateia, que respondi imediatamente com este poema:
bem no centro do universo
te mando um bejo
ó amada!
enquanto arranco uma espada
do meu peito varonil
espanto todas estrelas dos berços do eternamente
pra que acorde toda esta gente
deste vasto céu de anil
pois enquanto dorme o gigante
explêndido sono profundo
não vê que do outro mundo
robôs te enrabam
ó mãe gentil!
poema do livro Suor & Cio - 1985
Em 1989 passo a atuar na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, em Campos dos Goytacazes-RJ, onde crio o Festival de Música da Primavera, que foi realizado na Arena do Parque Alberto Sampaio até 1992.Coordeno o Encontro Nacional de Poesia Em Voz Alta, realizado no Palácio da Cultura e o Concurso de Contos José Cândido de Carvalho.
Projetos estes que já não existem mais. Fazem parte da cidade do já teve.
Terra em Transe
em 1990 estava eu em Registro em mais uma transa literária que
tinha sido iniciada em Jardinópolis depois de uma passagem por Batatais, onde
Hygia Calmon Ferreira, a musa do poema Sagaranagens Fulinaímicas, me apresentou
algumas estudantes do curso de letras na UNESP, em São José do Rio Preto.
Em Batatais, quando desci do palco do Teatro Municipal, dois
lábios vermelhos carnudos encarnados e dois olhos azuis vidrados vibravam em
minha direção, era Cláudia, que ganhou beijo na boca e alguns anos depois
Copacabana consumou nossos desejos.
Em Registro era uma noite de Sarau no restaurante onde
jantávamos e eu ali absurdado com os poetas soprando palavras ao vento, foi
quando Mariana de Piracicaba, vindo a mim feito ondas, me ofereceu saliva
ardente numa pétala de rosa branca e espuma vermelha de batom - delírios em sua
língua de Vênus.
Desde então queimando em mar de fogo me Registro
*
Congresso Brasileiro de Poesia
Em setembro de 1990 ainda na cidade Paulista de Registro, participando do Encontro: Brasil Cultura & Resistência, evento organizado pela UBE-SP. Depois dos afazeres dia, me recolhi ao quarto do Hotel e enquanto escrevia o poema EntreDentes, inspirado em uma piracicabana que havia conhecido durante o dia, ouço batidas na porta. Não era a Polícia Federal.
Era Ademir Antônio Bacca, que me
presenteava com alguns exemplares da Coletânea Poesia do Brasil, e me convidava
para a primeira edição do Congresso Brasileiro de Poesia que iria ser realizado
em Nova Prata-RS.
Minha agenda de trabalho não me permitiu ir as duas primeiras
edições do evento em Nova Prata. Em 1996 o Congresso Brasileiro de Poesia passa
a ser realizado em Bento Gonçalves-RS, e lá estava eu pela primeira vez, e nem
poderia imaginar que dali cresceria uma amizade que me permitiu
durante os 20 anos de evento realizado em Bento até 2016, a propor e criar
ações com poesia multilinguagens que me abriria percepções que mantenho na
minha escrita até os dias atuais.
O Congresso Brasileiro de Poesia em Bento Gonçalves, foi aos
poucos se transformando na maior festa da poesia brasileira contemporânea e
latino americana. Um encontro de poetas de múltiplas línguas e linguagens, que
se revezavam, em performances, nas Escolas, nas praças, no saguão da
prefeitura, no próprio hotel onde ficávamos hospedados, nos hospitais e
no hospício.
Sem dúvida, Ademir Antônio Bacca, é um dos maiores promotores
da poesia no Brasil e o Congresso Brasileiro de Poesia, foi em sua trajetória
aos poucos se tornando a grande Balbúrdia PoÉtica. E essa maravilhosa ideia do
Jiddu Saldanha em homenageá-lo em e-book tem todo o meu apoio e
aplauso.
A Mocidade Independente de Padre Olivácio – A Escola de Samba
Oculta No Inconsciente Coletivo, nasceu em dezemvro de 1990, durante uma viagem
em que cia de Guiomar Valdez, levamos uma turma de estudantes da então
ETFC(IFF), a Ouro Preto-MG, como premiação por terem vencidos a Gincana
Cultural desenvolvida durante o ano, pelo Grêmio Estudantil Nilo Peçanha. Lá
conheci Gigi Mocidade – A Rainha da Bateria, com quem vivi até 1996.
Neste mesmo ano de 1992, volto a UNESP de São José do Rio Preto, para difigir uma Oficina de Criação Poética, a convite da turma de estudantes de Letras, que havia conhecido em Batatais-SP em 1987, que me foram apresentados pela professora Hygia Calmon Ferreira, entre elas Mariana de Piracicaba, para quem em 1990 escrevi o poema: ENTRE/Dentes
EntriDentes
queimando em mar de fogo me registro
bem no centro do teu íntimo
lá no branco do meu nervo brota
uma onde que é de sal e líquido
procurando a porta do teu cais
teu nome já estava cravado
nos meus dentes
desde quando Sísifo
olhava no espelho
primeiro como mar de fogo
registro vivo das primeiras eras
segundo como Flor de Lótus
cravado na pele da flor primavera
logo depois gravidez e parto
permitindo o Lógus quando o amor quisera
Marca Registrada
primeira parceria com Luiz Ribeiro gravada
não tem problemas
te encontrar na cama
com teu governante
eu sempre soube
tua fome era de prazer
e esse teu amante
esse teu amante baby
sempre foi um grande ditador
não entro nessa de pensar que a vida
é marca registrada
numa dissonante do meu rock and roll
pode ser que eu ganhe
um chifre em minha cara
mas o prazer que que eu tenho
é estar de baixo do teu cobertor
Artur Gomes/Luizz Ribeiro
Qualquer Prazer – disco vinil
lançado em 1992
Em 1993 – criei o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira –
Mário de Andrade – 100 Anos – realizado pelo SESC-SP
Em 1995 – Criei o projeto Retalhos Imortais do SerAfim – Oswald de Andrade Nada Sabia de Mim – realizado pelo SESC-SP
De 1996 a 2016 – Coordenei o Departamento de Audiovisual do Proyecto Sur Brasil – Bento Gonçalves-RS – realizando Mostras Cine.Vídeo na programação do Congresso Brasileiro de Poesia.
Em 1996 encenei com a bailarina Nirvana Marinho, em Campinas-SP, a performance poética.teatral: Magma: O Planeta Onde O Poema Dança. Tinha perdido o contado com a Hygia depois que a partir de 1993, passei a usar correio eletrônico.
Mas através do seu (irmão), professor Wagner Calmon Ferreira, soube que ela continuava suas pesquisas em São José do Rio Preto.
E Nirvana Marinho seguiu para Lion, onde foi concluir seus estudos em dança contemporânea, focados na obra da grande mestra Pina Bausch.
Em 1996 também fui premiado em Piracicaba-SP com o prêmio Escriba de Poesia e selecionado para o Projeto Poesia 96 executado pelo Departamento de Literatura da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
No prêmio Escriba de Poesia, fiz performance ao lado da bailarina
No Poesia 96, fiz performance na Casa de Cultura de Santo Amaro-SP, com texto de apresentação assinado pelo meu crítico Uilcon Pereira.
meus 7 sentidos
1996 - criei a palavra FULINAÍMA - fulinaíma me veio no vento um instrumento invento para acrescentar a minha escrita para escancarar a minha fala - percorria a bandeirantes quando me dirigia para Campinas onde dirigi a Oficina de Criação de Artifícios no SESC - e não sei em que ofício a pedra do rock rola a pedra do vento voa depois de um instante qualquer que seja o estalo nos meus 7 sentidos - já perdi a conta do tanto faz então pra mim tanto fez o faz de contas que me quiseram impor sem ao menos saber se quero - o tempo ajusta as pedras que rolam meu calcanhar é testemunha em toda veracidade verdade deve ser dita em qualquer tralha da cidade porque bem sei por quantas trilhas já trilhei para chegar até aqui
Em 1999 Criei o FestCampos de Poesia Falada, projeto é realizado até hoje pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima e coordenei até 1994. Outro projeto que deixou de existir a partir de 2020.
Delírio Verbal e Preito
em BraziLírica Pereira
O livro, altar em que se celebra poetas do conturbado século
XX, traz a poesia do poeta fluminense Artur Gomes, situada na interface
da praxis artística e da experiência existencial, advinda do campo das
escaramuças lexicais e da experimentação alegórica.
Erorci Santana*
BraziLírica Pereira: A Traição das Metáforas
(Alpharrabio Edições, Santo André/SP, 2000), obra poética de Artur Gomes,
toda grafada em minúsculas, principia com dois textos ou, melhor, intertextos
com lastro na obra do escritor Uilcon Pereira, espécie de homenagem a
desvairada letra uilconiana e à figura daquele escritor. Tanto que, no
sintético poema que arremata esse preito literário, Artur o invoca
através de uma circunstância biográfica datada:
“quem es tú uilcon pereira?/que foste fazer na
sorbonne?/ter aulas com sartre/ou cantar a simone?”.
Contudo, e apesar da primazia de Uilcon Pereira nesta
festa verbal, é vasto o coração dessa usina lírica, BraZilírica Pereira
trafega em que, antes de traição, há a afirmação do caráter multifacetário e
engendrador das metáforas, personificadas e levadas ao extremo onde êxtase e
humor se entrelaçam.
Todo um renque de escritores de ponta é glosado, parodiado e
parafraseado: Mallarmé(e seu lance de dados), Oswald de Andrade (e seus
biscoitos finos, prometido ao palato das massas), Leminski (e sua Alice),
Drummond (e seu anjo torto), além de Torquato Neto, Mário Faustino,
Sousândrade, Ezra Pound, Dalí, Ana Cristina César, autores referenciais a
constituir um panteão geracional. São ícones alinhados no altar da celebração
literária, sim, mas também serventia doméstica, dos quais o autor se utiliza,
por estético capricho, com derrisão e iconoclastia:
“torquato era um poeta/que amou a ana/leminski
profeta/que amou a lice/um dia/pós/veio uilcon torto/e pegou a joia
diana/juntou na pereiralice/com o corpo & alma das duas/foi Beauvoir
assombradado/roendo o osso do mito/pra lá de frança ou bahia/pois tudo que o
anjo via/Sartre jurou já Ter dito/Nonada/biúte:ria”.
Aqui não se vislumbra paradoxo, pois a modernidade, tendo
peneirado as cinzas da dor humana no século XX, revelou a fênix de face tanto
ebúrnea quanto álacre; a arte passou a privilegiar o profano e o lúdico em
detrimento das inclinações sacramentais e sombrias.
