sexta-feira, 22 de outubro de 2021

antologia pessoal - por Ademir Assunção

 



ANTOLOGIA PESSOAL 13

por Ademir Assunção

 

TERRA DE SANTA CRUZ

 

ao batizarem-te deram-te o nome

posto que a tua profissão

é abrir-te em camas

dar-te em ferro

 ouro prata

rios peixes

minas mata

deixar que os abutres

devorem-te na carne

o derradeiro verme.

 

salve lindo pendão que balança

entre as pernas abertas da paz

tua nobre sifilítica herança

dos rendez-vous de impérios atrás.

 

meu coração é tão hipócrita que não janta

e mais imbecil que ainda canta

ouviram no ipiranga às margens plácidas

uma bandeira arriada

num país que não levanta.

 

telefonaram-me

 avisando-me que vinhas

na noite

uma estrela ainda brigava

contra a escuridão

na rua sob patas

 tombavam homens indefesos

esperei-te vinte anos

e até hoje não vieste

à minha porta.

 

o poeta estraçalha a bandeira

raia o sol marginal quarta-feira

na geléia geral brasileira

o céu de abril não é de anil

nem general é mãe brazil.

 

minha verde e amarela esperança

portugal já vendeu para a frança

e o coração latino balança

entre o mar de dólares do norte

e o chão dos cruzeiros do sul.

 

o poeta esfrangalha a bandeira

raia o sol marginal sexta-feira

nesta zorra estrangeira e azul

que há muito índio dizia:

 

meu coração marçal tupã

 sangra tupy e rock’n’roll

meu sangue tupiniquim

 em corpo tupinambá

samba jongo maculelê

maracatu boi bumbá

a veia de curumim

é coca cola e guaraná.

 

o sonho rola no parque

o sangue ralo no tanque

nada a ver com tipo dark

muito menos com punk

meu vício letal é baiafro

com ódio mortal de ianque.

 

ó baby a coisa por aqui

não mudou nada

embora sejam outras

 siglas no emblema

espada continua a ser espada

poema continua a ser poema.

 

Artur Gomes

Do cd Fulinaíma – Sax, Blues e Poesia

Edição do autor, 2002


"Terra de Santa Cruz "  é foda, um épico, como poucos, muito poucos, da desgraça dessa nossa terra tão violentada. Para quem conhece a versão gravada, na voz de Artur Gomes, cruzada com o blues Noite Escura, de Reubes Pessa publicação do poema no silêncio da escrita é uma redução drástica, mesmo que mantenha sua contundência cristalina e triste. Porra, ouça isso. As imagens são simples, a impressão é de que foi o que deu pra fazer. O que importa é a força do poema lançada como lava de vulcão bem dentro dos nossos ouvidos. Eis o link: https://www.facebook.com/studiofulinaima/videos/1366124026815847/?hc_ref=PAGES_TIMELINE




obs.: terra de santa cruz foi escrito na década de 1980 do século 20. Sua primeira publicação se deu no livro Couro Cru & Carne Viva – 1987 – republicado  2019 na antologia pessoal  Pátria A(r)madaEditora Desconcertos, com prefácio de Ademir Assunção




Artur Gomes

FULINAIMICAMENTE

www.fulinaimagens.blogspot.com 

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