domingo, 20 de março de 2022

navio negreiro



Navio Negreiro
Castro Alves

I

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

II

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...

III


Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV

Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

V

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .

São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...

VI

Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
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COMENTÁRIO
O Navio Negreiro é um dos poemas mais significativos do romantismo brasileiro. Enquanto outros poetas como Gonçalves Dias, tomam o índio como herói, Castro Alves tomou o negro, nada estético, tido como de casta inferior na sociedade, sem nenhum valor mítico.

O índio foi um herói bem mais fácil de ser forjado, pois existia apenas como mito, não participava da sociedade e tinha valor heróico, por causa da sua tradição guerreira. Assim, o negro, em Castro Alves, é quase sempre um mulato com feições e sensibilidade de um branco. O amor é tratado como um encantamento da alma e do corpo e não mais como uma esquivança ou desespero ansioso dos primeiros romances.

A temática social abordada por Castro Alves, explicitada na denúncia dos horrores da escravidão e na luta pela sua abolição, difere por completo dos tópicos recorrentes na fase do Ultra-Romantismo ou "Mal do Século", representados por poemas que abordam, num universo de pessimismo e angústia, os seguintes aspectos: individualismo, solidão, melancolia, frustração e morte.
Um dos mais conhecidos poemas da literatura brasileira, O Navio Negreiro – Tragédia no Mar foi concluído pelo poeta em São Paulo, em 1868. Quase vinte anos depois, portanto, da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de escravos, de 4 de setembro de 1850. A proibição, no entanto, não vingou de todo, o que levou Castro Alves a se empenhar na denúncia da miséria a que eram submetidos os africanos na cruel travessia oceânica. É preciso lembrar que, em média, menos da metade dos escravos embarcados nos navios negreiros completavam a viagem com vida.

Composto em seis partes, o poema alterna métricas variadas para obter o efeito rítmico mais adequado a cada situação retratada. Assim, inicia-se com versos decassílabos que representam, de forma claramente condoreira, a imensidão do mar e seu reflexo na vastidão dos céus.

INSTITUTO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO ELISA VALLS
Língua Portuguesa Profª. Rosane R. Gelati 




fedra


onde não tenho o que quero
procuro
mesmo na escuridão do tempo
não tenho contra/tempo
em minha mente
quando a faca entre/dentes
corta a traça que consome
qualquer tempo em desatino
e a raça do meu nome
abre as portas do destino


Federika Bezerra

www.personasarturianas.blogspotcom





algumas coisas no face não são para entender. o que é um atentado contra segurança por exemplo? será que estamos cercados de terroristas por aqui? qual a verdadeira razão de bloquear uma conta, ou bloquear uma postagem aqui com essa alegação? ou será que ainda estamos vivendo na era do sexos dos anjos. Digo isso porque a conta do meu amigo Oswald de Andrade foi bloqueada e ele não consegue reavê-la, e o motivo: um poema erótico. 



Brazílica Pereira


neste país de fogo & palha
se falta lenha na fornalha
uma mordaz língua não falha
cospe grosso na panela
da Imperial tropicanalha

não me metam nestes planos
verdes/amarelos
meu dentes vãos/armados
nem foices nem martelos

meus dentes encarnados
alvos brancos belos
já estão desenganados
desta sopa de farelos


uma faca só lâmina
para João Cabral de Melo Neto

uma faca só lâmina
tritura o intestino fino
corrói intestino grosso
mastiga a lama do osso
nessa noite cabralina.



sabrina

teu olho de lamparina
incendeia
toda noite severina



Mulher
meu poema
se completa em teu vestido
roçando a tua carne no algodão tecido


Porto Viejo

aqui o ar é estranho
o amor não tem tamanho
e posso comer o que não vejo

 

SubVersão


salve lindo
pendão que balança
entre as pernas abertas da paz
trua nobre sifilítica herança
dos rendez-vous de Impérios atrás.


quem tem sangue na veia
nem guaiamum nem caranguejo
mas também sente essa dor.
a saliva do desejo
em tua língua meu amor
e que a lama desse mangue
possa parir alguma flor


