terça-feira, 30 de janeiro de 2024

o pantanal ainda sangra

            o pantanal ainda sangra

 

peixes ontem

comeram

pendrives

notbooks

e outras coisitas

mais

que tal família

sorrateiramente

cinicamente

descaradamente

lançou ao mar

              de Angra

 

Artur Gomes

O Homem Com A Flor Na Boca

Arte: Tchello d´Barros 

leia muito mais no blog

www.fulinaimagens.blogspot.com 

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

múltiplas poéticas

cidade

 

plantada na moldura

                               ma/

                               dura

da cana verde

a cidade sustenta

a sua história

 

esquecida a fábula

perdeu-se o espelho

do amanhecer

 

o índio ex/

           tinto

o negro misturado ao gozo do branco:

nova raça esmaecida em planto

suor e esperma na entrega escrava

 

e a vida fez-se em dádiva

                              em dúvida

                              em dívida

a sustentar na sombra do caminho

viva centelha de espera e ânsia

 

um rio que era peixe

corta seu dorso polu/ído

como espada fluída

em desuso de ferrugem:

urgente apelo de aquática fome

 

nessa cidade aflita

o tempo se fez espera

lenta

                           es/fera

a rodar gemidos

que o riso escandido esconde:

grito adormecido

 

a palha queimada da usina

espalha

negra fuligem

descorada sombra

do labor escuro

não revelado

em fotografria

 

cidade

          (rapa/cidade)

descubro sua paisagem:

palácio casa choupana

asfalto pedra lama

avenida rua beco

 

cidade

         (vera/cidade)

componho sua alegria:

carnaval baile fandango

jongo em terreiro batido

desfile jogo e corrida

 

cidade

        (fero/cidade)

reinvento sua fé:

catedral templo terreiro

missa culto macumba e reza/dor

 

cidade

        (morda/cidade)

surpreendo seu pesar:

uísque cerveja cachaça

clube bar buate e boteco

 

(espera que o mundo é um tombo

que a vida é um rombo)

 

cidade

        (velo/cidade)

o tempo tem seu avesso

 

espera

 

Prata Tavares

In Ato 5 – coletânea de poesia publicada em 1979 pelo grupo UNI-VERSO, com poesias também de Artur Gomes, Antônio Roberto Góis Cavalcanti (Kapi), João Vicente Alvarenga e Orávio de Campos



usina

 

usina:

usina são uns olhos

despertos antes do sol

 

a boca mal lavada

num gole de café

e um esfregar de mãos

para aquecer o dia

 

usina  e uma longa

e curta

caminhada

 

inventada em carrocerias

carroças e bicicletas

ou um usar de pés

pra se fazer o dia

 

usina é um balé

de lenços de cabeça

camisa de xadrez

foice e facão

entre um gole e outro

de café

 

usina é um apito

de sol à pino

(feito de marmitas)

quando os olhos nada dizem

e as bocas são limpas

por mãos em conchas

 

usina é um gosto

(doce-amargo)

de uns caldos

escorrendo

ora nas moendas

ora nos moídos

 

é um fazer-de-conta

pós-apito

na birosca ao lado

com uns parceiros

um remedar de vida

 

depois

um mal dormir

de pais e filhos

(de fome de frio de medo)

para antes do sol

se tenha despertado

 

usina é usura

 

são olhos

que se estendem

quando em vez

a casa grande

 

são umas vidas

escapando

pela chaminé

 

Antônio Roberto de Góis Cavalcanti(Kapi) – in Ato 5 – 1979 


o tempo tem seu avesso

para Prata Tavares in memória

 

cidade

quando penso nela

lembro

nossas angústias

dormem em camas

 

de

 ferro

madeira

ou

palha

 

nossas palavras

também são foices

facãos

ou

car/navalhas

 

nossos poemas

estiletes

canivetes

para rasgarem

o pano de luxo

das mortalhas

 

nossas mágoas

lavamos

nas águas do paraíba

 

enquanto eles

que pensaram

serem donos da cidade

com toda fero/cidade

assassinaram

e incineraram os corpos

na usina cambaíba

 