E essa BraziLírica Pereira antropofágica e transluzente
é a maneira do poeta entretecer a urdidura dos afetos, reinventar a cultura e
os agentes culturais de sua predileção, com instrumentos lúdicos e sarcásticos,
considerados a ponte para a grande arte.
Outro aspecto a ser considerado é que o autor, egresso do
movimento da poesia marginal dos anos 70,
“essa poesia de efeito
extraordinariamente comunicativo, que procura e tira vantagem de uma dicção
bem-humorada, ardilosa, alegre e instantânea”, na radiografia de Heloísa
Buarque de Hollanda, incorporou e aprimorou suas principais conquistas
estéticas, notadamente elementos da oralidade acoplados à exploração acentuada
da sonoridade vocabular, recurso que leva a poesia ao liminar do domínio
musical.
Quase não é mais poesia para ler e sim para dizer em alta voz,
ou cantar., circunstância em que o poeta moderno recupera o status de jogral.
Nessa aventura literária, às vezes o autor se transubstancia no texto,
traveste-se através das personas Lady Gumes, Macabea, Federika Bezerra, Fedra
Margarida, projeções de seu alter-ego que pretendem cravar o corpo na palavra,
com sinuosidades, coalescências e dissimulações, atributos só encontráveis no
espírito feminino.
Situada na interface da praxis artística e experiência
existencial, o poeta-prazer, com estado de êxtase permanente desde Couro Cru
& Carne Viva, perpetua sua poesia guerrilheira no campo das escaramuças
lexicais e da experimentação alegórica, dotada até de um certo autoflagelamento
exibicionista, em que louca e alucinada se lacera e despe-se da veste hierática
revelando sua outra face insuspeita, sua outra indumentária profusa e
multicolor. Em outras palavras, seu traje de ironia e de humor.
Erorci Santana é poeta, autor de
Estatura Leviana, Conceitos para Rancor e Maravilta.
No vinil Qualquer Prazer, lançado pela banda Avyadores do
Brazyl, em 1992, a faixa Marca
Registrada foi gravada numa versão rock
and roll, no CD Fulinaíma Sax Blues Poesia, foi gravada numa versão
blues: Luiz Ribeiro (voz e violão) e Ângelo Nani (gaita).
A Geografia Poética de Artur Gomes, em Música, Prosa e Verso
ou
A Arte da Palavra em Movimento
Por Cristiane Grando*
“todo poema tem dois gomes
toda faca tem dois gumes"
Artur Gomes
“A poesia é palavra que não fere o silêncio.”
Jorge Berchet
É possível encontrar, na poesia de Artur Gomes (Cacomanga-RJ, 1948), uma série de referências culturais, uma espécie de mapa, uma geografia poética. Seus versos são visitados por diversos artistas e intelectuais, vivos e eternos, da arte brasileira e universal, como os músicos Caetano Veloso, Miles Davis, Janis Joplin, e John Lennon, os cineastas Godard,Truffaut, Fellini e
Glauber Rocha, filósofos, dramaturgos, artistas plásticos, os poetas-amigos Dalila Teles Veras, Luíza Buarque e Zhô Bertholini, além de uma infinidade de escritores e poetas: Hilda Hilst, Paulo Leminski, Ferreira Gullar, Fernando Pessoa, Drummond, Lorca, entre outros, e especialmente seus mestres – os Andrades, Mário e Oswald e Guimarães Rosa... Macunaíma, Serafim Ponte Grande e Sagarana, são referências constantes na obra de Artur Gomes.
Num diálogo intenso com a tradição literária, Macunaíma transforma-se em Fulinaíma, e, acrescida da obra do mestre Guima, metamorfosea-se em SagaraNAgens Fulinaímicas, (livro e CD ) poesia-música... e teatro, para os que têm o privilégio de assistir aos shows de Artur Gomes, declamando pelas ruas, bares, palcos... pela vida. Em sua inquietude, Gomes, impregna o mundo com o som de poemas no cotidiano, quando os torna existência em sua voz.
O valor deste trabalho poético e musical ganha maior intensidade quando inserido no contexto da sociedade contemporânea, no qual a poesia quase não tem espaço nem estudo.
A poesia de Artur Gomes fere sem ferir. Num universo de navalhas, sexo, cio, náuseas, estrumes, sua poesia tem dois gumes: um, marcado pela tradição dos poetas malditos, retomando Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé em inúmeros poemas; outro pela musicalidade, arma com a qual assalta/assusta o leitor desprevenido. Em lances de versos metalingüísticas, o próprio poeta define o fazer poético: “pense sinfonia em rimas raras”.
Para ler Artur Gomes, devemos sempre estar atentos aos jogos de palavras, à riqueza do trabalho sonoro e rítmico, à musicalidade, à inquietude de seus conceitos, à plurissignificação, à multiplicidade das formas que as palavras assumem no espaço da folha em branco, às maiúsculas e minúsculas usadas de forma nada convencional, à criação de neologismos e novas expressões, como drummundo, sabe/sabre, fogo de palha/fogo & palha, bola de gude/gosma de grude, boca do estômago/bala no estômago.
Um exemplo de trabalho formal e inovador e representado no poema “ Dia D”, cujas estrofes iniciam-se por uma vírgula.
A cultura brasileira ganha valor e significado quando é convocada à sua festa criativa uma grande quantidade de elementos indígenas e africanos, relegados muitas vezes pela sociedade brasileira. Da mesma forma, estilos musicais variados, associados à vanguarda da música contemporânea, também são convocados a esta festa de livros e CDs de Artur Gomes que pode ser conferida ouvindo o CD Fulinaíma Sax Blues Poesia, onde desfia com os seus parceiros Luiz Ribeiro, Naiman, Dalton Freire e Reubes Pess a sua “Marca Registrada.
A palavra poética é uma ponte, uma celebração da liberdade pela qual as pessoas podem ou devem ao menos tentar cruzar, para se salvarem ou para gritarem contra as injustiças sociais e abusos que o império comete em seus extra-muros.
A arte que assume Artur Gomes em seus versos e em sua vida é a arte da palavra em movimento. Sendo ator, gestor e produtor cultural, Artur caminha por diversas vertentes artísticas. Assim como o mímico Jiddu Saldanha, Artur Gomes sabe
“arrancar do gesto/ a palavra chave/ da palavra a imagem xis/ tudo por um risco/ tudo por um triz”.
Agradecimentos ao poeta Leo Lobos, pela leitura da obra de Artur Gomes e pelo diálogo, sugestões e comentários tecidos durante a elaboração do texto.
Cristiane Grando
Escritora, fotógrafa e professora
Doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada – Universidade de São Paulo (USP). Laureada UNESCO-ASCHBERG de Literatura 2002-2003
Convite para apresentação na II Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes-RJ - 2002
Dos anos 80 trago a amizade com dois grandes irmãos de Arte, Genilson Soares e Oscar Wagner. Genilson um design gráfico da mais alta sagaranagem, Oscar o meu fotógrafo carnavalhado. Esta arte/cartaz só existe por eles existirem em minha vida. Não foram poucos os acontecimentos que aprontamos em Campos dos Goytacazes. Quem ainda se lembra do Estúdio 52?
*
A Igreja Universal do Reino de Zeus, criei em 2002 durante a
1ª Bienal do Livro de Campos dos Goytacazes-RJ, que foi realizada nas
dependências do Ginásio de Esportes do então CEFET-Campos, onde na ocasião
lancei o livro BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas.
O grande objetivo da IURZ é homenagear deuses deusas da África
e Grécia para de alguma forma descobrir de onde vem as nossas ancestralidades.
De alguma forma e em alguns momentos mitologia grega e africana se misturam e
viajando metaforicamente nessas realidades reinventadas vim desaguar no Vampiro
Goytacá canibal Tupiniquim.
*
Texto imperdível do saudoso Sérgio Provisano
Caro Fernando Leite, Artur Gomes Gumes, o famigerado Lady Gumes, cuja língua é uma faca de mil gumes, cuja Poesia corta a carne da gente como um canto torto, vem com essa conversa (a)fiada, tentando nos convencer que pintar o nu não era canibalizar o modelo, quando sabemos dos seus verdadeiros instintos canibais, que extrapolam as fronteiras do antropofagismo decantado na Semana de Arte Moderna, lá pelos idos de 1922, quando nem nascidos éramos e da qual ele se considera o único e verdadeiro herdeiro, mas vamos aos fatos, a real intenção à época era canibalizar o modelo e, dizem as más línguas (e aí, nem que me torturem eu direi que a minha fonte é Genilson Soares), tal canibalização ocorreu, no sentido bíblico, o que teria quase causado uma tentativa de homicídio com fundo lavar a honra, mas são fofocas, agora extemporâneas, que não cabem mais serem levantadas, afinal, tais fatos aconteceram em 1989 e, foram questionados até num artigo escrito na época, pelo atual ex-Secretário de Cultura Orávio De Campos Soares, enfim, eu me calo para não ser chamado de fofoqueiro, pelos fofoqueiros de plantão, dentre os quais, eu me incluo, é claro.
com os dentes cravados na memória
Em 1984 quando eu e César Castro colocamos fogo no Palácio da Cultura, nada mais queríamos naquele momento do que mudanças nos destinos da cidade. Passaram-se 4 anos e em 1998 o então prefeito Zezé Barbosa não conseguiu eleger o seu sucessor Jorge Renato Pereira Pinto. Elegeu-se então pela primeira vez o candidato do movimento Muda Campos, que todos sabem quem é, mas infelizmente mudou-se para pior. Se hoje colocarmos novamente fogo no Palácio, pode levar novamente 4 anos para mudar, mas que muda muda. O Patrono Oswaldo Lima, de passagem pelo terreirão da Mocidade, disse que só fogo não adianta, ali só uma bomba mesmo.
Foi uma travessia por 13 cidades, do Estado do Rio, Espírito Santo e Minas Gerais, onde passamos pela cidade de Itaguara-MG. Lá além de Oficina de Poesia, fiz algumas intervenções poéticas em espaço culturais da cidade, bem como em todas as outras cidades que passamos. Como em Pedra Dourada, também em Minas que me deixou saudades.
Em Itaguarera, João Guimarães Rosa, viveu por 2 anos, depois que concluiu curso de medicina em Belo Horizonte-MG e antes de escrever Grande Sertão Veredas. Itaguara mantém vivo, e muito bem cuidado um pequeno museu em homenagem a sua memória e a sua passagem por lá.