 

poÉtika 68

era para ser assim como se foice
no papel de seda era língua e sangue
unhas muitos dedos dentes
nos teus céus de boca

era assim como se fosse
meus olhos no cinema
nos teus olhos presos
e o destino do poema teus lábios indefesos

 do livro O Poeta Enquanto Coisa

www.secretasjuras.blogspot.com


Artur Gomes

CarNAvalha Gumes – 1985

www.fulinaimagem.blgospot.com



há muito tempo que este país não tá pra peixe

naquela tarde era fim de ano. cantávamos Caetano em Teresina a cajuína era pouca. raspamos o tacho e não era mole a rapa dura. Olga me abriu o Magma um Mar de larvas de fogo. em cada palavra/poema de sete letras. em cada poema sete cabeças no jogo. levamos flores ao túmulo do poeta da tropicália. Medeiros não se conteve chorou a dor dos aflitos. e para aliviar o seu pranto berrou o poema: 


COGITO

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.

Torquato Neto 



espinha de peixe com farinha

naquela tarde em Teresina quando perdemos Tom Jobim, cantamos a Garota de Ipanema e o poema atravessou o cemitério com todo mistério que a tarde então continha. Marciely ainda não era a minha. o mar mora pra lá muito pra lá da cajuína. bebemos o gosto do caju sal/preso na língua e a saliva era só sal não tinha peixe no poema alguma espinha e a farinha que Luisa misturou na tapioca.




jura secreta 41

mastigo o coração do vampiro
dentro da noite relâmpago

não tenho sangue de cristo
nem sei a bela onde a/mora

se eu te comer é metáfora
se te devorar é agora




Artur Gomes Gumes

www.fulinaimagens.blogspot.com



alfândega

em santa cruz de la sierra
o poema e o anjo torto
se beijam num copo de vodka
com pimenta boliviana
e traçam May doida cigana
que me deixou no desconforto


nação

não me canso
sempre penso
sempre digo

uma nação só será uma nação
quando a sua população
deixar de olhar seu próprio umbigo



Teatro/Absurdo

ela me chegou oferecendo
o que de mais secreto
e mais sagrados
havia debaixo dos seus planos

mas não tenho 20 anos
só de teatro tenho mais
e dificilmente me engano

quero mais o absurdo
a entrega o corpo/aberto
o teatro mais concreto

e isso: ela nem passou por perto


Federico Baudelaire

www.personasarturianas.blogspot.com



outono

ontem contando estrelas
o amor latia
sob um céu de nada
na cama um vento limpo
e o sol ardia na madrugada



indigNação

meu coração é par/tido
desde que incestaste o golpe
e não é de hoje
não me engano
que esse seu plano
urgido no calabouço
cassaram meus 20 anos
quando por baixo dos panos
botaste a grana no bolso
do puto que te bancou


dadaísta

dou a quem eu quiser
e roubo de quem tem
para me dar
não sou de dizer amém
muito menos de me culpar

eu dou a quem eu quiser
e roubo de quem
tem para me dar
o desejo muito além
do além mar

todo beijo
que uma boca
sabe dar



Intervenções

de Privacidade

se eu invadir teu prato
é porque tenho fome
se invadir teus olhos
é por querer bebê-los
se invadir teus pelos
é por querer comê-los
se invadir teu corpo
é porque desejo
se invadir teu beijo
a vontade é mato



Gigi Mocidade

www.personasarturianas.blogspot.com




toda palavra é um risco

ando espantada com a morte
em sua toga preta

a cara é do capeta
os olhos do cão curisco

toda palavra é um risco
toda palavra é cilada

o estrume com a mão armada
mata somente por vício



democracia

enquanto os canalha na TV
dão descarga no teu nome
na latrina do despejo

inteira te desejo

não assim
:
despentelhada
avacalhada
esquartejada
estuprada

e servida como puta
no banquete dos fascistas
que pensam ser os donos
da verdade absoluta.



Delação

enquanto isso no Recife
em frente do espelho
olho Pernambuco
no filme que passou
morte e vida severina
na calada da metáfora
a traição me esfaqueou


Federika Lispector

www.personasarturianas.blogspot.com



BraziLírica

para Uilcon Pereira in memória

salve salve a metáfora anárquica
res-publicana brazilirica
assombradado seja o poder da ficção
meu coração é vermelho
nunca foi verde/amarelo
minha faca tem dois gumes

não tem neves
não tem cunha
não tem mello

no circo tem marmellada
às 8 horas da noite
com a massa tele guiada

Artur Gomes
BraziLírica Pereira: A Traição das Metáforas

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