terça-feira, 16 de novembro de 2021

Artur Gomes - Suor & Cio

 



                PASSANDO A LIMPO

 

I

 

loucura é não entender

a razão da poesia

em universo cosmo plástico

língua transcendental

em céus de boca

onde palavras tomam formas

e flutuam dimensões

 

II

 

loucura é não perceber

a santidade dos ladrões

a fome a sede o vício

coisas da social e da favela

“a carne seca na janela”

o desfile da portela

a mangueira verde e rosa

e os ratos passeando nos porões

 

III

 

loucura é ouvir

o rugido dos leões

na arquibancada

do pão que o diabo amassou

e não cumer a outra banda

que o brazil deu pra hollanda

não sacar Paulo Ciranda

essa finíssima presença

nem conhecer Marco Valença

:

ó baby

loucura ainda nem começou

 

 

GESTA

 

feroz

o índio

ainda via

o sol

a festa

fazia

 

o parto da raça humana

que hoje se desengana

e gente não pari mais

 

INDIGESTA

 

ê fome negra incessante

febre voraz gigante

ê terra de santa cruz!

 

onde se deu 1ª missa

índio rima com carniça

no pasto pros urubus

 

INDÍGENA

 

coração tombado

no tacape branco

fogo e fúria

        de fuzil

 

onde o planalto mata

veia agonizando

na ferozcidade:

BANCO DO BRASIL

 

 HERÓI NACIONAL

 

meu coração marçal tupã

sangra tupi e rock and roll

 

meu sangue tupiniquim

em corpo tupinambá

 

samba jongo maculelê

maracatu boi-bumbá

 

a veia de curumim

é coca cola & guaraná

 

TIRANA

 

ó baby

o meu sangue não é blue

nem tampouco jazz

em tua carne azul

 

estou de pé

olhando o front

e não aceito o horizonte

com a tirania do norte

ditando regras no sul

 

SONHANDO ESTAR EM CUBA

 

meu coração

não é de osso, não é de vidro

não é de aço, nem é de pedra

impunemente é só: coração

 

meu coração não é de hoje

conta por conta guarda em segredo

ama de longe ativamente

é só coração

 

meu coração não é verde amarelo

mas vive num país independente

só faz revolução não se arrepende

tramando a nova forma

do que sente

 

quando rumba brasileiramente

quando dança

algum bolero ardente

sonhando estar em cuba

macumba libremente

 

 BRAZILIANA

 

coração amordaçado

é simplesmente

nervo retorcido

 

coração apunhalado

é plenamente

nervo meu, ferido

 

sangra coração

em pele e osso

couro envelhecido

 

salta numa praça

brinca de pirraça

mesmo assim

:

fudido

 

 

TRO/PICALIZANDO

 

I

 

o poeta esfrangalha a bandeira

rasga o sol

tropical bananeira

na geléia geral brasileira

o céu de anil não é de abril

nem general é my brazil

 

II

 

minha verde amarela

esperança

portugal já vendeu

para a frança

e o coração latino

balança

:

entre o mar

de dólar do norte

e o chão

do cruzeiro  do sul

 

III

 

o poeta estraçalha

a bandeira

raia o sol marginal

quarta-feira

nessa porra estrangeira

e azul

que há muito índio dizia:

- “foi gringo

que trouxe no cu”

 

RE/VERSO

 

oswaldianamente

ainda não sei bandeira

nem levo o barco

ao Rei da Vela

 

: minha paixão

ainda é mangueira

desfilando na portela


 SEIO DA TERRA

 

bem no centro do universo

te mando um beijo ó amada

enquanto arranco uma espada

do meu peito varonil

 

e espanto todas estrelas

dos berços do eternamente

pra que acorde toda essa gente

desse vasto céu de anil

 

pois enquanto dorme  gigante

esplêndido sono profundo

não vê que do outro undo

robôs te enrabam ó mãe gentil !

 

 PARA TOTQUATO NETO

 

aqui estou na brasiléia tropicalha

em populácea militância

pornofágica

desbundando a marginalha

 em poesia su-real

 

para esquecer que a circunstância

é um pouco trágica

e não dizer

que o meu brasil dançou geral

 

 TRINCHEIRA

 

há uma gota de sangue

entre meus olhos

e os teus

 

e muitas velas acesas

pra salvar a nossa carne

e bocas cheias de dentes

   mastigando a nossa morte

 

mas eles é que morrerão

meu amor

num grande susto

         quando nus virem

amando nessa cama

de ferro e de pau duro

 

 1º DE ABRIL

 

telefonaram-me

      avisando-me

     que vinhas

 

na noite

uma estrela

ainda brigava

contra a escuridão

 

             na rua

             sob patas

             tombavam homens

             indefesos

 

esperei-te

20 anos

e até hoje

não vieste

à minha porta

 

 BRASIL

 

        este país

nunca existiu  

aqui

nunca tivemos

1º de abril

 

é brincadeira

da minha poesia

putaria do meu coração

 

tudo não passou de fantasia

                    ou obra de ficção

 