Artur Kabrunco

https://fulinaimargem.blogspot.com/

 imagem: Jean-Michel Basquiat


 com os dentes cravados na memória 

 

tontas  vezes me re-par-to mul-ti-pli-co em 7 alegria dos noves fora nada tudo é baudelérico federico me dizia leonardo fez 80 afonso 84 na rede somos 3 quando ele vem já somos 4 em temporais escrevo e sangro como boi antes da morte muitos outros já se foram e nem gozaram em 69 se eu me lembrar 64 não posso esquecer 68 era uma noite de maio peguei o trem pra são cristóvão depois avião para brasília quando voltei no espelho dédala já estava dentro da tipografia

 

 Artur Gomes

O Homem Com A Flor Na Boca

Editora Penaluxx – 2023

https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/



OUVINDO A OUTRA VOZ DE QUE FALAVA OCTAVIO PAZ

por Rubens Jardim

 

Foi sepultado hoje (4), às 10h30, no Jardim da Colina, em São Bernardo, o corpo do advogado, jornalista e escritor Antonio Possidonio Sampaio, autor de 14 livros e muitos artigos para jornais. O poeta Tarso de Melo escreveu e dedicou este belíssimo e comovente poema para ele.

COMPANHEIRO


água parada, sabíamos, não era sua vida
mais cedo ou mais tarde iremos, você iria
tantos anos, quase todo dia,
gostávamos tanto de falar
quanto de um não dizer que mais dizia
e assim estávamos sempre conversando
cada um lendo suas coisas
escrevendo suas coisas
mas num assunto sempre mesmo
ao nosso modo, fundo, mudos
e hoje, um hoje tão longo
passei o dia a dois metros da última conversa
certo de que ela não terminará
a milhas da coragem do último abraço
o corpo frio que não lhe cabe
o corpo frio que não nos cala
foda, amigo, foda
foi olhar da porta da sala
em que você sempre estava
as fotos das crias, das lutas, do que importa
e ver que até a cadeira chorava
e alguém, talvez um eu que juntos fizemos,
folheava um a um os seus livros
procurando o leitor que lhes falta


[para o APS, 3.6.16


                            ESPREITA

Mais mimética
que espera é espreita,
modo estrábico
de atar o simétrico,
corpo sem ossos
na emenda de fraturas,
modo reto de desatar
o oblíquo.

Desprovida é a espreita
em indigência desperta,
imóvel que se alastra
ao ruminar o encoberto,
ossos sem corpo
em tecidos disjuntos,
dinâmica do estático
no calor das sombras.

 

Cleber Pacheco 


 Uma crônica antiga para o aniversário de São Paulo, cidade que tanto amo, mas cada vez mais desafiadora, 24 anos depois.

 

Turista em sua própria terra

 por Dalila Teles Veras

 Diz o adágio popular que “ninguém é profeta em sua própria terra” ou a variante “nenhum profeta é bem recebido em sua própria terra” e acredito que o provérbio também poderia ser aplicado em relação ao turista. Há uma ideia generalizada de que turismo para ser turismo só em terra alheia.

 Gosto e pratico turismo em ambos os casos, terras alheias e a minha própria (que, afinal, nem sei bem qual seja, cidadã sempre dividida em pátrias), mas admitamos que a “própria” seja aquela terra onde vivo.

 Não é a primeira vez que falo das minhas aventuras radicais na cidade de São Paulo, cidade onde não vivo propriamente, mas onde vou semanalmente e onde também, volta e meia, vou “a turismo”.

 Esclareço: uma coisa é sair de casa, pegar o carro e ir ao teatro, ao cinema, ver uma exposição ou jantar, ali mesmo, a 22 ou 23 km de distância. Outra coisa é sair na sexta-feira ou no sábado pela manhã, uma ou duas mudas de roupa na sacola e, meia hora depois (quando não há congestionamento), deixar o carro na garagem de um hotel previamente selecionado e reservado, fazer um early check-in já negociado e, logo a seguir, flanar pela cidade, olhando-a como quem a vê pela primeira vez.