Em 2015, lanço em edição artesanal, (50 exemplares), produzido por um dos meus primeiros diretores de Teatro, Winston Churchil Rangel o livro SagaNAgens Fulinaímicas, com prefácio de Tanussi Cardoso. Os lançamentos acontecem no FDP em Campos dos Goytazes e em Bento Gonçalves-RS, na livraria do Maneco, durante a programação do Congresso Brasileiro de Poesia, com intervenções poéticas minhas e da minha querida mus/atriz May Pasquetti.
*
SagaraNAGens Fulinaímicas
guima meu mestre guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste
da hygia ferreira bem casta
aqui nas bandas do leste
a fome de carne é madrasta
ave palavra profana
cabala que vos fazia
veredas em mais sagaranas
a morte em vidas severinas
tal qual antropofagia
teu grande serTão vou cumer
nem joão cabral severino
nem virgulino de matraca
nem meu padrinho de pia
me ensinou usar faca
ou da palavra o fazer
a ferramenta que afino
roubei do mestre drummundo
que o diabo giramundo
é o narciso do meu Ser
*
DA CARNE DA PALAVRA
Tanussi Cardoso, poeta
Ator, produtor, videomaker e agitador cultural, o poeta Artur
Gomes tem assinatura própria. SagaraNAgensFulinaímicas, seu mais novo livro,
repleto de citações a partir do título, é a prova generosa do que afirmo: um
inventário da pulsação de sua escritura, uma das mais iluminadas, entre os
remanescentes da geração que se inicia nos anos 60-70.
Mesmo mirando certa desconstrução narrativa, o autor semeia as
raízes culturais, germinadas naquelas décadas, que desabrocharam como furacão
em nossa arte, principalmente vindas da canção popular, com sua palavra
cantada, da poesia marginal, da Tropicália, do Concretismo, do poema-postal, da
poesia visual, do cinema e, mesmo, dos quadrinhos.
Todo esse caldeirão cultural, todas essas referências e
linguagens eram (são) muito próximas: Caetano, Gil, Torquato, Glauber,
Leminski, Waly, Gullar, Hilda Hilst... E é desse quadro geracional (e bem lá
atrás, Drummond, Murilo Mendes, Bandeira, Cabral, Quintana, Mário, Oswald e
Guimarães Rosa - e principalmente -, a trilogia dos malditos: Rimbaud,
Baudelaire e Mallarmé, além dos ecos do mestre beat, Allen Ginsberg), é desse
manancial criativo que o poeta consegue desarmar o que nele se encontra
envolto, de forma atávica, e reafirmar seus próprios tempo e potência, com o
refinamento de sua fala.
Ao unir todo artefato onde exista possibilidade de poesia,
Artur Gomes habita o lugar entre a palavra e a imagem, ao experimentar os
sentidos que lhe chegam, sugando os afluentes existentes nas estruturas
tradicionais de nossas artes, e reescrevendo-os a seu bel-prazer, num mix de
nostalgia e futuro.
“visto uma vaca triste como a tua cara:
estrela cão gatilho morro
a poesia é o salto de uma vara”
De forma particular, o autor parece nos indicar algo que se
confunde com transgressão, mas, ao mesmo tempo, mantém a linha tênue da poesia
clássica, ao flertar com um romantismo de tintas fortes, e tocando, igualmente,
o surrealismo, com uma violência verbal, que cheira à flor e à brutalidade.
Cada poema possui sua própria respiração, pausa e pontuação
emocionais. Quem não gostar de sangrar e ir fundo no mais recôndito dos
prazeres é melhor não prosseguir na leitura, mas quem tiver coragem de encarar
a vida de frente e se deliciar com versos saborosos e extremamente imagéticos,
entre no mundo do poeta, de imediato, e sentirá a alegria de descobrir uma
poesia a que não se pode ficar indiferente.
“a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica”
Ainda que não pretenda novas experiências formais, o autor consegue alcançar perspectivas ousadas e radicais, em vários enquadramentos linguísticos, sempre disponíveis para o espanto, já que quando falamos de poesia, tocamos em lados inexatos, onde qualquer inversão de objetividade, e da própria realidade, é sempre bem-vinda.
Sua poesia tem muito da desordem, da
inobservância de regras, do não sentido, e apresenta um discurso contrário a
certo pensamento lógico, fazendo surgir nas páginas do livro, algumas impurezas
saudáveis.
“te procurei na Ipiranga
não te encontrei na Tiradentes
nas tuas tralhas tuas trilhas
nos trilhos tortos do Brás
fotografei os destroços
na íris do satanás”
SagaraNAgensFulinaímicas nos apresenta uma peça de tom quase
operístico e, paradoxalmente, para um só personagem: o Amor. E o desenho
poético dessa montagem pressupõe uma grande carga lírica, alegórica e, tantas
vezes, dramática, ao retratar o som universal da Paixão, perseguindo a imagem
ideal dos limites do desejo. Seus versos são movidos por esse sentimento
dionisíaco, e por tudo que é excesso, por tudo que é muito, como na música de
Caetano.
“te amo
e amor não tem nome
pele ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos”
E indaga e responde:
“até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria”
Em seu texto, há uma espécie de dança frenética, onde
interagem os quatro elementos do Universo – Terra, Água, Fogo e Ar – numa
feitiçaria cósmica em contínuo transe mediúnico. Poesia que é seta certeira no
coração dos caretas e dos conformados, ao apontar para as possíveis descobertas
inesperadas da linguagem, inebriada pela vida, pelo cantar
amoroso, pelo encontro dos corpos.
“e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa”
Dono de uma sonoridade vocabular repleta de aliterações e
assonâncias, que remetem à intensa oralidade e à pulsão musical, refletindo no
leitor o desejo de ler os poemas em voz alta, o poeta brinca com as palavras,
cria neologismos, utiliza-se de colagens originais, e soma ao seu vasto arsenal
de recursos, o uso das antíteses, dos paradoxos, das metonímias, das metáforas,
dos pleonasmos e, principalmente, das hipérboles, através de poemas de
impactante beleza. Esse jogo vocabular, que a tudo harmoniza, transforma a
dinâmica do verso, dá agilidade, tensão e ritmo envolventes a uma poesia
elétrica e eletrizante. Um bloco de tesão carnavalizante e tropical - atrás de
Artur Gomes só não vai quem não o leu.
“quero dizer que ainda é cedo
ainda tenho um samba/enredo
tudo em nós é carnaval”
De forma lúdica e irônica, reconstrói, ou reverte, as
intenções de Guimarães Rosa, quando Sagarana se mistura à ideia de paisagens e
ao sentido de sacanagens; e às de Mario de Andrade - onde Macunaíma reparte seu
teor catártico em poéticas folias, ou em fulias de imagens, ou seja, em
fulinaímicas poesias, banhadas de caos e humor.
“é língua suja e grossa
visceral ilesa
pra lamber tudo que possa
vomitar na mesa
e me livrar da míngua
desta língua portuguesa”
Ao seguir de perto o conceito metafórico do processo crítico e
cultural da Antropofagia, o artista ratifica seus valores, com sua língua
literária, e reafirma o ato de não se deixar curvar diante de certa poesia
catequisada pela mesmice e pelo lugar comum, distanciando-se da homogeneidade
de certo academicismo impotente e de certos parâmetros poéticos com que já nos
acostumamos. De acordo com o próprio autor, revelado em uma entrevista,
SagaraNAgensFulinaímicas é um pedido de bênção a seus Mestres, imbuído do teor
catártico que sua poesia contém, como o fragmento do poema que abre o livro:
“guima meu mestre guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste”
E afirma:
“só curto a palavra viva
odeio essa língua morta
poema que presta é linguagem
pratico a SagaraNAgem
no centro da rua torta”
No livro, os poemas se interpenetram, linguisticamente,
libidinosos, doces e cruéis, vampiros de imagens ferrenhas, num aparente jogo
de representação, onde o rosto do poeta se mostra e se esconde, de acordo com a
mutação e o reflexo de seus espelhos interiores. Seus textos ora afirmam, ora
desmentem o já dito, a nos lembrar um de seus ídolos, Raul Seixas, e a sua
metamorfose ambulante.
Sentimentos contraditórios, como se o autor quisesse,
propositalmente, escorregar segredos pelos nossos olhos, ambiguamente, rindo de
nós, a nos instigar: “Desnudem a minha esfinge!”
“eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta”
Na verdade, sua poesia apresenta vários (re) cortes, várias
direções, vários abismos e formas de olhar a vida e o mundo. Como se o
verdadeiro Artur se dissolvesse em outros, a cada poema, e essa dissipação o
transformasse em alguém improvável, impalpável. Errante. Artur Gomes, ele
mesmo, são muitos. E todos nós. Afinal, “o poeta é um fingidor”, ou não?
“a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta
juro que não sou poeta”
Tantas vezes escatológico e sensual, numa performance textual
que parece uma metralhadora giratória, o seu imaginário poético explode em
tatuagens, navalhas, sangue, cicatrizes, punhais, facas, cuspe, pus, línguas,
dedos, dentes, unhas, seios, paus, porra, carne, flores e lençóis, como um
paraíso construído num inferno, e toca o nosso céu interior, nas ondas de um
mar verde escondido em nosso peito. Na nossa melhor alma.
Sem falsos pudores, o autor procura, em seu liquidificador de
palavras, misturar o erótico, o profano e o sagrado, com cortes de cinismo e
grande dose de humana solidariedade. Equilibrista na corda-bamba, sem rede de
proteção, entre razão e delírio, instiga dualidades com seus versos de alta
voltagem poética. Com linguagem rebuscada, seu trabalho ultrapassa os limites
das páginas do livro, e reverbera como tambor, mesmo após o término de sua
leitura.
“a carne da palavra
: POESIA
l a v r a q u e s o l e t r o
todo Dia”
A poesia de cunho social é, igualmente, referência obrigatória
em seu trabalho, desde o início de sua carreira literária, marcadamente, em
Jesus Cristo Cortador de Cana, de 1979, mas, principalmente, no memorável e
premiado O Boi Pintadinho, de 1980.
Esses poemas político-sociais, junto ao tema amoroso, também
encontramos em outras obras importantes do poeta, como Suor & Cio, de 1985,
Couro Cru & Carne Viva, de 1987 e 20 Poemas com Gosto de JardiNÓpolis&
Uma Canção com Sabor de Campos, de 1990, e se inserem em todos os seus livros
posteriores, que culminam agora em SagaraNAgensFulinaímicas.
Em suas viagens imemoriais, o poeta mistura São Paulo,
Copacabana, Búzios, calçadas, origem, chão, mares, cactos, sertão, onde tudo
sangra de maneira violentamente bela e sem volta. Só a língua a ser
reconstruída em poesia.