Artur Gomes

Suor & Cio

MVPB Edições – 1985

www.suorecio.blogspot.com




NAÇÃO GOITACÁ

www.fulinaimargem.blogspot.com

domingo, 14 de novembro de 2021

poeta pouco

 



pedra

punho

porra

 

uva

ovo

ova

 

quem me acusa

de poeta pouco

juro que não prova

 

saibam quantos estes

que meus versos virem

que te amo do amor maior

que possível for

 

Oswald de Andrade

In Cântico dos Cânticos Para Flauta & Violão

 

agora não se fala mais

toda palavra tem o fim

em seu início

tudo é transparente em cada forma

os loucos sempre cantam

nos hospícios

 

Torquato Neto

 

ainda que fosse

apenas sátira

sarcasmo ironia

amor humor

ruído

ou manifesto

cada palavra tem seu gesto

cada palavra contém

alguma pólvora

não me retrato quando peco

também nem sei o que

pecado significa

como bem me disse  Paulo Leminski

conheço esta cidade

como a palma da minha pica

 

Artur Gomes

O homem com a flor na boca

www.arturgulinaima.blogspot.com



 

NAÇÃO GOITACÁ

www.fulinaimargem.blogspot.com

sábado, 13 de novembro de 2021

ó my brazyl

 


                                              indGesta

 

ê fome negra

incessante

febre voraz gigante

ê terra de tanta cruz

onde se deu primeira  missa

índio rima com carniça

no pasto pros urubus!

 

 Brazílica Pereira

 

neste país de fogo e palha

se falta lenha na fornalha

uma mordaz língua não falha

cospe grosso na panela

da imperial tropicanalha

 

não me metam nestes planos

verdes amarelos

meus dentes vãos armados

nem foices nem martelos

meus dentes encarnados

alvos brancos belos

já estão desenganados

desta sopa de farelos

 

ó my brazyl

ainda em alto mar

cabral quando te viu

foi logo gritando

:

- Terra à vista!

 de bandeja te entregando

pra união democrática ruralista

 

Torquato Neto re-visitado

 

por aqui nem só beleza

nestes dias de paupéria

nação de tanta riqueza

país de tanta miséria

 

já podeis

da pátria, ó filho

ver demente a mãe gentil

já raiou a liberdade

em cada cano de fuzil

 

Artur Gomes

Suor & Cio – 1985

Couro Cru & Carne Viva – 1987

Pátria A(r)mada – 2019

segunda edição em 2022

www.porradalirica.blogspot.com



 

Artur Gomes

FULINAIMAGEM

www.fulinaimagens.blogspot.com

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

juras secretas

 


        Jura secreta 90

 

do portal desta estação

ouço a voz do teu silêncio

o amor com seus olhos castanhos

passou no trem pra Leningrado

e o nosso encontro marcado

ficou para depois da estação Porto Viejo

onde a droga do desejo

é um veneno pra nós dois.

 

 Jura secreta 91

 

cara velas ao vento

toda barra em movimento

e o morro do juramento

corre em busca da farinha

que Cabral já descobriu

 

e um Rio violento

na pedra do Redentor

chora a morte da vizinha

chora a barbárie e o terror

 

e o marco do monumento

metralhadora e fuzil

pra garantir o movimento

só o prefeito é quem não viu

que esta cidade para olímpica

é uma ponte que caiu

 

Jura secreta 92

 

 

me encanta mais teus olhos

que o plano piloto de Brasilha
o palácio do planalto o alvorada
me encanta mais as mãos da namorada
que a bandeira do Brazil
o céu de anil a Tropicalha

quero muito mais a CarNAvalha
do que a palavra açucarada
quero a palavra sal do suor da carne bruta
Flor de Lótus  Cio da Fruta
mesmo quando for somente espinhos
me encanta os pés que a lata chuta
por entender que a vida é luta
para abrir novos caminhos

me encanta mais na lama o lírio
a flor do Lascio
os olhos da minha filha
que o ouro dessas quadrilhas
que habitam esses Palácios

 

 Jura secreta 93

 

beber da  tua língua

líquido na maresia

suor no mar dessa  linguagem

e tudo mais beberia

no teu corpo em desalinho

em luas  de tempestades

em lençóis de calmaria

palavras em tua boca

levaram-me ao descaminho

amarraste-me em tua cama

 com  tuas garras de linho

depois que me embriagaste

com tuas garras de vinho

 

 Jura secreta 94

 

nem  todo poema curto

nem todo endereço acerto

a meta do poeta é o alvo

o alvo do poeta é a meta

a flecha estendida no arco

o arco estendido na seta

eu quero teus olhos de vidro

não poema em linha reta

 

nem toda cidade prova

nem todo poema povo

a clara da gema nova

pode estar  dentro do ovo

o biscoito fino pra massa

o Dia D sem trapaça

acende a fornalha  na praça

a massa do biscoito fino




                                                                         Artur Gomes

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