 Neste último fim de semana fiz turismo em minha própria terra e, como sempre, foi uma (re)confirmação do fascínio que essa cidade exerce sobre mim. A região escolhida (uma vez mais) foi a da Paulista, o nervoso centro financeiro e cultural, onde palpita um coração universal.

 Primeiramente, da janela do 15º andar, olhar a cidade que não se vê, adivinhar-lhe as entranhas.

 Depois, caminhar pela Paulista e arredores, sentar num café, entrar numa livraria, visitar uma exposição, ir ao teatro ou ao cinema, deparar-se com o mundo.

 Anoto (sem ordem cronológica):

No Café da Casa das Rosas, um casal conversa: - “tudo bem, pode ser que eu seja mesmo um sujeito desprezível, mas eu queria falar com você, dizer tudo isto só pra você, entende?”

 No Teatro do Centro Cultural Fiesp, três senhoras na fileira da frente conversam enquanto esperam o início do concerto (Quarteto Clássico, no projeto Música em Cena): - "não, nesse não vai camarão, só coentro, salsa, cebola, alho, todos os temperos".

 No restaurante: uma família numerosa, constituída, presumivelmente pelos avós (o casal aparentando mais idade), uma bisavó (aparentando mais idade ainda), tias, tias avós. Todos eles se revezam em volta de um garoto com idade presumível de 5 anos. Beijos, carícias e comida em seu prato (que permaneceu cheio até o fim do almoço). O menino grita, quer correr por entre as mesas, e os adultos o beijam e acariciam e ele só quer fugir... Um casal mais jovem, após beijinhos e tchauzinhos, sai. Logo a seguir a matriarca, irada, começa a falar, gesticulando muito: eles perceberam mesmo o meu descontentamento, onde já se viu, o menino (possivelmente o rapazola, 15 anos presumíveis que os acompanhava) chegou a casa às sete horas da manhã! Sete horas da manhã! Não pode, não pode... Eles sabem que eu não concordo...

Serena, continuei a degustar o meu peixinho...

 Na sala de espera do cinema: uma bela jovem, (saia cinza até os joelhos, camisa branca e sapatos vermelhos de saltos altíssimos, única extravagância na sóbria vestimenta – típico uniforme das moças que trabalham na recepção de Seminários, Congressos e Feiras de negócios), quase ajoelhada, cobre seu acompanhante de beijos. Não há palavras, só gestos e carícias. Levanta-se e vai ao banheiro. Ato contínuo o acompanhante, meia idade, sapatos sem meias, ar de quem já passou da idade, mas tenta ser “garotão”, saca do celular e liga, presumivelmente, para um amigo. Fala e ri muito. Capto, entre frases desconexas, a seguinte: “mandei minha mulher para Curitiba”.

 Um pouco depois de meia-noite de sábado, o taxi que tomamos para voltar ao hotel após assistirmos a peça “O Inferno sou Eu” (depois falarei dela) no Teatro Jaraguá, percorre a congestionada rua Augusta desde o seu início na Rua Martins Fontes até a Av. Paulista, ou seja, a parte mais, digamos, decadente da outrora (anos 70) elegante rua das butiques. Mulheres de biquíni à porta das casas com ofuscantes letreiros em neon, postam-se ao lado de travestis com não menos reduzido vestuário. Vendedores de pipoca, cachorro quente e outras iguarias aproveitam para faturar algum na multidão que ali circula e deixa a rua intransitável. Quase todos, homens, mulheres, crianças (crianças, sim, aos bandos, meninas e meninos imberbes, com latas de cerveja nas mãos) formam grupos ruidosos (alegria ou desespero?). Lembrei da “noite dos desesperados” (livro de Horace McCoy, “They Shoot Horses, Don’t They?”, traduzido no Brasil como “Mas então não se matam cavalos”? e filme de Sydney Pollack). Estaríamos nós à beira de uma “Depressão” semelhante à dos anos 30 nos Estados Unidos, só que, desta feita, ao invés de dinheiro, trocando qualquer coisa por qualquer coisa? Havia ali um desassossego no ar, como se essa multidão buscasse frenética e desesperadamente algo que preenchesse suas vidas, a excitação diante da roleta russa que está presta a decidir o destino.