“ando por são Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara”
Artur Gomes sabe que ao escritor cabe proporcionar beleza e
prazer. Entende que a poesia existe para expressar a condição humana, tocar o
coração e a emoção do outro, e dar oportunidade para que seu interlocutor tenha
chances de conhecer-se mais e melhor. E que só há um meio de o poeta conseguir
seu intento: cuidar e aperfeiçoar a linguagem.
Sempre coerente, Artur Gomes sublinha o essencial de seu
pensamento, ratificando em seu trabalho que as duas maiores palavras da nossa
língua são amor e liberdade.
“a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala”
SagaraNAgensFulinaímicas veio confirmar o que os leitores do
poeta já sabiam: Artur Gomes é um artista instigante, um cantador que desafia
rótulos. No seu fazer poético, há um desfocar proposital da realidade, onírico
e cinematográfico, que mergulha em constantes vulcões, em permanente ebulição –
um texto em contínuo movimento.
Sua poesia metalinguística, plástica, furiosa, delicada, passional, corporal, sexual, desbocada, invasiva, libertária, corrosiva, visceral, abusada, dissonante, épica é, antes de tudo, a poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras.
Juras Secretas
feitiçarias de Artur Gomes - por Michèle Sato
Difícil iniciar um prefácio para abordar feitiçarias de um
grande mestre. A mágica aparição do texto transborda sentidos cósmicos, como se
um feixe de luz penetrasse em um túnel escuro dando-lhe o sorver da vida.
Diariamente, recebo um deserto imenso de poemas e a leitura se esvai com
“batatinha quando nasce põe a mão no coração”. Um ou outro me chama a atenção,
desde que sou do chamado “mundo das ciências” e leio poemas com coração, mas
inevitavelmente aguçado pelo olhar crítico vindo do cérebro.
A academia pode ser engessada, mas é, sobremaneira, exigente.
Aplaude o inédito, reconhecendo que o poema é um caos antes de ser
exteriorizado, mas harmônico, quando enfeitiçado. A leitura requer algo como
canto do vento, que não seja fugaz, mas que acaricie no assopro da Terra. Por
isso, é com satisfação que inicio este pequeno texto, sem nenhuma pretensão de
esgotar o talento do grande mestre, mas responder aos poemas de Artur que
brilham, soltam faíscas, incendeiam-se em erotismo e garras enigmáticas. Ele
transcende regras, inventa palavras, enlouquece verbos. E as relações
estabelecidas revelam a desordem dos sonhos na concretude harmônica de suas
palavras.
A aventura erótica não se despede de seu olhar político. Situado fenomenologicamente no mundo, e transverso nele, Artur profana o sagrado com suas invenções transgressoras. Reinventa a magia e decreta uma nova vida para que o mundo não seja habitado somente pelos imbecis. Dança no universo, com a palavra fluída, imprevistos pitorescos, mordidas e grunhidos. Reaparece no meio de um cacto espinhoso, mas é absurdamente capaz de ofertar a beleza da flor.
Contemporâneo e primitivo se aliam, vencem os abismos como se
ao comerem as palavras monótonas, pudessem renascer por meio da antropofagia
infinita de barulhos e silêncios. O sangue coagulado jorra, as cavernas se
dissolvem e é provável que poucos compreendam a beleza que daí se origina.
Nos labirintos de suas palavras, resplandece o guerreiro
devorador, embriagado, quase descendo ao seu próprio inferno. Emana seu fogo,
na ardência de sexo e simultaneamente na carícia do amor. Pedras frias se
aquecem, coram com o tom devasso que colore a mais bela das pornofonias.
Marquês de Sade sente inveja por não ser o único déspota das palavras sensuais.
E os poemas de Artur reflorescem, exalam odor como desejos secretos e risos que
ecoam no infinito.
não fosse essa alga queimando em tua coxa ou se fosse e já
soubesse mar o nome do teu macho o amor em ti consumiria (jura secreta 5)
De repente um cavalo selvagem cavalga na relva úmida, como se
o orvalho da manhã pudesse revelar o fogo roubado das pinturas rupestres. Ao
som de tambores, suas palavras se tornam arte em si, como se fossem desenhos
projetados em um fantástico mundo vertiginoso. Seres encantados surgem das
águas originários de sentimento, abraçadas nas pedras lisas, rugosas,
esverdeadas da terra. O fogo dança em vulcões e a metamorfose é percebida em
seus ares. Os elementos se definem como bestas, humanos, ou segmentos da natureza
como uma orquestra sinfônica que vai além da sonoridade. Adentram sentidos
polissêmicos e, neste momento, até o André Breton percebe o significado das
palavras de Artur, pois a beleza é convulsiva e crava no peito feito cicatriz.
e o que não soubesse do que foi escrito está cravado em nós
como cicatriz no corte (jura secreta 10)
Da violação do limite, do fruto proibido ou da linguagem
erótica, os poemas de Artur são orgasmos literários que oscilam entre o sacro e
o profano. Sua cultura, visão de mundo e inteligência possibilitam ir além da
pura emoção sentimental, evocando a liberdade para que a terra asfixiada grite
pela esperança. Artur comunga com outros seres a solidariedade da Terra, ainda
que por vezes, seja devastador em denunciar disparidades, mas é habilidoso em
anunciar acalentos. A palavra poética desfruta fronteiras, e Roland Barthes
diria que a história de Artur é o seu tributo apaixonado que ele presta ao
mundo para com ele se conciliar. Em sua linguagem explosiva, provavelmente está
a intensidade de sua paixão - um amor perverso o suficiente para viciar em suas
palavras, mas delicado o bastante para dar gênese ao mundo enfeitiçado pela
habilidade de sua linguagem.
A essência deste perfume parece estar refletida num espelho,
pois se as linguagens podem incluir também o silêncio, as palavras de Artur
soam como uma melodia. Projetada numa tela, a pintura erótica torna-se sublime
e para além de escrevê-las, ele vive suas linguagens. Esta talvez seja a
diferença de Artur com tantos outros poetas: a sua capacidade de transcender a
tradição medíocre para viver um intenso de mistério de sua poética. Ele não
duvida de suas palavras, nem as censura para não quebrar seu encanto, mas
devora em seu ser na imaginação e no poder de sua criação. Criador e criatura
se misturam, zombam da vida, gargalham da obviedade. Põem-se em movimento na
dança estrelas que iluminam a palavra.
Os fragmentos poéticos são misteriosos de propósito, uma cortina mal fechada assinala que o palco pode ser visto, porém não em sua totalidade. Disso resulta a sedução para que ele continue escrevendo, numa manifestação enigmática do poder surrealista em nos alertar sobre nossas incompletudes fenomenológicas. O imperfeito é o sentido da fascinação, diria Barthes em seus fragmentos de um discurso amoroso. E a poética de Artur não representa ressurreição, nem logro, senão nossos desejos. O prazer do texto pode revelar o prazer do autor, mas não necessariamente do leitor.
Mas Artur lança-se nesta dialética do desejo, permitindo um jogo sensual que o espaço seja dado e que a oportunidade do prazer seja saciada como se fosse um "kama sutra poético" para além do prazer corporal. Esta duplicidade semiológica pode ser compreendida como subversiva da gramática engessada - o que, em realidade, torna seus textos mais brilhantes. Não pela destruição da erudição, mas pela abertura da fenda, para que a fruição da linguagem seja bandeira cultural da liberdade.
E a sua liberdade projeta-se num horizonte onde a dimensão
sócio-ambiental é freqüentemente presente. É uma poesia universal de
representações urbanas e rurais, de flora, fauna e fontes de praças públicas.
Desacralizando o “normal previsível”, borda em sua costura de mosaicos,
esquinas e passaredos.
eu sei de gente e de bichos ambos atolados no lixo tem gente
que come bicho tem bicho que come gente tem gente que vive no lixo tem lixo que
mora no bicho gente que sabe que é bicho e bicho que pensa ser gente (jura
secreta 28)
A poética das Juras Secretas opõem-se a instância pretérita
numa espiral de presente com futuro. Metafisicamente, desliga-se do momento
agonizante e os olhos do poeta não se cansam, ainda que a paisagem queira
cansá-los. Seu toque lembra o neoconcretismo, por vezes, cuja aparição na
semana da arte moderna mexeu com os mais tradicionais versos da literatura
ordinária. Mas sua temporalidade vence Chronos, na denúncia de um calendário
tirano ao anúncio de Kairós, também senhor do tempo, mas que media pelos ritmos
do coração.
20 horas 20 noites 20 anos 20 dias até quando esperaria... até
quando alguém percebesse que mesmo matando o amor o amor não morreria. (jura
secreta 51)
É óbvio que a materialidade da linguagem, sua prosódia e seu
léxico se mantêm no texto. Mas foge das estruturas engessadas do arrombo
repetitivo, florescendo em neologismos verossímeis e ritmos cardíacos. Amiúde,
são palavras jorradas em potente cultura significante. No chão dialogante, este
poeta desestabiliza a normalidade com suas criações.
por que te amo e amor não tem pele nome ou sobrenome não
adianta chamar que ele não vem quando se quer porque tem seus próprios códigos
e segredos mas não tenha medo pode sangrar pode doer e ferir fundo mas é razão
de estar no mundo nem que seja por segundo por um beijo mesmo breve por que te
amo no sol no sal no mar na neve. (jura secreta 34)
ARTUR GOMES é, para mim, um grande relato de
seu próprio devir, que sabe poetizar a partir de seu vivido. E por isso,
enfeitiça.
Michèle Sato – Bióloga, pesquisadora na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
*
Juras secretas de um trovador contemporâneo
por
Adriano Moura
“Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração
não diz”.
Esses versos de Jura secreta, canção de autoria da compositora
brasileira Sueli Costa e Abel Silva, conhecida por grande parte do público pela
passionalidade interpretativa da cantora Simone, pluraliza-se e faz
emergir Juras Secretas, décimo sétimo livro do poeta Artur
Gomes.
Não que haja intertextualidade explícita entre a canção e os
poemas do livro, mas denota o intertexto como uma das principais marcas do
poeta, recurso presente em seus livros anteriores.
Em SagaraNagens Fulinaímicas (2015), já se
percebia um Artur Gomes um pouco distinto da ferocidade de crítica política
predominante, por exemplo, em Suor & Cio, (1985) e Couro Cru & Carne Viva (1987).
Em Juras secretas, o poeta assume de vez sua faceta lírica, e
é essa que pontua as cem “juras” que preenchem o miolo do livro.