 Curiosamente, um difuso sentimento de irmandade me une de alguma maneira a esta espantosa fauna humana de 19 milhões de almas, que se movem, com seus sonhos, suas dores, suas fraquezas, suas taras, suas falhas, seus arrependimentos, seus recomeços. Reconheço-me (e me estranho) nos seus rostos, nos seus passos, multidão sem nome à qual pertenço, alma solitária e solidária.

 dtv 22.03.2010


 recife ontem

era só pedra da boa viagem
o mar fugiu do horizonte
e o carnaval está nos muros
e paredes que dançam
ao som dos maracatus
do mato
fotografei um retrato
nas ladeiras de olinda
mas não era linda a íris
na retina da menina
que pariu antes dos 15


Federika Lispector
https://fulinaimicamente.blogspot.com/

imagem: Felipe Stefani


Estou atrás

do despojamento mais inteiro

da simplicidade mais erma

da palavra mais recém-nascida

do inteiro mais despojado

do ermo mais simples

do nascimento a mais da palavra.

 

ANA CRISTINA CÉSAR (1952 - 1983) 




® "Monturos"
© Tchello d'Barros

Poema visual integrante do projeto multimídia "Convergências", formado p/ livro, vídeo, projeção em eventos, exposição itinerante, curadorias, palestras oficinas e mesas-redondas.
A exposição já foi apresentada em 21 instituições culturais no Brasil e também em Argentina, Chile, Espanha, Itália, México, Portugal, Sérvia e Uruguay, por enquanto.
Diversos poemas visuais desta série estão publicados em mais de 12 livros didáticos no Brasil e várias publicações no Exterior.
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® "Dumps"
© Tchello d'Barros

Visual poem integrating the multimedia project "Convergences", formed for book, video, projection in events, traveling exhibition, curatorships, workshop lectures and round tables.
The exhibition has already been presented in 21 culture instituitions at Brazil and in Argentina, Chile, España, Italia, México, Portugal, Szerbia and Uruguay, for a while. Several visual poems in this series are published in more than 10 textbooks in Brazil and several publications abroad.
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Valdir Rocha 


Talvez essa imagem

grave do vazio,

suas lâminas de costura

detalham sombras,

definem-se luas,

firme ao destino

que segue; cada passo,

estribilho de ostra,

precipícios foram

abertos, restando-me,

loquaz e feroz,

joia ou escarlate,

a cada segundo.

.

Talvez possa dizer

sem propriedade

mantenho decerto

em primeira pessoa

frutas que jazem

libélulas de Tróia

outros ímpares

da palavra ‘verbo’:

este calendário

de metáforas

decidindo os

lábios, as texturas,

os furacões a

imprimi-los. Apenas

isso me contempla

e distrai: essa

palavra meio

boca de mulher

que os torna

leves (espessos

por seus medos)

mínimo que consiste,

sem estratégias. 

André Luiz Pinto

In: "Primeiro de abril", Editora Hedra, 2004.


VARANDA DE MEMÓRIAS

Concedo a liberdade aos meus apegos.
Busco livrar-me de vícios e desesperos,
revogar meus mandatos,
descosturar minhas bainhas,
desalinhavar as amarras,
despovoar a imensidão de habitantes
dos meus sonhos mal dormidos.

Quero um sono profundo,
vazio de tudo.
Uma beira de madrugada bem tecida,
um amanhecer ensolarado das antigas,
um orvalho pendurado
à janela de meus olhos sonolentos.
Minhas mãos preparadas ao cultivo
da horta de minh'alma mal passada.
Quero um suspiro de esperança
(quem espera sempre alcança),
não importa quanto dure essa dança!