Jura secreta 45
por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e minha língua fosse
só furor dos Canibais
E é com furor canibalesco que se nota, na tessitura poética de
muitos versos, o poeta que se dedica também à leitura da literatura e de outras
artes. Antropofágico, herdeiro de Oswald Andrade e do Tropicalismo, a língua do
poeta devora tudo que o coração não diz para permitir que a poesia o diga.
Hilda Hilst, Portinari, Glauber Rocha, são signos que denotam
o repertório de um leitor-espectador de várias linguagens e que não esconde
essas influências. Porém sua poesia não é enciclopédica. As alusões promovem
efeitos sonoros e imagéticos que contribuem para o desenvolvimento de uma
estilística pessoal e funcional.
Jura secreta 13
quantas marés endoidecemos
e aramaico permaneço doido e lírico
em tudo mais que me negasse
flor de lótus flor de cactos flor de lírios
ou mesmo sexo sendo flor ou faca fosse
Hilda Hilst quando então se me amasse
ardendo em nós salgado mar e Olga risse
olhando em nós flechas de fogo se existisse
por onde quer que eu te cantasse ou Amavisse
Artur Gomes é um dos poucos poetas que mantém viva a tradição da oralidade. Participa de vários encontros Brasil afora recitando seus versos como um trovador contemporâneo. Nota-se, na estrutura musical de sua poesia e nas imagens que cria, uma obra que se materializa por completo quando dita em voz alta. Mas mesmo no silêncio do quarto, da sala, da praia ou no barulho do carro, trem ou metrô; a poesia de Juras Secretas oferece viagens estéticas aos que sabem que a poesia não está morta como andam pregando por aí.
Jura secreta 43
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
Adriano Carlos Moura
Mestre em Cognição e Linguagem (Uenf). Professor de Literatura
do IFF –
*
memorial dos ossos
espora essa palavra amolada
dessas que cortam a carne
no primeiro toque
espora em meu sentido rock
não um mero truque ao pulsar da língua
que a tua pele lambe quando saliva aflora
espora em meu cavalo branco
o simbolismo aceso
todo dia é dia de São Jorge
Jorge Luis Borges num plural latino
escavar a terra em busca da palavra
quando nervo implora
espora temporal dos músculos
memorial dos ossos
nesse tempo bruto tudo quanto posso
Em 2020 landço pela Editora Penalux, com prefácio de Igor Fagundes, o livro O Poeta Enquanto Coisa
Fé no Evoé:
Confissões dionisíacas na poética e política de
Artur Gomes
Igor Fagundes *
Depois das excitadas e excitantes Juras secretas,
de 2018, o poeta e artista multimídia Artur Gomes volta a tornar pública sua
jura de amor e fidelidade ao arcaico deus Dionísio em O poeta
enquanto coisa, de 2019, incorporando as ébrias forças de Baco sob
novos goles e ritos, tão poéticos quanto políticos, numa contemporaneidade que
avança em lama e vertigem e, assim, exige a potência do mítico da palavra
corpórea e originária. Comparece ao ethos deste
livro a mesma embriaguez fulinaímica de sempre: a que
toma, mediante o delírio atento frente aos passos obtusos do ser e estar das
gentes, cada palavra como taça, vinho tinto e uma tinta capaz de, em
contrapartida, rogar lúcida a passagem dilacerada do humano pelas páginas
turvas do mundo. Que, em prefácio, ressoe agora-aqui a face mesma de
assonâncias de Artur. Que em pré-faces (a da melopeia, a
da fanopeia, a da logopeia) o
poeta se apresente, por assim dizer, multifacetado, contaminando-nos com os
tempos de seu ritmo venéreo. Que se capte, enfim, o próprio escape das imagens
ímpares e afiadas pelo gume de Gomes, repetindo-se
– com outros nomes e aliterações – seus deleitosos jogos de palavras em nossa
fome de análise e anúncio: incorporemos, nessa prosa de abertura, a música de
seus trocadilhos, a curvatura das paranomásias no retilíneo
das linhas do livro: a que verte vulva em verso, Afrodite em afro-ditos de
orixás em orgias com Ártemis e Hermes.
Que o veraz poeta, para
aquém do denominado moderno, para além do já clichê pós-moderno, para quem dos
rótulos e taxonomias previstas pelas literárias teorias, atravessa o pós-pós de
tudo e mesmo o pó da historiografia. Artur Gomes se exibe, ao
revés, pré-antigo (tão dentro quanto fora do chronos) na
atualidade incorrigível de uma poesia dedicada à Gaia (lê-se na dedicatória: “e
a Terra/Mãe/Terra a musa eterna dos meus estados de surtos dos
meus estados de sítio dos meus estados de cio”). Enquanto bebe, no tempo
cronológico (“tempo de bestas”, “na caretice dos bostas”),
as lutas e lutos de sua época e século (“esse país que atravesso
corpo devassado em grito na cara do silêncio”), inebria-os e subverte-os no
tempo imemorial da Terra para fundar o Aion sem
fundo do instante-em-transe da experiência artística. Por isso, não basta
citar, em cacoete analítico, os tiques nervosos que convêm à crítica (mencionar
modernismos influentes, a geração beat, a poesia pop, a
tropicália...) para entender sua lírica. Nem seria preciso. Soaria até
repetitivo elencar, neste preâmbulo, as personagens caras a Gomes, forjando-o
efeito do esbarro nelas todas, do encontro com elas, das tramas e transas com
obras e corpos do passado e presente: o poeta já o faz e cumpre a coletânea
como a dramaturgia de sua errância pelo imaginário e pelo inconsciente, os
quais derramam sobre o copo do real e da consciência alter-egos confessos
e inventados – tudo o que for líquido nos vasos sanguíneos do poeta alcooliza
o poemário com o híbrido de fogo fátuo e frios fatos.
Artur Gomes – assinatura por vir,
heteronímica, heteromórfica – assim apresenta em O poeta enquanto
coisa suas juras não mais secretas, mas públicas, ainda púbicas,
aos afetos que compõem e decompõem sua literaturavida. Seus
versos são rascunhos, rasuras e ranhuras a passar a limpo os nexos e os nervos
de sua fatura formal e estilística, deixando sobre a página tanto um rastro de
unha quanto o esmalte dos escritos e vozes que em sua alma avultam e nos dedos
instauram cutículas.
Tais intertextos e intratextos, ou ainda, tais hipertextos
insaciáveis se disseminam pela obra na mesma proporção com que se concentram em
cada poema, lado a lado ou embaralhados; falseando nos rebentos líricos as
certidões de batismo e, em poligamia, proliferando as certidões de casamento
com as leituras/releituras de livros, bem como com o folhear de rostos amigos,
ou com o riso e risco do desconhecido, não obstante o postergar de comprovantes
de residência, de pátrias de origem: cada gesto, um tanto Ulisses, desmente
Ítacas, deslinda labirintos (do Minotauro?) ou mesmo fios (de Ariadne?),
teatralizando ad infinitum as alteridades que servem
como impressão digital provisória e polimórfica para alguma identidade fluida,
fragmentada, ao rés da fantasia. Mas nada disso seria possível – nenhuma
conversa com livros, nenhum sexo com as líricas de um outro e de uma outra –
seria concreto sem a lascívia uma vez mais dionisíaca de um cérebro em gozo
sináptico, em psiké-análise, em psiké-catálise, em psiké-catábase:
esta que põe no divã do poeta as divas Oxum e Afrodite atravessadas, fosse a
sala do analista também um templo pagão ou uma ilha de Lesbos, de modo
que Artur construa entre sua cama e seu karma de vate uma
Igreja imoral/amoral do Reino de Zeus. E dos muitos Eus que exilam hóstias e
comungam com o jamais fixo e intransigente credo.
Esta, a sacralização do profano e do erótico, ou a profanação
do sagrado enquanto humano, do poeta enquanto coisa (“o amor mesmo quando
profano / tem muito mais de sagrado”): filho de um deus com uma
mortal, Dionísio dança na recorrência da palavra “vinho” no
livro, a exemplo dos versos: “aqui / a poesia pulsa / na veia /
no vinho”; “por vinho tinto e poesia”; “ela tem sede de
vinho / nas madrugadas dos bares”; “o vinho do tempo na boca”; “em
nossas bocas tinto – vinho”; “beijo tua boca ainda suja
/ do vinho que sobrou”; “me consagro teu amante / pelos
vinhedos de Baco / no ápice sagrado / da su-real pornofonia”. A
embriaguez dos significantes e dos significados é a que tanto forja imagens
insólitas (como a de um “céu de estanho” ou como
em “ela mastiga meus ponteiros”) quanto a que
costura melodias bem trabalhadas entre vogais, consoantes ( “entre paredes
pedras facas de dois gumes / nos parreirais depois da lua),
ratificando a inteligência verbal (a logopeia) de Artur
Gomes dobrada em melopeia (música) e fanopeia (imagética).
Visualidade provocada, a saber, não só pelas imagens significadas pelos
significantes, mas visualidade ou imagem do próprio significante, o qual,
dentro de si, dá à luz significâncias outras (“EuGênio Andrade”, “Afro-dite, “BolivariAndo”,
“eletriCidade”), pois Artur Gomes – nesta “pornofonia” –
é mestre na criação de neologismos (em tudo se vê uma “carNavalha”).
Não apenas o corpo do homem, da mulher, se sensualiza e se sexualiza sob a força cósmica de Eros. É o poema mesmo que, em O poeta enquanto coisa, é corpo sensualizado, sexualizado, da mesma maneira que a cidade, o mundo, os tempos e o Tempo são Eros, vez que a palavra é pele e poro (duas palavras aliterantes e frequentes em Artur Gomes). Nessa porosidade, o poeta se entende permeável a coisas e pessoas (a pessoas já misturadas às coisas, a pessoas já coisas): “por entre poros entre pelos / minhas unhas tuas costas”. Também por isso, por essa poesia de tamanho contato, fricção, a relação com a língua se confirma erotizada e – vale dizer – tanto a língua física quanto a verbal, o que equivale a dizer que escrita e oralidade se reencontram no poeta: a sofisticação da escritura literária não perde (pelo contrário, potencializa) a dimensão primigênia do poeta como cantor, como ator “na divina língua de Baco”, a qual se exalta mediante a recorrência também da palavra “boca” e da palavra “coxa”: uma é a que beija, lambe, morde e degusta; outra é a beijada, a lambida, a mordida, a degustada. Ambas em rima toante também entoam ritmos e ritos profanos-sagrados:
o poema fala do teu corpo
como se o tocasse
o reconhecesse em cada verso
cada palavra que sai da boca
como um canto bíblico
com louvor profano
Nessa performance e performatividade lingual-linguística, todo
signo cisma um erotismo entre o significante e o significado, sim, mas também
entre página e palco, palco e praça, praça e povo, a babel dos povos e a babel
das palavras: daí, tantos trocadilhos (troca-trocas, orgias, surubas...),
como o da “flór do lótus” com a “flor do lácio”, o
das “coxas” com as “costas”, o do “fauno” com
a “flauta”, o da “alvorada” com o “alvoroço”, o
da “antítese” com a “Antígona”. Eis a língua
física, outrossim, a trocar com a verbal, mas sendo ao mesmo temo pelo verbal
trocado, e vice-versa. Eis o poeta trocando com outros poetas ou sendo trocado
por poetas outros, vestindo a roupa dos outros e tirando a sua roupa para ser outro:
Federico Baudelaire, Gigi Mocidade, Bracutaia Silva, Federika Bezerra, Cristina
Bezerra etc. O poeta, analista translógico da psique, troca com sua
psicanalista. E o poeta se tenta analista de si mesmo, elevando o caos para a
troca de seu nome Artur por timbres e assinaturas novos. Do
mesmo modo, o nome dos poetas que existem, os que morreram e ainda não, os
vivos hoje e sempre, vai se trocando, em rearranjos da memória (e do recriativo
esquecimento). Artur Gomes troca poetas em seu corpo e,
trocando com eles, entende que todos trocam entre si, a exemplo do diálogo
poético de Clarice com Baudelaire. Mais ainda: o
corpo do poeta troca com o corpo do poema e, consoante em “Poética”, a
metalinguagem elabora um troca-troca de textos sob o mesmo título, pois o
poema “Poética” se metamorfoseia em outros poemas: o
tema “Poética” permanece, mas se trocando: o mesmo sendo
diferente. A palavra “outro(s)” se sugere, enfim, ouro neste
livro, e é nessa não indiferença ao outro, que o poético se faz ético e
político. E nessa política da e pela diferença, a cidade do corpo se troca e
vira o corpo da cidade. Assim, o poeta é – quando e enquanto coisa.
No meio de tantas referências e reverências, borrões (d)e
assinaturas (como as de Mário de Andrade, Drummond, Torquato Neto, Rimbaud,
Mallarmé, Tanussi Cardoso, Tchello d’Barros, Jiddu Saldanha, Ronaldo Werneck,
Reinaldo Valinho Alvarez, Reinaldo Jardim, deuses e deusas gregas, orixás),
o “anjo torto” de Artur Gomes não sopra no
livro Manoel de Barros ou James Joyce, escritores também engenhosos e que se
vale de muitos ilogismos ou neologismos. Todavia, O poeta enquanto
coisa não deixa, na qualidade de título de livro, de repercutir
o Retrato do artista quando coisa (de
Barros) e o Retrato do artista quando jovem (de
Joyce). Do mesmo modo, não havendo menção (ao menos, explícita e
intencional), ao “Teatro Oficina” de José Celso Martinez
Corrêa, a dimensão orgiástica da arte e a reunião – não menos sacro-promíscua –
de mitos gregos e africanos, a assimilação pela cultura ocidental de outras
culturas, aparece em Artur Gomes nesta, quiçá, Poesia
Oficina. A relação gozosa e experimental com que a palavra se faz
poema e se teatraliza faz de seus livros um grande laboratório da língua, do
corpo e da cultura, com repercussões nitidamente políticas.
Se Pantanal é o corpo poético e o poema experimental, de
aparente falta de lógica, lembrando o discurso infantil, no Manoel de Barros
do Retrato do artista quando coisa, a urbe é o corpo
prenhe de sexualidade e sensualidade em Artur Gomes, nos supostos
ilogismos do discurso adulto que se vê fragmentado e devorado por Eros e Thanatos, e
no qual a relação sujeito-objeto já não dá conta quando o humano se vê coisa (não
mais agente ou paciente, voz ativa ou passiva: talvez, as duas ao mesmo tempo).
Como no Pantanal de Barros, a linguagem de Gomes é lamacenta,
cheia de líquidos e delírios: a seiva se expande e se intensifica com (ou se
troca por) suor e sêmen. Lama, agora, é a cama: o mangue ou o pantaneiro é
a cama de Artur onde dormem, acordam, sonham, gozam e ardem
todos os corpos (humanos e não humanos) aqui já citados e dispostos nos
lençóis, colchas e fronhas da página.
Por outro lado, temos na trajetória literária de James Joyce,
a intertextualidade com Ulisses de Homero. Artur Gomes ouve o
canto da sereia em sua cama, livro, divã, e talvez do inconsciente escute a voz
de um “artista quando jovem”, vinda de Joyce. Nesta, a
personagem protagonista Stephen Dedalus, aquele que será adiante o
anti-herói de Ulysses, diz à sua mãe que não poderá seguir a
vocação de padre. Ele descobriu uma nova e grandiosa missão em sua vida: a de
criar uma nova e poderosa mitologia para o povo irlandês. O romance
autobiográfico de Joyce narra a infância de Dedalus (máscara de Joyce),
personagem que vai aparecer novamente em Ulysses. A vida do
pequeno Dedalus é marcada pela religiosidade da mãe. Ela quer que o filho siga
a carreira eclesiástica. Vários padres fazem parte da vida de Dedalus e vão
moldando sua consciência. O momento de virada na vida da personagem principal
se dá no momento em que ele escuta um horrível sermão feito por um padre sobre
o inferno que o deixa muito impressionado. Dedalus passa a viver como um carola
seguindo à risca todos os jejuns e mandamentos da igreja católica. Nesse
momento, ele até se sente como um futuro padre. Com a sequência do romance,
vemos o jovem Dedalus passar de uma fase religiosa para uma de sensualidade.
Sente-se cada vez mais obcecado com a ideia da confissão. Ele então confessa a
um padre todos os pecados sensuais que pratica. Abandona definitivamente a
convocação de ser padre e passa a se interessar por ideias artísticas e
estéticas. Dedalus abandona a carreira de padre mas não a fé.
Assim, Artur Gomes se obstina pela ideia de confissão, mas de uma confissão dionisíaca. Primeiro, fazendo suas Juras Secretas, suas confidências sensuais, sexuais, eróticas, fulinaímicas. Em suma, suas sagaranagens (há algo de Joyce em Guimarães Rosa, ou vice-versa; no Rosa que há em Artur Gomes, no sagarana dos três). Agora, em O poeta enquanto coisa, arriscando-se a abandonar todo credo político-religioso paralisante, move-se – avesso ao dogmático – no sentido de dançar o mitopoético, o dionisíaco. Daí, uma Igreja Universal do Reino Zeus faça todo sentido na cosmogonia e teogonia de Artur Gomes. Em primeiro lugar, como deboche diante de quaisquer fundamentalismos. Em segundo lugar, como denúncia do que um Reino de Deus pode roubar do político o vigor do poético, preferindo um louvor a Dionísio a um Deus que não sabe dançar, que não sabe gozar, na liturgia de uma poesia que roga
por um poema
que desconcerte
entorte
desconforte
arrombe a porta
dos céus
da tua boca
arranhe os dentes
da loba
arrebanhe os cordeiros
no pasto
e lhes ensine
a subverter
as ordens do pastor
assumo o risco
não sou demo
nem corisco
eu sou cantor
Iansã é quem me lava
Oxossi é quem me leva
Ogum é quem me manda
Oxum é quem me guarda
eu sou o que invoca
o que provoca
e incorpora
desconcentra
desconforta
desconstrói
e desconcerta
eu sou o que interpreta representa
o que inventa
e desafora
o Anjo Torto
graças a Zeus
a pedra e ao Machado de Xangô
a Capitã do Mato Caipora
me xinga de poeta enganador
mal sabe ela
que eu sou da reza
que o homem que se preza
nunca se escraviza
com chicote de feitor
*Igor Fagundes é poeta, ensaísta,
doutor em Poética e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autor,
dentre outros, de pensamento dança (2018) e Poética na
incorporação (2016). Macumbança (2020)
*
O POETA ENQUANTO COISA: “NO COURO CRU DA CARNE
VIVA” – LINGUAGEM CORPO
Ao ler O Poeta Enquanto Coisa, de Artur Gomes,
já na apresentação do poeta, 64, suas palavras sugerem que o poeta é sujeito e
objeto. Perguntei-me: “Mas como será isso? Sujeito e Objeto?” Sim!
Só um punho lírico muito forte, porém despojado, - “no couro
cru da carne viva”. (64) pode com “esporas” ”sangrar corpos” e “abrir
cadafalsos”. Trata-se de uma poemática em que a linguagem é o corpo. A
expressão que se depreende é o estrondo acompanhado do gozo, la petite mort.
Entretanto a Musa eterna dos estados de surtos e de sítio e de cio do sujeito (quem sabe do poeta ele mesmo?) nos diz em alto tom: é a Terra/Mãe/Terra. Por este viés confesso do poeta, entendo que o salto lírico desta poética ou destes versos “de surtos, de sítio e de cio” é, por excelência, telúrico. Assim como a vida é telúrica, o amanhã também o é, assim como o são os lugares geográficos presentes em muitos versos e que ilustram a teleologia dos poemas por toda a obra.
Explico: há em toda O Poeta Enquanto
Coisa, obra de fôlego e tanto, uma doutrina arturiana que identifica a presença
de uma metalírica em riste, com fins e objetivos metalinguísticos ou ainda
criando situações que deslocam a natureza e a humanidade, considerando a
finalidade como o princípio explicativo fundamental na organização e nas
transformações de todos os seres da realidade, uma espécie de finalismo.
Estes poemas são inerentes a um possível aristotelismo de hoje
e seus desdobramentos, pois se fundamentam na ideia de que tanto os múltiplos
seres existentes, quanto o universo como um todo direcionam-se, em última
instância, a uma finalidade que, por transcender a realidade material, é
inalcançável de maneira plena ou permanente.
Hegel também tratou disso em seus epígonos, segundo os quais o
processo histórico da humanidade assim como o movimento de cada realidade
particular, são explicáveis como um trajeto em direção a uma finalidade que, em
última instância, tem como objetivo uma realização plena e exequível do
espírito humano: em Gomes, inquieto, rebelde, sagaz, verbal, metafórico,
carnal, cuja realização dá-se no sobressalto, no grito, na dicção da audácia,
tanto na poíesis quanto na techné. Sujeito e Objeto reencontram-se no ritmo da
techné: “eu acho que é tempo ainda”. Aí se igualam Sujeito e Objeto.