Escolho uma verdade bem contada,
um faz de conta de outros mundos,
uma cantiga de ninar em revoada,
uma cadeira de balanço tão antiga
na varanda de minhas memórias adormecidas.

Quero desvencilhar-me de meus desejos,
livrar-me dos meus anseios e enredos,
revogar meu passado (e meus pecados),
rabiscar meu futuro em qualquer tempo
nas próprias asas deste momento.
Quero um sonho profundo,
desalinhado,
entregue ao vento.

(Nic Cardeal, 29/01/2016 - * poema integrante do livro 'Sede de céu', Penalux/2019, pp. 70/71)


o mundo vai acabar
eu sei

paguei o cartão
que estourei
com absoluta certeza
de nada
contratei a esperança
consignada

amanhã
comerei a raspa da panela
de macarronada
em molho
de universo particular
e fome para ostentar

mas assisti na tv
a nutri dizendo
que a verborragia
está liberada

a nova dieta das estrelas
sacrifica a emoção
pelo o anseio
de pertencimento à multidão
e migalhas de pão

na economia da gastronomia
redução
para acentuar sabores
de ilusão

a moda é comer
na mão dos que mandam
e desmandam
a intenção
a aceitação
com doses de usurpação

para garantir a boa forma
brigamos
pela opinião
que nos foi imposta
nos tornando seletivos
sem proposta

a receita está posta

em comemoração
desce outro big bang
garçom!

Flávia Gomes



DESTINOS

Na verdade, é o que dizes,
nasci passarinho e tu vieste
com a armação das raízes.
Apraz-te agarrar-te a terra,
teu destino não te leva ao léu,
enquanto eu, sou feito de asas,
minha casa é a vastidão do céu.

Fernado Leite Fernandes



múculos elétricos
 

não sou cristão

mas os preços

dos hortifrutes

e supermercados ontem

estavam assustando

qualquer ateu pagão

 

um susto assim

acredite

só com os músculos elétricos

despejando volts

na caverna de Afrodite

 

Artur Kabrunco


 

Entulhos

 

tenho tudo guardado

grudados em meu sangue

a cômoda em verniz do meu pai

como seus sapatos lustrados

com cera poliflor

versos antigos, cachos da minha infância

segredos que ninguém ousa saber

papéis rasurados, picados

com palavras insignificantes

que codificam minha mini existência

precária, confusa e heroica...

(Luiza Silva Oliveira)

eu sou um jazigo em desordem

uma necrópole ambulante

flores murchas,

vermes rastejantes ousam rasgar meu ventre

mas cuspo em suas bocas fétidas

e preservo minha autoria...

 

Luiza Silva Oliveira 


capibaribe & flamboyans (poesia, 2021)

 

risomar fasanaro

 

a chuva levou os cravos

as orquídeas

os gerânios da janela

a noite encobriu os lírios

minha dor, meus delírios

perdeste o melhor amigo

- nem percebeste –

teus pés pisaram as rosas

se feriram nos espinhos

- nem percebeste

não viste a primavera

não viste nunca

nem o orvalho da íris

que escorreu

da tela de van gogh

 

Esse livro é uma espécie de acerto seu (Risomar Fasanaro) com o tempo. A infância, a mulher, a opressão de 68, e seus desdobramentos... são temas recorrentes para esse mergulho da autora. E tudo, tão atual, tão urgente, como respirar! Risomar, que é de Recife, está, intrinsicamente, ligada ao rio Capibaribe, que é uma espécie de continuidade das veias do corpo da autora - o mesmo rio de João Cabral, que recebe Severino, fugindo da seca, em “’Morte e Vida Severina”, e presencia o nascimento de uma criança (Para alguém, que até então só conhecera a morte, o Capibaribe, é sinal de vida, esperança). E isso, Risomar, nesses três momentos do livro, como numa guerra de guerrilha, está sempre indo e vindo (nesses temas), tecendo suas incursões para um mergulho definitivo, naquela sua alma mais feminina, e também a mais aguerrida, imagino. - Cacá Mendes

 

Risomar Fasanaro nasceu entre dois rios: Beberibe e Capibaribe na cidade do Recife, Pernambuco, no dia 1 de março, sob o signo de Peixes, com ascendente em Leão.

Saiu de Pernambuco com onze anos para Osasco - São Paulo, acompanhando a família. É formada em Letras pela USP. Lecionou Língua e Literaturas brasileira e portuguesa na rede estadual de ensino do estado de São Paulo e na FITO - Fundação e Instituto Tecnológico de Osasco. Escreve desde adolescente, mas só aos dezoito anos começa a mostrar seus textos. Participou do movimento estudantil contra a ditadura e depois pela Anistia e pelas Diretas. Recebeu vários prêmios em concursos de contos e poesia e em festivais de música. Neste último como letrista. É autora do livrete de poesia “Casa Grande e Sem Sala” e tem alguns de seus contos e poesias em

antologias e apostilas de cursinhos pré-vestibulares. Fez parte dos poetas independentes da geração 70.

 Capa Brochura - formato 14x21 cm - páginas 128

 Claudinei Vieira – Desconcertos Editora 



creio

até em quem

não cria

essa crença

me sustenta

nessa maresia


Rúbia Querubim

https://porradalirica.blogspot.com/


as vezes penso outras vezes me distraio quando em vertigem ou desmaio penso nela lua nua e crua quando beija rua no mar de arcozelo rúbia irina serafina vestida serpentina beleza fulinaímica  em delírios  de carnaval

 

Artur Gomes Fulinaíma

https://braziliricapereira.blogspot.com/




com os dentes cravados na memória

em 1994 a Ex-Cola de Samba Curitibana Unidos do Botão, homenageou Artur Gomes, em seu desfile na Rua 24 horas.  Para quem não sabe essa fabulosa agremiação carnavalesca foi criada pelo multiartista Hélio Letes  e o desfile de 1994, com  seu enredo chu chu rei no kinder ovo desenvolvido em carros alegóricos criados com carretéis de linha puxados pelos 3 componentes da comissão de frente e costa: Hélio Letes, Kátia Horn e Artur Gomes.

 nunca mais voltei a capital paranaense, mas esse desfile continua fazendo um tremendo alvoroço nas minhas massas cefálicas.



entre os anos de 2000 a 2015 tinha desistido de itabira e fui para pedra dourada, pacata cidade entre as montanhas de minas que na época, tinha apena 4 mil habitantes, mas pela fato de estar situada em um vale banhado por muitas cachoeiras, tinha um enorme potencial turístico.

nesta foto estou levando um grupo de turistas para um café orgânico do outro lado da montanha


 Federico Baudelaire

https://fulinaimagemfreudelerico.blogspot.com/




as vezes penso outras vezes me distraio quando em vertigem ou desmaio penso nela lua nua e crua quando beija rua no mar de arcozelo rúbia irina serafina vestida serpentina beleza fulinaímica em delírios de carnaval


EuGênio Mallarmè
https://braziliricapereira.blogspot.com/


Em 28 de janeiro de 2019 eu escrevia:

a vale não vale um talo
da planta que a lama levou
a vale não vale um grão
da terra que a lama arrastou
a vale não vale o que vale
se vale nessa lama gananciosa
e não nos venha com rosas
de chorumes
porque também esqueceram
de delas retirar os espinhos.

 

Luís Avelima 




teus olhos me convidam para o mar

o mar me convida pros teus olhos

ondas líricas em alta voltagem de água e sal

enquanto a carne em êxtase

mergulhada onde o sol não sai

 

Pastor de Andrade

https://secretasjuras.blogspot.com/

 




Maria do Rosário PEDREIRA

O meu amor não cabe num poema - há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitetura
ou quartos que os gestos não preenchem.