Oswald de Andrade experimentou um tanto disso na sua Poesia
Pau-Brasil do 1º. Modernismo. Mário de Andrade em Paulicéia Desvairada. Com
outro fluxo nos poemas, obviamente. Artur Gomes reverbera alguns momentos do
nosso 1º. Modernismo, sem dúvida, trazendo-o ao picadeiro contemporâneo:
Cocada agora
só se for de coco
paçoca de amendoim
cigarro só se for de palha
cacique só se for da mata
linguagem só tupiniquim
bala só se for de prata
água só se for aguardente
tônica só se for com gim
estado só se for de surto
eleição só se for sem furto
brilho só no camarim
A existência de uma minemósine (grego Mνημοσύνη), titânide,
filha de Urano e Gaia, deusa que personificava a memória está em
nas pipas nos arcos
nas madrugadas dos bares
descritas num guardanapo
no copo de vinho
na boca de Vênus
na bola da vez da sinuca
sangrada pelo meu taco
pois,
aqui
a poesia pulsa
nos cabelos brancos da barba
na divina língua de Baco.
Reiteram-se, assim, os motivos (leit motiv): em Poética 31,
“delírio pouco é bobagem”/ “assim como fantasia”/ “é louca SagaraNAgem”/”no
carnaval Real da Orgia””/”Dentro da Noite Veloz”/ “ou na Vertigem do Dia”/ “a
luz do sol sobre nós”/”onde marés maresia? O corpo – a própria linguagem”/ no
mar da antropofagia”.
O delírio teatral, a física quântica leve, o simulacro
pós-moderno, o deboche e a pilhéria percorrem, só para ilustrar a recorrência
dos recursos, Poética 33 – Em/Cena Um possível encontro de Clarice Lispector e
Federico Baudelaire. O diálogo com Oswald de Andrade retorna em Poética 34.
Carregada de muito humor. Grande arma!
Em Poética 38, encontram-se o erótico e o satírico, grande
sacação (Ah, os sátiros!), diga-se de passagem, um encontro inusitado, de verve
crítica e geografia erótica, uma sugestão para um Kama Sutra tupiniquim, por
que não. Grande momento do livro!
Enquanto escavo a seiva
Entre o vão das suas coxas
Para desfrutar teu cio
E santificar teu ócio
A selva amazônica perde
Mais 200 mil hectares de mata virgem
Para as moto-serras assassinas
Desse venal agro-negócio.
Sendo um flâneur do século XXI, Artur Gomes, caminha, antes de
tudo, como um detetive, no sentido que lhe deu Walter Benjamin: detecta um
fato, poetiza-o e, às vezes, deforma-o. De que forma? Investigando-o,
pilhando-o, desmascarando suas circunstâncias. Venalmente.
Dr. Deneval Siqueira de Azevedo Filho
Teoria e História Literária (Unicamp/Ufes)
Letras, Artes e Culturas (Fairfield University, CT, USA)
O Poeta Enquanto Coisa
por Nuno Rau
Andamos no presente como vagando sobre um território rumo a outro, o futuro,
para onde olhamos (além do olhar atento à nossa paisagem, o agora), mas sem
perder a ligação com os territórios de onde viemos, o passado, de onde nos
enviam mensagens-cabogramas. Ocorre que, antes, essas mensagens pareciam
trilhar cabos unificados, e hoje elas nos vêm por uma rede de miríades de fios
entrelaçados, com origens várias, por wi-fi, mescladas aos arcaicos sinais de
fumaça, batidas de tambor.
O poeta contemporâneo tão mais contemporâneo se torna quando, atento ao
presente absoluto para pensar a direção de seus passos, fica também atento aos
sinais do passado, não dispensando o gesto ameríndio de perscrutar nas matas o
aproximar-se da civilização predatória (como os nativos norte-americanos
encostavam o ouvido nos trilhos do trem) enquanto observa, na tela de seu
dispositivo, a nuvem de futuros prováveis, nem todos gloriosos: assim um poeta
se torna criador de mundos.
Artur Gomes performa, em “O poeta enquanto coisa”, a sua dança
tribal em que diversos dados da tradição se mesclam em sua reinterpretação
ancorada no hoje, o que sempre implica numa tomada de posição política do
poeta, que brindamos aqui, com alegria, porque nos traz luz sobre um momento
particular de trevas na vida civil. É por estas vias que o liquidificador
estético do poeta mistura antropofagicamente em suas iguarias-poemas, para que
brindemos, deuses gregos com orixás, filosofia e orgia, mente e corpo, política
e sexo, o corpo que precisa estar presente cada vez mais nos poemas, afastando
quando possível os séculos de metafísica que nos oprimem. Evoé, Artur! Que seu
canto ecoe pelos corações e mentes do presente e do tempo que virá.
Nuno Rau, arquiteto, professor de
história da arte, tem poemas em diversas revistas literárias, e nas antologias
Desvio para o vermelho, do Centro Cultural São Paulo, Escriptonita, que
co-organizou, e 29 de Abril: o verso da violência. Publicou o livro Mecânica
Aplicada, poemas, finalista do 60º Prêmio Jabuti e do 3º Prêmio Rio de
Literatura. Ministra oficinas de poesia no Instituto Estação das Letras e é
coeditor da revista mallarmargens.com
Em 2022 lanço a 2ª Edição da Antologia Pessoa Pátria A(r)mada, pela Desconcertos Editora, com prefácio de Ademir Assunção. Nessa edição incluo alguns poemas escritos durante a pandemia (2020/2021).
TRÊS TOQUES PARA PENETRAR NA NOITE ESCURA DESTA
PÁTRIA A(R)MADA
Ademir Assunção
1 Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta.
O CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em
parceria com os músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e Reubes Pess, nos
primórdios deste terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da
fusão entre poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como
navalhas de corte preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas.
Navalhas que acariciam, mas também cortam a pele do ouvinte.
Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como
“poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”.
Há dor por uma terra prometida e sempre adiada, “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”.
É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões:
“eu não tenho pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”.
2
Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A
tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e
inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da
revolta. Uma linhagem que vai de Arnaut Daniel a Zé Limeira e passa por
Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar
alguns. Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia
e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos
anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral,
que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um
território de folias
macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que
a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”?
3
Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando
“a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo pertencente a mesma tribo. Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções.
Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016.
Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos desses versos ecoarão nos ouvidos de muitos e cortarão a carne de tantos:
“ó, baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema / espada continua a ser espada / poema continua a ser poema”.
Ademir Assunção – poeta, escritor, jornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA
Artur Gomes – 2023 – 50 Anos de Poesia – Memória e Resistência
– Uma Trajetória Multilinguagens
No longo bate papo semana passada com a minha querida amiga,
Jailza Mota, no Museu Histórico de Campos, para o seu TCC de Licenciatura em
Teatro no IFF, alguns detalhes dessa trajetória, que até então me passavam
despercebidos, vieram a tona.
Em 1977 no texto de Orávio de Campos Soares, para o livro Além
da Mesa Posta, ele profetiza, que minha poesia, até então, simbolista e
existencialista, dos dois livros anteriores: Um Instante No Meu Cérebro e
Mutações Em Pré-Juízo, iria desaguar com o foco no social.
Jailza Mota observa que, o próprio título Além da Mesa Posta,
mesmo que o seu conteúdo, não seja de poesia com foco no social, nos dá margem
para pensar muito além da “Santa Ceia, mas em todas as “mesas postas” nos lares
de todas as famílias dos desprivilegiados por esta país afora.
Pois bem, em 1978 escrevo dois poemas onde o social estão
explícitos em suas temáticas: Canta Cidade Canta, vencedor do Festival de
Poesia, promovido pelo Departamento Municipal de Cultura de Campos e Jesus
Cristo Cortador de Cana, publicado em livreto de cordel.
No mesmo ando de 1978, um Grupo de Teatro ligado ao convento dos Padres Redentoristas, cria uma encenação com o poema Jesus Cristo Cortador de Cana, com a intenção de encená-lo na ETFC, mas é censurado pela direção da Escola. Mas em 1989, ele sobe ao palco do Teatro de Bolso, interpretado por Eugênio Soares, na montagem que dirigi com 9 estudantes da Escola de Serviço Social da UFF, para a tese de conclusão do curso, refletindo sobre a vida das mulheres dos cortadores de cana, e trabalhadores da antiga e extinta Usina de Outeiro.
Artur Gomes - 50 Anos de Poesia
Uma Trajetória Multilinguagens
Os Tortos Tecem Considerações
Dias 18, 19 e 20 - Agosto - 20h
música teatro poesia dança dicas de educação ambiental e cultura popular
você está convidado(a) para participar desta celebração – entrada franca
poÉtika
eu sou drummundo
e me confundo na matéria amorosa
posso estar na fina flor da juventude
ou atitude de uma rima primorosa
e até na pele/pedra quando me invoco
e me desbundo baratino
e então provoco umbarafundo Cabralino
e meto letra no meu verso
estando prosa e vou pro fundo
do mais fundo o mais profundo
mineral Guimarães Rosa
Do livro Juras Secretas
Editora Penalux - 2018
Em 2023 lancei pela Editora Penalux o livro O Homem Com A Flor Na Boca, com prefácio de Adriano Moura
O Homem Com A Flor Na Boca - Um Canibal Tupiniquim
por Fernando Andrade | escritor e jornalista
Um homem cita um poema de nome. O músico já usou a cítara para musicar este poema pelo nome. Tudo já foi transformado, o poema para canção, a rima comeu a melodia e fez troça e troca de nome. Mas o poema do livro O homem com a flor da boca, da editora Penalux, nos devolve este país, do samba, do riso piada, Leminski, a força do ato canibalista de deglutir o que veio antes da poesia concreta, até a letra da canção de Luiz Tatit.
Artur Gomes fez das suas, com tanta fome, comeu a maioria dos poemas que leu na vida e canibalizou e carnavaliza referências, citações, humor de longa estrada, ou beira de bar, trabalhando com gume de faca afiada e o lume de um pôr do sol em Ipanema, lembrando Vinícius.
São poemas bons para musicar tanto na solidão de um violão, quanto, atravessada por uma voz tenor, sax soprano. E não falta sexo, sacanagem, tesão, nas palavras das palavras num atravessamento em plena Quarta feira de cinzas, no resultado do carnaval.
O desbunde da bunda, o levante dos órgãos, a gíria, e a menina com fio da linha escrita, carregando anedotas, fábulas e circos. O poeta não faz gênero, ele é macho, e fêmea, Simone, em segundo sexo. São poemas para emprestar ao amigo que está com fone de ouvido se atentar para a prosódia do verso, para quem sabe não copiar e transformar Amor em flor na boca.
*
Na Caiana Discos foi onde comecei a comprar os meus primeiros vinis de Rock And Roll, lá pelos início dos anos de 1970. E foi lá também que conheci Luiz Ribeiro, onde tivemos os nossos primeiros e longos bate-papos sobre música e poesia e alguns anos depois se tornou um dos meus grandes parceiros.Foi na Caiana Discos também onde conheci Paulo André Barbosa.
Por esses e outros acasos a Rádio Caiana é de alguma forma, hoje, a extensão da minha relação com a música de Luiz Ribeiro, eterno parceiro e parte viva nessa minha trajetória destes 50 anos de poesia, que este ano comemoro.
"uma cidade sem memória não é uma cidade"
Federico Baudelaire
momento de grata felicidade ao lado do grande irmão/poeta
Salgado Maranhão e da escritora/historiadora Anita Leocádia - registro feito
por Lília Diniz por ocasião da 7ª Feira do Livro de São Luís – Maranhão
conheci Anita Prestes (filha de Luis Carlos Prestes), ao lado
do poeta Salgado
Maranhão, na 7ª Feira do Livro em São Luis do Maranhão em 2013.
Atualmente, por todo o ano de 2024, quando o Golpe de 1964, chega aos seus 60
anos, estou mergulhado numa busca do levantamento da memória dos anos de chumbo
1964/1985.
Tenho assistido a maioria dos depoimentos dados a Comissão
Nacional da Verdade, por ex presos políticos e agentes das forças de repressão
do período. Um dos mais contundentes depoimentos, dado pelo ex-agente do Doi-Codi do
Espírito Santo, o hoje pastor Cláudio Guerra, que narra como os corpos já
retirados sem vida da Casa da Morte em Petrópolis eram trazidos para serem
incinerados nos fornos da Usina Cambaíba em Campos dos Goytacazes-RJ.
Hoje assisti a entrevista de Anita Prestes, no site Tutaméia, https://tutameia.jor.br uma reflexão sobre esse período e o momento histórico do Brasil. Busco o levantamento dessas memórias como fonte de pesquisa para o livro Vampiro Goytacá Canibal Tupinquim, porque apesar de ser um livro de poesia/ficção, entendo que nenhuma ficção nasce do nada, existe sempre pelo menos algum vestígio de uma cruel realidade por detrás dela.
No dia 3 de novembro de 2024, fui eleito para ocupar a cadeira
12 da Academia Campista de Letras. Cadeira que já foi ocupada pelo historiador
e professor Hélio de Freitas Coelho
Em 2025 lanço o livro Itabapoana Pedra Pássaro Poema, uma viagem
metafórica por poéticas reinventadas com uma com reflexão sobre os 14 anos morando em São
Francisco de Itabapoana. Onde reafirmo a indagação que a tempos venho fazendo desde 2023, quando dei aulas no Curso de Teatro de Rua, na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima: Era Uma Vez Um Mangue e Por Onde Andará Macunaíma?
Itabapoana Pedra Pássaro Poema
era uma vez um mangue
por onde andará Macunaíma?
na tua carne no teu sangue
na medula no teu osso
será que ainda existe
algum vestígio de Macunaíma
na veia do teu pescoço?
tá no canto da sereia
no rabo da arraia
nos barracos da favela
nos becos do matadouro
na usina sapucaia?
na teoria dos mistérios
dos impérios dos passados
nas covas dos cemitérios
desse brasil desossado?
macunaíma não me engana
bebeu água do paraíba
nos porões dos satanazes
está nos corpos incinerados
na usina de cambaíba
em campos dos goytacazes
macunaíma não me engana
está nas carcaças desovadas
na praia de manguinhos em
são francisco do Itabapoana
Joilson Bessa me disse
Kapiducéu já ensaia
Macunaíma vem vindo
no Auto do Boi Macutraia
Guaxindiba Gargaú
será que existe algum resquício
do mato da lama do mangue
da lenda da Moça Bonita
a prima de Macunaíma
nas veias dessa América do Sul?
*
pedra que voa
depois que choveu pedra em São Francisco do Itabapoana no
final de 2024, por ficarem sem saber se gelo ou granizo, alguns moradores da
localidade do Macuco, resolveram instalar uma comissão popular de inquérito
para apurar as causas do acidente.
Sabedores de que o significado da palavra Ita/bapoana é pedra
que rola sob o leito do rio, é bem possível que as “pedras” revoltadas com suas
condições de viverem submersas podem ter sofrido gigantes mutações e serem
transformada em pedras que voam, incentivadas pelas bruxarias e alquimias
desenvolvidas por alguns personagens do livro “Itabapoana Pedra Pássaro Poema”.
Federika Bezerra
A Porta Bandeira
*
CAVOUCANDO A TERRA
Wilson Coêlho
A obra "Itabapoana Pedra Pássaro Poema ", de Artur Gomes, é toda "poiesis", na perversão dos significados, trata-se de uma poesia no pau-de-arara, confessando intimidades, inventando conceitos, transitando nas peripécias, nos espasmos, no lance de dados.
Não é por acaso a ideia do subtítulo ou anunciação de "poesia, alquimia e bruxaria", considerando a poesia, como gênero literário que faz uso de uma linguagem musical, figurada e criativa para veicular expressões artísticas, bem como, a alquimia dos sentimentos líquidos que escorrem no delírio do poeta que, de certa forma, no que diz respeito à bruxaria, resgata o místico, não religioso, que coloca em questão a possibilidade do óbvio de se estar no mundo, fora da lógica cartesiana, numa viagem Catatau leminskiana.
A poesia escrita, encenada, cantada, em movimento, inerte, barulhenta ou silenciosa. É a esfinge, Torre de Babel, Cavalo de Troia, fios de Ariadne, ferocidade de Teseu, sonho de Penélope, aventuras de Odisseu, nave louca de Torquato Neto, Macunaíma de Mário de Andrade, loucura de Artaud, ópio de Baudelaire, pânico de Arrabal.
Podemos afirmar, sem medo de errar que, em "Itabapoana Pedra Pássaro Poema", Artur Gomes usa a pena como uma pá que lavra os sulcos de um terreno baldio, a palavra como um arado em movimento, uma palavração. Assim, vai desenhando na página branca, cavoucando a terra para enterrar as sementes de suas árvores "geniológicas", sempre frutíferas e, como um agricultor e arqueólogo das palavras, as retira da mera condição de semânticas, inventando novos significados, desafinando o coro dos contentes e desafiando a gravidade da lei da gramaticidade.
Enfim, em "Itabapoana Pedra Pássaro Poema ", estamos diante de uma desarticulação do mito e num processo de reinvenção, uma porta de entrada na utopia (u-topus = não lugar) para dar existência a um novo lugar da poesia extemporânea.
Wilson Coêlho é poeta, tradutor,
palestrante, dramaturgo e escritor com 28 livros publicados, licenciado e
bacharel em Filosofia e Mestre em Estudos Literários pela UFES, Doutor em
Literatura Comparada pela UFF e Auditor Real do Collège de Pataphysique de
Paris, do qual recebeu, em 2013 o diploma de “Commandeur Exquis”. Assina
a direção de 29 espetáculos montados com o Grupo Tarahumaras de Teatro, com
participação em festivais e seminários de teatro no país e no exterior, como
Espanha, Chile, Argentina, França e Cuba, ministrando palestras e oficinas.
Também tem participado como jurado em concursos literários e festivais de
música. Participa de diversos movimentos e eventos de teatro na América
Ente/Vistas
Concedendo entrevista ontem 15 de agosto 2025 a Raphael Fuly, licenciando em música no IFF Guarus, sobre a minha trajetória com Arte dentro da ETFC/CEFET/IFF, de 1968 a 2012. Raphael é orientando pela queridíssima amiga Beth Rocha, parceira de grandes espetáculo de Teatro Musical que montamos no CEFET/IIF a partir de 1997, tais como “O Dia Em Que A Federal Soltou a Voz e Criou Um Coro de 67 Vertebrados”, espetáculo que foi apresentado em 1997 no Auditório Miguel Ramalho, marcando a chegada de Beth no CEFET/Campos e o meu retorno de uma licença prêmio para coordenar a Oficina de Artes Cênicas, que criei em 1975.
A entrevista foi realizada no Casarão - Centro Cultural, na Rua Salvador Correia, 171. Raphael Fuly, é integrande de uma banda formada por estudantes de música no IFF, contemplada em edital na lei Aldir Blanc, dia 22 deste a banda estará se apresentando no Museu Histórico de Campos, e um dos integrantes da mesma, Pablo Vinícius, que em 2022 participou do meu Projeto Geleia Geral – Semana de 22 – 100 Anos Depois, me pediu licença para nomear a banda com o nome Balbúrdia PoÉtica, o que imediatamente autorizei, e no dia 22 pretendo batizá-la tornado-a minha afilhada.
Como bem disse lá pelos idos de 2005, quando fui contemplado no projeto Poesia Na Idade Mídia – Outros Bárbaros, de Ademir Assunção realizado no Itaú Cultural São Paulo, no poema VeraCidade: - por quê trancar as portas/tentar proibir as entradas/se eu já habito os teus 5 sentidos/e as janelas estão escancaradas.
*
VeraCidade
por quê trancar as portas
tentar proibir as entradas
se já habito os teus cinco sentidos
e as janelas estão escancaradas ?
um beija flor risca no espaço
algumas letras de um alfabeto grego
signo de comunicação indecifrável
eu tenho fome de terra
e esse asfalto sob a sola dos meus pés
agulha nos meus dedos
quando piso na Augusta
o poema dá um tapa na cara da Paulista
flutuar na zona do perigo
entre o real e o imaginário
João Guimarães Rosa
Caio Prado
Martins Fontes
um bacanal de ruas tortas
eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta
o correto deixei na Cacomanga
matagal onde nasci
com os seus dentes de concreto
São Paulo é quem me devora
e selvagem devolvo a dentada
na carne da rua Aurora
Obs.: em 2023 quando fui convidado por Sylvia Paes, para voltar a prestar serviços na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, escrevi o projeto Campos VeraCidade, que até hoje está engavetado, porque não há interesse na gestão pública da cidade, em fomentar um projeto de Arte Cultura, que reflita profundamente sobre a cidade, no que ela foi, o que ela é e o que ela pode ser.
*
Leia mais no blog
Artur Gomes FULINAIMAGENS
https://fulinaimagens.blogspot.com/
As fotos são de Nilson Siqueira
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