O meu amor é maior que as palavras; e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto -
a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura da mão que protege a chama que estremece.

O meu amor não se deixa dizer - é um formigueiro
que acode aos lábios como a urgência de um beijo
ou a matéria efervescente dos segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele, vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.

O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome - é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. Nenhum poema
podia ser o chão da sua casa. 


"Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!"

Carlos Drummond de Andrade

Do livro SENTIMENTO DO MUNDO. 




embriague-se

 já me dizia Charles Baudelaire

hoje estou em estado de vinho

  só venha comigo quem flor acaso bem-me-quer

 

Artur Fulinaíma

https://arturkabrunco.blogspot.com/



 Pequeno grande poema de Eucanaã Ferraz.


À

Legítima estupidez a minha (a dos que amam):
deixar o mel à tona.

Melancolia previsível
que agora moscas o comam.

In Escuta. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 122.


CUÁHEU, ONTEM-AMANHÃ (Romance, 2021)

 

Paulo D´Auria

 

“Logo após o misterioso ataque a Cádiz, na reunião com seus capitães, Isabel e Fernando decidiram enviar dois homens de confiança para a cidade com a tarefa de apurar os detalhes do assalto. Dias depois, receberiam estranhas notícias: Cádiz havia sido invadida por um povo não muçulmano, falantes de uma língua desconhecida. Homens de cabelos longos, colares, brincos e outros adereços feitos de sementes, pedras coloridas, preciosas talvez, e penas. Grande parte deles tinha dentes de animais selvagens saindo do entorno da boca, outros traziam colares de dentes humanos. Haviam chegado em meia-dúzia de barcos movidos a velas, parecidos com caravelas, porém muito maiores. Não eram barcos europeus e tampouco se pareciam com embarcações mouras. Mais de dois mil homens tinham desembarcado na cidade, a mais antiga da Europa [...] ... as tropas de Don Rodrigo estavam fora, empenhadas na Guerra de Granada, e, num ataque relâmpago, esses homens, apenas com seus arcos, flechas, machados, bordunas e lanças, mas em grande número e bravura, acabaram por dominar os soldados que a protegiam.”

-

Um dos mais instigantes romances dos últimos tempos, Paulo D´Auria cria, imagina, constrói ( ou, simplesmente, redescobre, relembra?) uma epopeia, uma saga no século XV, onde povos nativos tomaram seu destino nas mãos.

D´Auria vira de cabeça para baixo nossa história, a história das Américas, a Europa tomada pelo furor dos povos americanos. aqui não são os europeus que chegam às Américas, mas sim os povos nativos americanos que invadem a Europa. O ano é 1486 e a nações Mura, Aparai e Tupinambá, navegadores formidáveis e guerreiros temidos, tendo construído uma grande frota de navios, chega à costa espanhola, saqueiam a cidade de Cádiz e desembarcam em Málaga, de onde partem para firmar uma aliança estratégica com Al Zagal, o sultão de Granada.

Sensível, divertido, emocionante, por baixo de uma escrita aparentemente simples, o impacto desse livro em nossa imaginação e sentimentos é permanente. Obra contemplada pelo PROAC – São Paulo - 2021

-

Paulo D’Auria está nos Poetas do Tietê desde 2008, coletivo com o qual promove saraus de rua, saraus em bibliotecas e escolas periféricas, Fundações CASA e penitenciárias adultas. Formado em História pela FFLCH-USP, é autor de 10 livros, entre eles “As Novas aventuras de Guaracy”, um dos 10 semifinalistas da categoria juvenil do Prêmio Jabuti 2019.

 Capa Brochura - formato 13X20 cm - páginas 152

 Claudinei Vieira – Desconcertos Editora 




Sarau Campos VeraCidade

Sarau Campos VeraCidade   Dia 15 de Março 19h - Palácio da Cultura - música teatro poesia   mesa de bate-papo :um olhar sobre a cidade no qu...